sábado, 28 de fevereiro de 2009

Lennon/Rist

"Happiness is a warm gun" é um dos poemas líricos mais maravilhosos do pós-guerra.




§ - John Lennon


Três traduções da letra de John Lennon para a canção, uma delas por Fabiano Calixto, a que fiz com Marília Garcia, e ainda uma tradução de Carlos Drummond de Andrade para a canção incluída no lendário “Álbum Branco” dos Beatles. A letra possui uma história curiosa, com seu caráter “colagístico” e de descontinuidade, a montagem de fragmentos de canções, que Lennon uniria naquela que é uma das mais difíceis e enigmáticas do álbum, com sua métrica irregular e constante mudança melódica. Lennon declarou que “Happiness is a warm gun” seria sua “história portátil do rock”, com várias pequenas partes em uma canção de cerca de 3 minutos.



A felicidade é uma arma quente
tradução de Fabiano Calixto


Ela não é uma garota que marca touca
Ela bem sabe a mão de veludo
Como uma lagartixa a uma vidraça


O homem na multidão e seus espelhos coloridos
E suas botas fodidas
Mente com os olhos enquanto as mãos fazem
Os trabalhos extras
A impressão em sabão de sua mulher
Que tanto comeu e doou ao Patrimônio Histórico


Mais uma dose, pois estou desabando
Caindo nas tralhas que esqueci na cidade-alta
Mais uma dose, pois estou desaband
Madre Superiora saca a arma
Madre Superiora saca a arma
Madre Superiora saca a arma


A felicidade é uma arma quente
A felicidade é uma arma quente, mãe!
Quando eu a pego nos braços
E sinto meu dedo em seu gatilho
Sei que ninguém pode me fazer mal
Porque a felicidade é uma arma quente, mãe
A felicidade é uma arma quente

Sim, ela é
A felicidade é uma arma quente, sim
Arma!
Bang! Bang!!
Pow! Pow!!
Bem, você não sabe que a felicidade é uma arma quente, mãe?



Felicidade é um revólver quente
traduçã
o de Marília Garcia & Ricardo Domeneck

Ela não é o tipo de garota que deixa passar
E conhece de outros carnavais o toque da mão-de-pelica
Como uma lagartixa na vidraça


O homem na multidão com seus espelhos multicoloridos
Nas botas cardadas
Mente com os olhos enquanto suas mãos ocupadas
Fazem hora-extra
A impressão em sabão de sua mulher
Que ele comeu e doou ao Patrimônio Histórico


Preciso de uns tiros, pois estou pra baixo
Abaixo dos trapos que deixei no subúrbio
Preciso de uns tiros, pois estou pra baixo
Madre Superiora queime a largada
Madre Superiora queime a largada
Madre Superiora queime a largada


Felicidade é um revólver quente
Felicidade é um revólver
quente, mãe!
Quando eu a pego nos braços
E sinto meu dedo em seu gatilho
Sei que ninguém pode me fazer mal
Porque felicidade é um revólver quente, mãe

Sim, ela é
Felicidade é um
revólver quente, sim
Gatilho!

Bang! Bang!!
Pow! Pow!!
Bem, você não sabe que a felicidade é um revólver quente, mãe?



A felicidade é um revólver quente
Tradução de Carlos Drummond de Andrade

Até que essa garota não erra muito
Acostumou-se ao roçar da mão-de-veludo
como lagartixa na vidraça.


O cara da multidão, com espelhos multicores
sobre seus sapatões ferrados
descansa os olhos enquanto as mãos se ocupam
no trabalho de horas extraordinárias
com a saponácea impressão de sua mulher
que ele papou e doou ao Depósito Público.


Preciso de justa-causa porque vou rolando para baixo
para baixo, para os pedaços que deixei na cidade-alta,
preciso de justa-causa porque vou rolando para baixo

Madre Superiora dispara o revólver
Madre Superiora dispara o revólver
Madre Superiora dispara o revólver


A felicidade é um revólver quente
A felicidade é um revólver quente
Quando te pego nos braços
e meus dedos sinto em teu gatilho,
ninguém mais pode com a gente,
pois a felicidade é um revólver quente
lá isso é.



§ - Pipilotti Rist


Gravada várias vezes por outras bandas, a canção passou por uma das apropriações e desconstruções mais inteligentes no vídeo “I´m Not The Girl Who Misses Much”, da artista suíça Pipilotti Rist. Apropriando-se da letra de Lennon e encenando-a, numa desconstrução em que o objeto (she) torna-se o sujeito do texto (a terceira pessoa em “She´s not a girl who misses much” tornando-se a primeira pessoa na boca do sujeito de Rist: “I´m not the girl who misses much”), Pipilotti Rist entrega-se a uma performance em que esta “girl” recebe voz e corpo, num vídeo em que o desfoque e a distorção assumem uma função estética e trazem efeitos cômicos e ao mesmo tempo comoventes e críticos, em sua intervenção no discurso masculino sobre o corpo feminino.




sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Orgulho dos amigos: Niklas Goldbach

Niklas Goldbach é um bom amigo aqui no Berlimbo, e também um artista visual que respeito imensamente. Trabalhando primordialmente com vídeo, já aprendi muito com ele sobre edição e outras quinquilharias digitais.

Membro antigo e fundador do nosso coletivo Kute Bash, Niklas é o responsável, por exemplo, pela realização dos conceitos que o coletivo cria para os flyers da Berlin Hilton.

No mês passado, ocorreu em Paris sua primeira grande exibição solo, na Galerie Bendana-Pinel.
Por ocasião da exposição, Niklas Goldbach concedeu esta entrevista para o Le Monde:



Escrevi um pequeno ensaio sobre os seus vídeos ao mostrar três deles em minha Hilda Magazine, em 2008. Você pode ver estes trabalhos na revista digital.

§

Abaixo, a entrevista de Niklas Goldbach para a revista Flasher, da qual fui um dos fundadores e o editor durante o ano de 2006:




Você pode visitar a página pessoal do artista AAQQUUII.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Programa da noite com O Moço, quinta-feira pós-berlin-hilton, 26 de fevereiro

Após a típica noite de excessos de quarta-feira na berlin hilton, nada como uma calma noite de quinta-feira com O Moço. No ano passado, por causa do filme de Gus Van Sant, pesquisamos um pouco e encontramos um excelente documentário sobre Harvey Milk (1930 – 1978), dirigido por Rob Epstein, intitulado The Times of Harvey Milk.



