quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

E se eles vierem todos / Numa ciranda de tigres / Defenderei / Defenderei / Defenderei

Amigos perguntam-me às vezes o porquê de minha insistência e quase ferocidade no combate a certos conceitos críticos de alguns poetas contemporâneos, como o de "trans-historicidade poética", por exemplo. Já expus em alguns textos os argumentos para minha divergência e como este conceito me parece equivocado. Isso não explica, é verdade, a minha "insistência", minha "ferocidade", como dizem os amigos. Talvez o fato de morar em um país como a Alemanha, em uma cidade como Berlim, realmente faça com que a mera noção de "trans-historicidade" me gele crânio, costelas e cóccix; me faça ainda mais sensível para as implicações da prática poética engendrada por este conceito, a elefantíase semântica, o retorno a uma poesia decadentista e exotizante disfarçada de experimentalismo, a mitificação do poeta baseada em uma espécie de "hierarquia" espiritual, morbidez e leviandade est(É)ticas que tentam passar por "seriedade no tratamento da língua".

Um poeta que caminha pelas ruas de uma cidade como Berlim tem certa dificuldade em dar-se ao luxo de facilitações críticas como esta. Mas, um poeta no Brasil, em uma cidade como São Paulo, ou como o Rio de Janeiro, pode dar-se a esses luxos? A maneira como os defensores do conceito de "trans-historicidade" tentam usar a falácia de afirmar que poetas com o meu tipo de "constituição", digamos, se interessam mais pela "realidade" que pela "linguagem" torna tudo ainda mais absurdo, pois são justamente dicotomias como estas, separando realidade e linguagem como se ainda estivéssemos no século XIX, que deveriam (creio eu) ser questionadas por poetas hoje.

O poeta usa a linguagem que pertence a toda uma comunidade, em práticas que têm implicações políticas e artísticas ou, no campo em que política e arte se encontram, est(É)ticas. Ludwig Wittgenstein: "Ética e estética são uma só." Não se trata de facilitar o trabalho do poeta, mas de complicá-lo. Trabalho formal já não basta, o poeta é obrigado a pensar em forma, função e contexto. Um poeta com consciência histórica (não apenas de seu passado em tradição ou de seu futuro em parúsia, mas em seu presente) escreve em estado de emergência, sítio, tentando alertar para as calamidades públicas que se acumulam, sem separá-las entre espirituais e físicas. Nossa penúria é completa.

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