segunda-feira, 12 de maio de 2008

Bebelplatz, 10. Mai 1933

No dia 10 de maio de 2008, completaram-se 75 anos da noite em que livros foram queimados numa grande fogueira em Berlim, na Bebelplatz, na frente da Universidade Humboldt. O tom da "comemoração" e memorial do evento aqui na Alemanha tomou, em alguns aspectos e em meio ao vozerio de boas intenções, o sussurro do eufemismo e da banalização espetacular, encabeçados pela epígrafe repetida inúmeras vezes neste contexto: a declaração do poeta judeu Heinrich Heine (1797 - 1856), que foi impedido em seu tempo de exercer a profissão que escolhera por ser judeu e morreu no exílio, banido por seu ativismo político, de que "wo man Bücher verbrennt, verbrennt man auch am Ende Menschen", ou seja, "onde se queima livros, queima-se por fim também pessoas."


Pensei imediatamente em certos poemas visuais de Heimrad Bäcker, que trazem de forma clara à consciência política e poética a causalidade expressa na frase de Heine, que se fez verdadeiramente histórica na Alemanha nazista.


epitáfio (1) – 1989

documentos da história dos judeus de frankfurt (1933-1945), capítulos I 1 – XIV 15.

Nota: A expressão "nach dem osten nach dem osten" ao final deste primeiro poema pode ser traduzida como "para o leste para o leste".





epitáfio (2) – 1989

texto rotativo com abreviações dos nomes dos campos de concentração alemães de dachau, sachsenhausen, buchenwald, mauthausen, etc. (usadas para comunicação interna)





epitáfio (3) – 1986

plano ferroviário nr. 587 da direção geral da ostbahn (ferrovia do leste), do dia 15 de setembro de 1942: “trem especial para migrantes”


Nota: Sedziszow, Szydlowiec e Kosienice são cidades do interior da Polônia. O campo de extermínio de Treblinka é o mais conhecido dos quatro campos de extermínio da chamada “Operação Reinhard”, nome dado pelos nazistas para o programa de extermínio dos judeus poloneses. Treblinka foi o destino da grande maioria dos judeus do Gueto de Varsóvia. Entre julho de 1942 e setembro de 1943, cerca de 750.000 judeus foram assassinados no campo. Em agosto de 1943, cerca de 1.500 prisioneiros judeus iniciaram uma revolta. Tomando armas de pequeno porte e querosene, conseguiram incendiar a maior parte dos prédios do campo. Alguns soldados nazistas foram mortos na revolta, mas ao fim apenas algumas dezenas dos prisioneiros sobreviveram. O extermínio estava muito próximo de ser completado, mas após a revolta o campo de Treblinka tornou-se inoperável. O campo foi oficialmente fechado em novembro de 1943, após o fuzilamento do último grupo de prisioneiros (cerca de 40 meninas). O diretor do campo de extermínio de Treblinka, o austríaco Franz Stangl, fugiu para o Brasil, onde viveu por quase duas décadas usando seu nome verdadeiro e até mesmo registrado oficialmente no Consulado da Áustria em São Paulo, onde viveu. Só seria extraditado em 1967 e condenado pelo assassinato de milhares de homens, mulheres e crianças, assassinatos sobre os quais comentou de forma leviana: “Eu apenas fiz meu trabalho.”





9228 de sedziszow para treblinka

9229 trem vazio

9230 de szydlowiec para treblinka

9231 trem vazio

9232 de szydlowiec para treblinka

9233 trem vazio

9234 de kosienice para treblinka

9235 trem vazio



Heimrad Bäcker nasceu em Viena, Áustria. Estudou filosofia, sociologia e filologia germânica. Mudou-se mais tarde para Linz, onde passou a lecionar. Iniciou um trabalho de pesquisa histórica nos arquivos nazistas austríacos na década de 50. Começa a publicar seus textos na década seguinte, e entre 1968 e 1992 foi editor da revista neue texte, mais tarde transformada em editora, dedicada à literatura experimental. Morreu em Linz em 2003.

Estes 3 poemas visuais de Heimrad Bäcker foram compostos na década de 80, criados a partir de sua pesquisa histórica do extermínio de judeus pelos nazistas. Sua escolha é pelo silêncio pessoal de respeito e a apresentação de documentos que gritam por si mesmos. Os três poemas são chamados de "epitáfios".

tradução e notas de Ricardo Domeneck

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