Estreou finalmente aqui no berlimbo o filme de Gus Van Sant, após ser mostrado no Festival de Cinema de Berlim.

Acorda, Moço.

Vamos.



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Uma pergunta, uma resposta

Um poeta brasileiro que mora na Bahia me perguntou se a situação que descrevo na última postagem, sobre a relação tumultuosa entre poetas literários e poetas orais, é diferente na Europa, e também pediu minha opinião sobre os motivos de tal dualidade no Brasil. Achei que nosso diálogo valia como extensão do texto anterior:

A separação entre poesia escrita e poesia cantada, o preconceito dos literatos (que associam oralidade com analfabetismo), o provincianismo insolente da intelligentsia brasiliana: tudo isso, unido ao complexo de inferioridade latino-americano (onde há uma tradição oral tão forte), gera o quadro triste de um cânone literarizante, que exclui outras possibilidades para a poesia. É claro que há muitos e muitos casos de exceção, e nós temos uma poesia literária excelente. Os próprios poetas brasileiros que trabalham com a oralidade não colaboram, pois muitas vezes usam a performance como desculpa para se descuidarem na composição do texto.

A situação na Europa, porém, não é muito diferente. Há preconceitos contra a oralidade (e a Europa mantém uma tradição oral forte) e a intelligentsia é tão provinciana quanto a latino-americana, por motivos distintos. Poetas-performers também são muitas vezes invisíveis. Penso no exemplo gritante de Bernard Heidsieck, um dos maiores poetas franceses do pós-guerra, mas completamente desconhecido, mesmo na França, por escrever "textos-para-performance" e publicar livros (incríveis) que incluem os poemas em performance.

A marginalização da oralidade em meio a uma cultura literária é algo que ensaístas como Paul Zumthor combateram, mesmo em território europeu. Talvez devesse dizer: principalmente em território europeu, já que herdamos os preconceitos deles.

Não é questão de esperar que todos os poetas se interessem pelo trabalho vocal, oral ou sonoro, é totalmente legítimo que um poeta queira ESCREVER, ser um poeta-escritor.... a tradição da poesia literária é bela e legítima. Subscrevo-me a ela, considero-me um poeta trabalhando muitas vezes na fronteira entre a escrita e a oralidade, mas seria saudável que os literatos se livrassem de seus preconceitos.

Eles se divertiriam muito mais.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Jovens poetas europeus: Damien Spleeters


Damien Spleeters é um jovem poeta belga, nascido na pequena vila de Montignies-sur-Sambre, em 1986. Publicou os volumes de poemas Amen (2005) e ouroboros (2008), o romance Transere (2006) e a peça de teatro La Prophétie (2008), todos lançados em Bruxelas, pela Maelström éditions. O poeta vive entre Bruxelas e Paris.


Conheci Damien Spleeters em 2006, quando recebi um convite para o festival organizado por sua editora, que ocorreria em Bruxelas em maio daquele ano. Com o convite, vieram alguns vídeos de poetas que participariam do evento. Entre eles, o vídeo de um poeta muito jovem, fazendo uma leitura que chamou minha atenção por sua ênfase na corporalidade da escrita e da performance. No vídeo, via-se apenas um jovem (muito bonito, diga-se de passagem) apresentar-se como Damien Spleeters, segurando uma máscara de oxigênio à boca, sem sabermos se a leitura já havia começado, se o poeta estava realmente doente, se aquilo tudo não passava de encenação e performance. Obcecado como sou pela busca da corpORALIDADE (usando a grafia de Ricardo Aleixo) do poeta, fascinei -me imediatamente pela criatura belga desconhecida.




Por coincidência, eu estaria na Bélgica no fim-de-semana do festival, pois havia sido convidado para apresentar-me como DJ em Antuérpia, e segui na manhã seguinte para Bruxelas, onde conheci Damien Spleeters. Desde então, mantivemos contato, troca de informações e organizamos uma leitura juntos em Berlim, em agosto de 2008, com a alemã Odile Kennel e a espanhola Sandra Santana.

Damien Spleeters alinha-se à tradição bárdica da poesia, a que foi mantida viva no pós-guerra por comunidades como a dos Beats americanos (Allen Ginsberg, Diane di Prima, Gregory Corso e os outros, mais ou menos conhecidos) , além de poetas que, se não se alinhavam exatamente ao bárdico, mantiveram a performance do poeta desperta, como o Grupo de Viena (Gerhard Rühm, Konrad Bayer, etc) ou os Lettristes parisienses. Na década de 70 alemã, havia Rolf Dieter Brinkmann e, hoje em dia, Michael Lentz e Nora Gomringer.

No início do século XX, estas preocupações foram reavivadas pelos poetas do Cabaret Voltaire (Hugo Ball, Tristan Tzara, Hans Arp) e outros poetas ligados à revista DADA, como Kurt Schwitters, religando-se a tradições negligenciadas pela história da literatura e o cânone de papel. Damien Spleeters pertence a uma tradição da poesia francófona que tem no trabalho do francês Serge Pey, por exemplo, um de seus representantes contemporâneos potentes. Aos 23 anos, Damien Spleeters é hoje um dos mais ativos poetas belgas jovens.

Para um brasileiro educado na poesia átona e tímida-em-performance de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, ou mesmo entre aqueles que escreveram poemas-para-vozes, como Joaquim Cardozo, João Cabral de Melo Neto e Augusto de Campos, com nossa fobia pelo teatral-discursivo, é difícil compreender as escolhas de poetas como Damien Spleeters. Apesar de uma intercessão-pela-performance como a dos poetas da comunidade dos Tropicalistas (penso tanto em Caetano Veloso como em Torquato Neto), os poetas brasileiros mantiveram-se extremamente tímidos. Isto traz aos poetas brasileiros forças e fraquezas. Confesso que me intriga como o "país do carnaval" deixou de gerar uma tradição realmente forte e ampla de performance, seja entre "poetas" ou "artistas".

Apenas algumas das questões que o trabalho de jovens poetas como Damien Spleeters levanta na minha cachola.

Na semana que vem começa o festival Soirées Babel: OFF Festival, em Bruxelas, organizado por Spleeters, onde devo apresentar uma de minhas performances vídeo-textuais. Dividirei o palco com outros poetas que respeito, jovens europeus, aliados e cúmplices, como o catalão Eduard Escoffet, a americana/austríaca Ann Cotten e a alemã Monika Rinck.

