segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Para engolir e curar a tristeza

Não tive a oportunidade de conhecer o poeta Leonardo Martinelli pessoalmente. Trocamos muitas mensagens eletrônicas, discutimos poesia, a alheia e a nossa, trocamos poemas, comentamos o trabalho do outro. Acreditava que seria um dos encontros bonitos quando finalmente passasse pelo Brasil mais uma vez. A notícia de sua morte, este fim-de-semana no Rio de Janeiro, deixou-me bastante triste. Martinelli foi uma das pessoas que me trataram com gigantesca generosidade, desde que publiquei meu primeiro livro. Considerava-o um amigo, companheiro, aliado, colaborador, cúmplice. Termino esta nota, muito triste, com um de seus poemas, talvez meu favorito entre os que escreveu antes de desaparecer.

Receitas para engolir e curar o fracasso

Origem, compra, preparo e sabor


1. Ave sertaneja
de porte médio
fibrosa, rija
de vida noturna

Preços: vinte e
sete contos o quilo
no Mercadão de
Madureira ou

trinta e sete
(ágio de dez paus)
nos açougues febris
da rede Mundial

O jeito é pegar
um 254 na madruga
ou encarar de frente
o trem da Central


2. Embrulhe o fracasso
com jornal de ontem


3. Afogue duas postas numa
panela de barro contendo
dois litros de vinho barato

Salgue e asse
em fogo alto

Enfeite o prato
com uma dúzia de

amóreas secas + 100 g
de fios de óvulos


4. Aí vai ele
numa baixela dourada
ridícula - duas
palavras
em francês fajuto
farão sorrir amarelo

o rapaz de
meia-idade e enrubescer
as bochechas
gentis suburbanas
à mesa

Rende
para uma duas três
mil pessoas


Posologia

Uma vez
hiperdosada
vai-se a bula ao
mar de bile

--- poema de Leonardo Martinelli (1971 - 2008)

2 comentários:

nora disse...

Fé, Ricardo.
bjs nora

Elisa Kozlowsky disse...

Interessante, mas não dá para engolir.

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