§

POEMA DE DAMIEN SPLEETERS oralizado no vídeo acima:



(clique sobre a imagem para aumentá-la)

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Florian Pühs & Herpes @ NBI, quarta passada



Herpes, a banda de Florian Puehs, ao vivo na berlin hilton. 18 de fevereiro de 2009.

domingo, 22 de fevereiro de 2009

"Subjetividades em devir"

Em novembro de 2007, ocorreu na Universidade Federal Fluminense, com organização de Celia Pedrosa, o Seminário Internacional de Poesia contemporânea: identidades e subjetividades em devir. Com pesquisadores e poetas-críticos do Brasil, Portugal e América Espanhola, foram apresentados textos e ensaios sobre diversos poetas do pós-guerra.

A editora 7 Letras lançou há pouco tempo o volume Subjetividades em devir, com organização de Celia Pedrosa e Ida Alves, reunindo os 30 ensaios apresentados durante o seminário. Trata-se de um volume crítico muito interessante, com alguns textos excelentes.

Alguns jovens poetas participam do volume, como Marília Garcia (com um belo ensaio sobre Emmanuel Hocquard e seu livro Un test de solitude, que a poeta carioca traduziu); Franklin Alves Dassie (discutindo a experiência lírica e o estado de doença); ou Izabela Leal, com um ensaio que passa por Iberê Camargo, ao discutir poemas do livro Photomaton & Vox, de Herberto Helder.

Há ainda o belo ensaio de Flora Süssekind sobre a poesia recente de Carlito Azevedo, discutindo longamente o poema "Margens", assim como um ensaio de Florencia Garramuño.

Eu gostaria de chamar a atenção, no entanto, para o ensaio de Marcos Siscar e o de Raul Antelo.


O texto de Marcos Siscar chama-se "Poetas à beira de uma crise de versos", e é um dos trabalhos críticos mais interessantes e inteligentes que li nos últimos tempos, um exemplo de simplicidade engenhosa, crítica atenta às implicações poderosas de "detalhes" tantas vezes overseen e que, no entanto, levam à falácia teleológica na "armadilha da coerência". Partindo da tradução do título do ensaio de Stéphane Mallarmé, o famoso "Crise de vers", Siscar aponta para certas leituras questionáveis deste texto fundador/findador, expostas na tradução errônea de seu título, geralmente vertida para o português como "Crise do verso", perdendo, como aponta Siscar, o jogo de linguagem de Mallarmé com a expressão "crise de nerfs", algo como "ataque de nervos", e propondo "crise de versos" como melhor tradução para o título do ensaio. Pode parecer algo mínimo, uma minúcia, mas Marcos Siscar parte disto para um diagnóstico inteligentíssimo sobre a debatida "crise do verso" contemporânea, passando pela proposta do grupo Noigandres, na década de 50, do "fim do ciclo histórico do verso", além de certos cantos-de-sereia-da-catástrofe de críticos contemporâneos. É uma intervenção crítica das mais inteligentes que presenciei nos últimos X anos (como diria Pound, em nome da paz das consciências, deixemos o número para a escolha do leitor.)

O texto de Raul Antelo discute as Galáxias de Haroldo de Campos, a partir do trabalho do poeta norte-americano (bastante esquecido) Eugene Jolas (1894 - 1952), um precursor do plurilinguismo praticado por Campos em seu poema mais importante. O ensaio chama-se "Babel e a harmonia grotesca", e Raul Antelo convoca para a sua discussão, poetas e críticos como Kurt Schwitters, Giorgio Agamben, Oliverio Girondo, Friedrich Hölderlin e Leónidas Lamborghini, em um debate extremamente iluminador e cheio de implicações est-É-ticas para os poetas contemporâneos.

O volume é realmente interessante, contendo os ensaios inteligentes de Siscar, Antelo, Süssekind, Garcia e Garramuño, além de vários outros, discutindo poetas que amo, como Orides Fontela, Torquato Neto e Fernando Assis Pacheco.

Espero que a biblioteca mais próxima de sua casa já tenha comprado o livro.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Orfeu de múltiplas personalidades de Orfeu

NOTAS PARA MOI-MÊME e a quem possa interessar.

Se Orfeu desceu ao Hades, ele também ensinou agricultura.
Ora, mesmo no vale da sombra da morte, às quintas-feiras, às vezes faz sol.
Que vontade de ler Herberto Helder.
Mas, como, se ontem você lia Adília Lopes?
Será possível ler Christian Morgenstern e Georg Trakl no mesmo fim-de-semana?

Durante a mesma xícara de café, Lear e Lear?

Não é todo dia que pretendo visitar Duíno e há dias em que meu estômago não aceita bem a ingestão de baratas.
Verificar a etimologia completa da palavra paixão.

Vigilante para não cair em armadilhas que criam dualidades, onde o fluxo das marés é saudável, saudável, permitindo flexibilidade às causas e efeitos da poesia, das muitas qualidades (às vezes conflitantes) das muitas poesias.
A gama das emoções humanas pedindo que o poeta cante para cada um dos muitos segundos de uma vida.
Como se o poeta precisasse dizer a cada dia: "na alegria e na tristeza..."?

Nem toda 18:59 marca o início de alguma noche oscura del alma.
Mas, se ela vier, preparo a garganta.

Só me recuso a fazer dos poemas de Celan metáforas para o meu sofrimento.
Eu não sobrevivi a Treblinka.
E seus poemas não o salvaram do mergulho no Sena.
Rimar Celan com Sena.

O que é o que é um poeta desonesto?

Aquele que retorna de Ipanema ou Búzios
e escreve como se escapasse de Auschwitz.

Ah, sim, mas a tal da condição humana.

O que Adorno exigia era que um poema não fosse adorno.
Escrever adornos após Auschwitz seria um ato de barbárie?

Orfeu não desce ao Hades toda segunda-feira, nem perde Eurídice todo dia útil.

Penso naqueles poemas escritos em plena guerra e o título L´Allegria.

Ah! Há as ocasionais noites febris de sábado.

Que a contabilidade me permita, para cada elegia, ao menos uma ode.

Quando vierem as bassáridas para me destroçarem (elas vêm, cedo ou tarde), relaxo e gozo a paisagem.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Heine para punks

Florian Pühs, ex-vocalista da banda Surf Nazis Must Die, atual vocalista da banda Herpes, disse-me uma vez na sala de seu apartamento em Berlim: "Se você quer ler alemães, leia Heine... só Heine."

Quando ele disse isso, não me surpreendi muito. Lembrei-me imediatamente de uma outra situação, em que outro amigo aqui em Berlim disse, quando a conversa descarrilhou para literatura, e então poesia, sem o menor pudor: "Detesto poesia... com Heine como única exceção." Em seu ABC of Reading, se não me engano, Heinrich Heine é um dos poucos alemães a quem Pound menciona com certo apreço.

Não me supreende que Florian Pühs, vocalista e letrista punk, se interesse por Heine e o considere o único poeta alemão legível. Seu exagero tem, obviamente, motivações políticas. Heine foi um dos poetas mais politicamente ativos no século XIX, tornando necessário seu exílio. Foi Heine quem exalou a profética: "Quem queima livros, logo queimará gente", 150 anos antes da Shoah. Além disso, como cantor, Florian Pühs privilegia um poeta-cantor. O "livro das canções" (Buch der Lieder) de Heine ainda é um dos trabalhos poéticos mais lidos na Alemanha.

É interessante que, em outros países, os poetas alemães "privilegiados" sejam os de outra linhagem. Pois, talvez em um mundo de hegemonia literária sobre o poético, unida à busca do que João Cabral de Melo Neto chamava de meditabúndio da poesia profunda, "poeta que canta" tenha se tornado metáfora para o vate apenas, daquele que parece estar sempre a um passo do órfico. E o órfico, em nossa cultura, passou a ser associado a um único ato: a descida ao Hades. Ou seja, na língua alemã, a linhagem de Novalis, Hölderlin, Rilke, Celan.

É como se o mundo esperasse de germânicos que eles se entregassem tão-somente ao metafísico, ao abstrato, ao eixo da transcendência, nunca ao plano da carnalidade.

No entanto, existe toda uma linhagem da poesia germânica que é extremamente telúrica, corporal, do poeta que canta com a garganta de carne e sangue, sobre um mundo terrestre, terreno, terráqueo (e nem por isso menos terrível). É a linhagem, confesso, que eu mais amo neste país, a dos minnesänger (a versão germânica do trovador), como Walther von der Vogelweide (c. 1170 - c. 1230), assim como algo desta tradição se manteve viva em Heinrich Heine, poeta telúrico, como eram telúricos Christian Morgenstern, Hans Arp, Bertolt Brecht (sem mencionar seu trabalho com Kurt Weill), H.C. Artmann ou Rolf Dieter Brinkmann.

Florian Pühs apresenta-se hoje em nossa intervenção semanal Berlin Hilton, com sua banda Herpes. Uma das minhas canções favoritas de sua banda chama-se "Neue Dresdener Schule", em que Puehs toma os primeiros versos do poema "Nachtgedanken", de Heine: "Denk ich an Deutschland in der Nacht / Dann bin ich um den Schlaf gebracht", versos tristes e ambíguos de Heine, em que a idéia de "pensar na Alemanha à noite" traz tanto o sonho, quanto o pesadelo, com "todos os que afundam às covas", como escreve Heine adiante, no poema. O contexto político da escrita de Heine desapareceu, mas repetir-se-ia de forma constante nas décadas e décadas que se seguiram na Alemanha.

Florian Pühs reatualiza o contexto político, retirando do poema, no entanto, toda nostalgia de exilado, fazendo da canção algo de resistência interna, daquele que fica para resistir à "Vaterland", dando à canção, com sarcasmo, o nome de "Neue Dresdener Schule", como é conhecida certa associação alemã em que resistem ideais fascistas.



(HERPES - "Neue Dresdener Schule",
gravado em Leipzig, janeiro de 2009)

Hoje à noite, na Berlin Hilton:

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

As holotúrias dos poetas


Em 2001, que geralmente chamo, com os lábios sobrevoando xícaras de café e copos de vinho tinto, de "um dos piores anos da minha vida", sofrendo como um camelo por uma daquelas hemostasias vagarosas de uma sangria desatada, quando ainda não sabia que (sim) se sobrevive a certa amputação de ilusões, houve alguns poemas que me acompanharam nas calçadas de São Paulo, como tubos de oxigênio ligados a um lugar-nenhum, cartografado sob um sol imaginário qualquer, provendo luz, ainda que artificial.

De poemas que nos mantêm vivos, a gente nunca esquece.

Há aquele início tenebroso do poema de Robert Creeley, que eu ainda repito em momentos de sufoco: "If night´s the darker / closer time, / days come", para culminar na luminosidade do trecho:

"let light
as air
be relief.
"

E, se a garganta se engarrafava e os lábios rachavam, era sempre possível recorrer àquele

"...e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
"

de Carlos Drummond de Andrade. Havia a lição de Bishop: "Lose something everyday. Accept the fluster...", nos ensinando a fingir, a fingir.

"Faz de conta, minha filha. Faz de conta." - JGR.

Um dos poemas que mais forneceram oxigênio à minha cabeça naquele ano foi "Autotomia", de Wislawa Szymborska, que eu lera no número 10 da revista Inimigo Rumor, e que me serviu algumas vezes de kit-sobrevivência para terminar o dia.

Autotomia

Diante do perigo, a holotúria se divide em duas:
deixando uma sua metade ser devorada pelo mundo,
salvando-se com a outra metade.

Ela se bifurca subitamente em naufrágio e salvação,
em resgate e promessa, no que foi e no que será.

No centro do seu corpo irrompe um precipício
de duas bordas que se tornam estranhas uma à outra.

Sobre uma das bordas, a morte, sobre outra, a vida.
Aqui o desespero, ali a coragem.

Se há balança, nenhum prato pesa mais que o outro.
Se há justiça, ei-la aqui.

Morrer apenas o estritamente necessário, sem ultrapassar a medida.
Renascer o tanto preciso a partir do resto que se preservou.

Nós também sabemos nos dividir, é verdade.
Mas apenas em corpo e sussurros partidos.
Em corpo e poesia.

Aqui a garganta, do outro lado, o riso,
leve, logo abafado.

Aqui o coração pesado, ali o Não Morrer Demais,
três pequenas palavras que são as três plumas de um vôo.

O abismo não nos divide.
O abismo nos cerca.

(tradução coletiva, publicado em Inimigo Rumor 10)

Poemas podem ter as causas, os efeitos mais diversos. Não é todo dia que se quer passar uma temporada no Inferno; ou em Duíno; ou mesmo em Pasárgada, ou no País das Maravilhas. De um lado o sertão, de outro o mar. Seja Lear (1812 - 1888) no absurdo em riso, ou Lear (1603 - 1606) no absurdo de todas as perdas, a cada instante seu malheur, seu bonheur. O do poema na gargalhada e o poema do franzir de todos os cenhos.

"Tempo de atirar pedras,
e tempo de ajuntá-las;
tempo de abraçar,
e tempo de se separar."


Recentemente, lendo a antologia Revolution of the Word: A New Gathering of American Avant Garde Poetry 1914 - 1945, editada por Jerome Rothenberg, li um poema de Kenneth Rexroth em que ele também recorre à holotúria (ou pepino-do-mar), usando quase o mesmo fraseado de Szymborska, levando-me a perguntar se seria uma colagem ou fragmento de que Szymborska e Rexroth se apropriaram a partir de alguma enciclopédia. O poema de Rexroth chama-se "Fundamental disagreement with two contemporaries", um texto longo de cerca de 6 páginas e várias partes, no qual se encontra o seguinte fragmento em prosa e entre aspas:

"The sea cucumber when in danger of being eaten, eviscerates itself, shooting out its soft internal organs as a sop to the enemy while the body wall escapes and is able to regenerate a new set of viscera."

Pensando no texto de Szymborska, li outras páginas sobre estas holotúrias que já se enroscaram em minha mente, encontrando textos parecidos:

"When threatened, some sea cucumbers discharge sticky threads to ensnare their enemies. Others can mutilate their own bodies as a defense mechanism. They violently contract their muscles and jettison some of their internal organs out of their anus. The missing body parts are quickly regenerated.

ou

"A remarkable feature of these animals is the catch collagen that forms their body wall. This can be loosened and tightened at will and if the animal wants to squeeze through a small gap it can essentially liquefy its body and pout into the space. To keep itself safe in these crevices and cracks the sea cucumber hooks up all its collagen fibres to make its body firm again.[3]

Some species of coral-reef sea cucumbers within the order Aspidochirotida can defend themselves by expelling their sticky cuvierian tubules (enlargements of the respiratory tree that float freely in the coelom) to entangle potential predators. When startled, these cucumbers may expel some of them through a tear in the wall of the cloaca in an autotomic process known as evisceration."


§

Mutilar-se como sistema de defesa contra ilustríssimo predador. Expelir certos órgãos supérfluos em dissimulação, baile de máscaras de uma sexta-feira em filmes de medo, medo. Plano de fuga: ejetar-me as vísceras. Que holothuroidea formidável.

Pequenos pedaçoilos de moi-même em tupperwares ao honorável monsenhor predador, a tapar o ar que desperdiço do seu ambiente.

Meu Jack the ripper, com os cascos sobre o meu crânio, permaneça sempiterno no andar de cima da cadeia alimentar, enquanto a sustento com meus ombros e outras partes de minha anatomia renovável.

Imagem para as 4:48



(Gregory Crewdson, "Untitled (Twin Babies)", 2007)

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Entretenimento para as próprias entranhas

§- Sonhar com tragédias providências duma noção qualquer de ápice

§- Dedo no controle remoto rebobine o aguilhão devolva filho e filho a Medéia ora medicá-la com três Jasões sobressalentes

§- Filha pródiga ou Antígona talvez

§- Ao retornar nas pontas dos pés de funerais encontra louros chave da cidade o direito a embalo em colo de rei Momo beijo na bochecha oh Creonte meu tio

§- No fosso ao som de Dolores Maysa Ângela Rô Rô em horror

§- Que beleza que beleza é essa que requer formulários preenchidos no terror eu quero surdas as legiões dos anjos

§- This is not the last song refrão irritado com a rotina

§- Nessa novela das 11 estepes são substantivos femininos masculinos

§- Aceitar o papel de figurante extra extensa área de interregno caracterizada pela ausência total de socorro

§- Resolução do trânsito que cresce floresce na época das chuvas épica das curvas

§- Play it again Sam abaixo a hemostasia

§- Prólogo episódio e êxodo

§- Sofrimento no prolongamento da coluna vertebral dos outros

§- Refrigério

§- Em debate no programa de hoje cara a cara Helena Hécuba

§- Prolixo blockbuster de êxito

§- Rimar orgasmo com ooblasto e no estafar da última das estrofes aborto

§- Canibal nenhum fornecerá silêncio às ovelhas Clarice

§- Quando o clímax é o ocaso e traga o dia

§- And the beat goes on / in the goat-song

Bilhete para Marília Garcia num sábado à tarde

Queridíssima, chegou ontem finalmente às minhas mãos (neste meu estado corbierístico e laforguérrimo de tristezura hodierna, quase escrevi "às minhas patas") o seu pacote dos muitos selos, que abri como quem passa pomada na queimadura das cartilagens mui e tão internas que se tornam o local onde as entranhas confundem-se com a digestão, e venho por meio deste self-deprecating pombo eletrônico, com dois thankyous, três mercis e quatro dankes, dizer o que se diz, antes de ir a um café, pedir um café, beber o café com olhos nas linhas de signos e caracteres (se de trem, deitar-me-ia) de Garcia sobre Hocquard, oh pacote salva-vidas.

O que é o que é um cânone?

Poetas com marinha exército aeronáutica.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

As medidas de distância de Mona Hatoum





Mona Hatoum é uma das artistas que mais tiveram impacto sobre o meu trabalho como poeta. De origem palestina, nascida no exílio em Beirute (1952), é uma das criaturas que me ensinam a lidar com minha língua e minhas línguas, a "nacional", as "estrangeiras", de forma crítica, sem ilusões de naturalidade: aquela a ser preenchida nos formulários de inclusão social. Estrangeiras, oh estrangeiras, se é que uma língua segue sendo estrangeira após tantas carícias sintáticas e hecatombes semânticas perpetradas através dela, nos carinhos na cama com amantes, nas pelejas em plena rua com os mesmos.

Aprendo, com Mona Hatoum e outros artistas como ela, mais sobre a minha sonhada poética de implicações. Também a ver e ouvir a poesia como language art, não apenas literária.

Neste trabalho em vídeo, chamado "Measures of distance" (1988) ::: poesia verbivocovisual ::: Mona Hatoum sobrepõe, a imagens de seu corpo, imagens da caligrafia árabe das cartas de sua mãe, as quais a artista passa a oralizar/traduzir para o inglês, justapostas a conversas em árabe entre mãe e filha, gravadas em Beirute.

Este trabalho tem, em minha opinião, inúmeras implicações interessantes para o debate poético contemporâneo:

§ - a relação entre escrita e oralidade, através da vocalização, feita por Hatoum, das cartas de sua mãe;

§ - a analogia entre tradução e exílio, num ato de contextualização, enquanto Hatoum (em um trabalho intitulado "Medidas de distância") traduz, para sua nova língua - o inglês -, seu árabe de origem;

§ - a possível dissolução ou (ao menos) turvar de dicotomias dogmáticas como as que buscam separar, de forma exata e precisa, o que nós vemos como marés conceituais, como subjetividade/objetividade, ou interno/externo - com suas implicações políticas óbvias para a discussão do conceito de nacional;

§ - nas discussões entre mãe e filha sobre o pai e as relações entre linguagem feminina e masculina, assim como o uso da correspondência entre as duas mulheres, o questionamento est-É-tico do gênero, especialmente em sua frequente associação sub-reptícia na equação GENDER = GENRE;

§ - por fim, a insinuação da escrita como manifestação corporal, tanto na corporalidade de uma escritura em caligrafia, literatura como extensão do corpóreo, como pelo reforço dado a esta idéia pelas imagens do corpo da artista-poeta --- insinuação que poderia substituir parâmetros-de-escultura na discussão crítica da poesia e da escrita, por parâmetros-de-performance.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Os ícones da minha sexualidade adolescente

Começou esta semana a Berlinale, como os berlinenses chamam o Festival de Cinema de Berlim. A programação deste ano está muito boa, ainda que seja quase impossível conseguir ver os filmes mais legais. Você acha que as filas da Mostra de Cinema de São Paulo são longas? Prepare-se para as filas geladas em pleno fevereiro em Berlim. É claro que os cinéfilos compram seus passes por algumas centenas de euros com meses de antecedência.

Nós, os pobres mas espertos, aproveitamos a oportunidade para ao menos conhecer algumas pessoas interessantes que acabam passando pela cidade. Hoje, quarta-feira, dia da nossa berlin hilton, esperamos receber algumas figuras meio queer em nosso pequeno espaço cabaretvoltairístico.

Uma das criaturas passando pelo Berlimbo é um dos ícones da minha sexualidade adolescente: o senhor Joe Dallesandro. Mostramos hoje na berlin hilton alguns dos filmes com o ex-rapazote.



Ainda me lembro da sensação de entusiasmo e perigo quando, ainda adolescente, escapei para ir ver Je t`Aime moi non plus (1976), com Dallesandro e Jane Birkin, direção de Serge Gainsbourg, num cinema obscuro e decadente do centro de São Paulo...



A mesma sensação mais tarde, ao assistir os filmes de Andy Warhol e Paul Morrissey com o rapaz: Flesh (1968) e Heat (1972), por exemplo.



Joe Dallesandro está em Berlim para apresentar na Berlinale o documentário que Nicole Haeusser fez sobre ele, intitulado "Little Joe", é claro.



§

Também celebramos hoje na berlin hilton, com o diretor Richard Laxton, o filme "An Englishman in New York", com estréia mundial na Berlinale, sobre o escritor-ícone Quentin Crisp.

Max Martins (1926 - 2009)

Na segunda-feira, publiquei aqui um texto em que discutia a noção de cânone, o papel de antologias em sua formação, e mencionava poetas soterrados-vivos e submersos-em-morte, esquecidos, apesar de apresentarem a mesma qualidade (ou ainda mais) que os celebrados em vida e após a morte.

No final do texto, mencionei o poeta paraense Max Martins, como exemplo de um poeta negligenciado pela crítica, pelas antologias, ainda que apresentasse muitas das características e qualidades de poetas que começaram a ser celebrados (justamente) na última década, como Hilda Hilst (1930 - 2004) e Roberto Piva (n. 1937).

Ao mesmo tempo, trocava mensagens com o poeta Caco Ishak, que vive em Belém do Pará, conversando sobre Max Martins.

Tudo isso um dia antes de Max Martins morrer. O poeta faleceu ontem em Belém do Pará.

Talvez o cânone-necrófilo movimente suas enzimas agora que ele se foi, dessa para algures ou nenhures.


Isto por aquilo


Impossível não te ofertar:
O rancor da idade na carga do poema
O rancor do motor numa garrafa

...........................................Ou isto

(por aquilo
que vibrava
dentro do peito)........o coração na boca
......................atrás do vidro........a cavidade
......................o cavo amor roendo
......................o seu motor-rancor
......................................................– ruídos

(do livro 60/35, Belém, 1985)

Max Martins (1926 - 2009)

§

Max Martins nasceu em Belém do Pará em 1926. A partir de 1934, fez estudos nas áreas de Literatura, Poesia, Artes e Filosofia, nunca abandonando o estatuto de autodidacta. Colaborou na revista literária Encontro, em 1948, e publicou os primeiros poemas no Suplemento Literário da Folha do Norte em 1946 e 1951. Lançou o seu primeiro livro, O Estranho, em 1952 (edição do autor). Publicou sempre em edições pouco divulgadas, de curta distribuição. Era director de um núcleo de cursos na área de linguagem verbal, aberto a estudantes de nível médio, universitários e interessados na literatura de um modo geral, conhecido como Casa da Linguagem. O poeta faleceu em Belém do Pará em fevereiro de 2009.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Antologias, cânones, neglectorinos & celebrities


Tenho carregado na sacola a antologia Revolution of the Word: A New Gathering of American Avant Garde Poetry 1914-1945, editada por Jerome Rothenberg, nesta última semana.


Rothenberg é famoso por suas antologias ::: Technicians of the Sacred (1968), Shaking the Pumpkin (1972), America A Prophecy (1973), Poems for the Millennium (1998), etc ::: e gosto muito da maneira como ele as usa para questionar e atualizar o conceito de cânone, numa dialética de ruptura e continuidade.

Esta Revolution of the Word foi originalmente publicada em 1974 e reúne nomes (hoje) institucionais dos primeiros modernistas americanos, a outros poetas cultuados mas pouco conhecidos e poetas completamente esquecidos àquela época ou ainda hoje. Organizada em ordem alfabética por autor, é uma tentativa de esquecer ou contornar reputações e investigar o processo de sobrevivência dos textos, a partir do contexto em que surgiram.

O volume é dividido em duas partes: "Preliminaries" e "Continuities".


Entre os mais conhecidos e estabelecidos: Gertrude Stein, Ezra Pound, Marianne Moore, William Carlos Williams, Wallace Stevens, e.e. cummings, T.S. Eliot, Hart Crane;


Entre os cultuados, mas raros: Mina Loy, Laura Riding, H.D., Robert Duncan, Louis Zukofsky, Kenneth Rexroth, George Oppen, Charles Reznikoff, Kenneth Patchen, Jackson Mac Low, ainda muito mencionados e lidos, com antologias e obras completas ainda em catálogo, mesmo que não sejam exatamente "poetas de currículo"; poetas como Kenneth Patchen e Kenneth Rexroth têm um status estranho: ainda citados em historiografias, com volumes ainda em catálogo, suas obras parecem participar pouco do debate contemporâneo;


Entre os completamente esquecidos: Harry Crosby, Walter Conrad Arensberg, Bob Brown, Abraham Lincoln Gillespie, Else von Freytag-Loringhoven, Marsden Hartley, Charles Henri Ford, Kenneth Fearing, Eugene Jolas;



Entre todos eles, também o poeta... Marcel Duchamp.

Poetas como Ezra Pound, William Carlos Williams e Gertrude Stein nem sempre contaram com o reconhecimento que hoje os torna nomes incontornáveis para muitos poetas, até mesmo fora dos Estados Unidos. Contudo, Gertrude Stein ainda é excluída da maioria das antologias de poesia moderna em língua inglesa.

O que faz com que um poeta seja lembrado ou esquecido? Podemos realmente contar com o fator "qualidade literária" como principal? Quem estabelece esta qualidade? Os críticos? Quais? Para Hugh Kenner, a primeira metade do século XX foi The Pound Era. Para Harold Bloom, obviamente polemizando com Kenner, trata-se da "Stevens Era".

Deveríamos confiar nos poetas?


Se dependesse de Ezra Pound, alguém como Gertrude Stein provavelmente não teria muito espaço no "cânone". Stein pensava algo parecido sobre o próprio Pound.


Quando o século XX estava no fim, os jornais e críticos apressaram-se em preparar as listas dos melhores do século: nas listas de que me lembro, "The Waste Land", de Eliot, era quase que invariavelmente eleito "o poema mais importante do século". Pois bem, William Carlos Williams considerava "The Waste Land" o maior desastre das letras americanas, e Gertrude Stein nunca teve palavras muito gentis para Eliot. Briga de egos? Talvez. Se lemos com atenção o trabalho de Pound e Stein, por exemplo, percebemos que era coerente que eles não apreciassem o trabalho um do outro. Pode-se dizer o mesmo sobre Eliot e Williams.


Lendo a antologia organizada por Rothenberg, pergunto-me mais uma vez como é possível que a obra de poetas como Mina Loy e Laura Riding possam ser tão negligenciadas. De Loy, tenho o volume The Lost Lunar Baedeker: Poems of Mina Loy, uma seleção de seus poemas, incluindo a série esplêndida "Songs for Joannes", que cito em minha cadela sem Logos. Mina Loy é um dos poetas mais estranhos e interessantes dentre os primeiros modernistas anglófonos. De Riding, tenho a reunião de todos os seus poemas em The Poems of Laura Riding, outra esquisita dentro do que nos acostumamos a ver como Alto Modernismo.


Poetas como Kenneth Patchen e Kenneth Rexroth reabriram muito do caminho bárdico e politicamente radical para os Beats que estariam por vir, mas acabaram soterrados sob a empresa da imprensa dedicada aos mais jovens Allen Ginsberg, Gregory Corso e Jack Kerouac.

Entre os completamente esquecidos, pareceram-me especialmente interessantes os poetas Walter Conrad Arensberg, Harry Crosby e Kenneth Fearing.


E quanto ao Brasil? Como anda a saúde do nosso "cânone oficial"?


Pensar que poetas como Murilo Mendes e Jorge de Lima passaram tanto tempo soterrados ou submersos, assim como Hilda Hilst e Orides Fontela, chega a dar vertigem de tristeza. Mesmo assim, as obras deles são muitas vezes lidas sob parâmetros alheios. Basta pensar na mania de "eleger" o livro Tempo Espanhol (1959), de Murilo Mendes, como o seu "melhor trabalho", por permitir a leitura de Murilo Mendes sob os parâmetros estéticos de João Cabral de Melo Neto, parâmetros que condicionaram por certo tempo a apreciação crítica de tantos outros poetas.


Talvez Tempo Espanhol seja realmente um grande livro, mas não me parece realmente enriquecer o tal de cânone em um pluralismo de propostas, como os brilhantes e únicos As Metamorfoses, Mundo Enigma e Poesia Liberdade, que termina com o estupendo ::: SALVE SALVE ::: "Janela do caos", my own private most important Brazilian poem of the 20th century if you allow me the exaggeration.


O que pensar sobre os que ainda estão submersos?

É difícil investigar a "justiça" de seu esquecimento se este mesmo esquecimento impede que tenhamos acesso às obras dos poetas, impossibilitando a reavaliação. É por isso que se torna tão necessário que tenhamos sempre poetas curiosos que resolvem investigar, garimpar no olvido aqueles que possam apresentar obras interessantes para o seu (nosso) tempo. Penso imediatamente no trabalho de Haroldo de Campos e Augusto de Campos com poetas como Joaquim de Sousândrade e Pedro Kilkerry. Hoje em dia, penso em Dirceu Villa, chamando nossa atenção, com insistência, para o trabalho de poetas como Dom Tomás de Noronha ou Sapateiro Silva.

Lembro-me, porém, de alguns textos recentes de Antonio Cicero sobre a vanguarda e o cânone, tão bem-intencionados quanto equivocados, em minha opinião, com sua ilusão de um cânone incondicionado, formado por uma crítica "incessante e implacável" segundo ele, mas que eu chamaria de "condicionada por interesses extra-literários até a medula". Em artigos do ano passado, este poeta (por quem tenho respeito) entregou-se a uma reavaliação do papel das vanguardas, na qual estas transformam-se numa espécie de "afrodisíaco para a tradição". Em um artigo da semana passada, ele usa o trabalho do crítico inglês Terry Eagleton (que, com Fredric Jameson e outros, tenta salvaguardar a validade de uma abordagem política da literatura) para mais uma vez defender a crença de que alguns sofrem de cegueira ideológica, outros não; que uns têm liberdade crítico-estética (entre os quais ele se inclui, obviamente), enquanto outros estão condicionados por sua própria obsessão com o perigo de condicionamentos extra-literários na discussão da literatura. Se Eagleton "exagera" em seu zelo político, tal preocupação está longe de ser ingênua, como quer o poeta carioca, parecendo-me muito mais ingênua a sua tentativa de insinuar a possibilidade de uma crítica incondicionada, e sua argumentação de uma "falta de relação vital com a poesia" por parte de Eagleton e entre aqueles que possuem tal preocupação est-É-tica: a de analisar os condicionamentos históricos da avaliação artística. O exagero de Antonio Cicero é necessário para que siga em seu argumento. Cicero precisa para isso criar a oposição, como se faz com freqüência, entre o "condicionado" e o "incondicionado", evitando assim o trabalho realmente desafiador de buscar compreender como a poesia pode ser, ao mesmo tempo, documento histórico e estético. É mais fácil criar a oposição entre história e estética como inconciliáveis, como ele faz neste artigo e tantos outros poetas o fazem diariamente em outros textos. Quem conhece sua poesia, porém, percebe facilmente os condicionamentos individuais do trabalho poético e crítico de Antonio Cicero, dos quais nenhum poeta escapa, mesmo que ele se creia livre deles.


Terminaria com três poetas modernos submersos, esperando reabilitação ou atualização do esquecimento, segundo as necessidades de cada um: Henriqueta Lisboa (ainda à sombra de Cecília Meireles, em um cânone que reserva poucos lugares a mulheres, esta mineira tem alguns dos poemas mais cristalinos dentre os modernistas como "poetas puros". Nem tudo interessa, mas o que interessa poderia/deveria ser lido.); Joaquim Cardozo (Muito mencionado, pouco lido, creio que seus livros estão todos fora de catálogo); Dantas Motta (provavelmente considerado discursivo para um cânone embebido de parâmetros como "secura" e "economia de linguagem", este poeta escreveu algumas páginas que me parecem exuberantes e poderiam enriquecer um cânone mais plural.)


Entre os vivos, penso em um poeta como Max Martins, que talvez não tenha a sorte de receber, em vida, a atenção que outros poetas por muito tempo negligenciados têm recebido, como Roberto Piva.

Digo tudo isto, apesar de pensar que esta noção de cânone único e imutável é, de qualquer maneira, demasiado provinciana. Prefiro, hoje em dia, ver o cânone como simplesmente a reunião de textos que se reconfigura a cada geração, na qual nada pode engessar-se ou instituir-se como certeza e lei. Cânone deveria ser a reunião de textos sendo realmente LIDOS por poetas e por aqueles que vão à poesia pelas mais diferentes causas e em busca dos mais diversos efeitos. Não uma lista de reputação de poetas para universidades, universitários e seus professores. Esta noção de cânone, como a que me parece ser defendida por Antonio Cicero, por exemplo, é que transforma a poesia em mero documento histórico.

Deveria ser uma aventura, e é, caminhar por entre estes poetas famosos e esquecidos, mas :

CUIDADO
com os canhões
do cânone.

.
.
.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Dormitando na banheira quente ou meditação com chá de hortelã

Quatro auto-propostas de meditação para a tarde do meu sábado, congeminadas na banheira após excessos possessos de uma noturníssima sexta-feira no Berlimbo:

§- Ao bom imputador, vazio de o é letra.

§- Os únicos verdadeiramente capazes do discurso diacrônico: Deus e Funes, o memorioso.

§- Nós, os de corpos biodegradáveis e esquecimentos à ponta da língua, os condenados aos nós da sincronia: a seleção artificial na arena dos gladiadores, na teia da aranha que embalsama a ração para sua futura geração.

§- Cânone, meu querido inutilíssimo, improfícuo e baldado, quem dera fosses o trigo do joio, quando suspeito em tutano que indicas em teus índices apenas política e pedagogia: cartilha para castelos de cartas, costelas de castas.

Agora, ao café!

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

O envolvimento de Miss Moss em outra de minhas figuras para a historicidade do poético

Escrevi em textos recentes sobre o uso que tenho tentado fazer, à minha maneira, do conceito de figura, buscando um discurso est-É-tico que não exclua do trabalho poético uma avaliação e consciência de sua historicidade. Mencionei a carta de Emily Dickinson, sua "Forgive me the personality", com seu uso da palavra (modo de usar) antes do século da psicanálise; assim como o desaparecimento de Bas Jan Ader em alto mar, durante sua performance intitulada "In Search of the Miraculous".

No texto sobre as "possibilidades de resistência política" para o poeta, a partir de sua relação com certos aspectos do mundo de hoje, como os que se manifestam no mundo da moda, tomo Kate Moss como exemplo de ícone-clone: totem/tabu, mostrando a canção/poema lírico "Some Velvet Morning", escrito por Lee Hazlewood (1929 - 2007) e vocalizado com Nancy Sinatra, que Kate Moss vocaliza com Bobby Gillespie, da banda Primal Scream. Em meu livro a cadela sem Logos, em que esta busca pela historicidade poética é um dos eixos, esta canção de Hazlewood/Sinatra, com sua cover por Gillespie/Moss, torna-se outra figura, por trazer uma mudança que me traz à mente algo da relação entre o metafórico e o metonímico, que já discuti algumas vezes.

No texto original de Lee Hazlewood, de 1967, ele escreve os versos: "Flowers are the things we know / Secrets are the things we grow", que Bobby Gillespie, em 2003, muda para "Flowers are the things we grow / Secrets are the things we know"
. Esta figura viria a se unir às outras estruturais do livro, em minha busca obsessiva por uma poética de implicações.

§

as bases do
do íntimo e
expressivo as correntes
do similar sem validade
o discurso
produz e
nomeia teste de
desempenho da
identidade este
tempo não
é tempo de sutilezas
de um mundo simpático
1967
nancy
sinatra
lee
hazlewood
equivaliam
"flowers are the things
we know
secrets are the things
we grow"
2003
kate
moss
bobby
gillespie
distoam
"flowers are the things
we grow
secrets are the things
we know"
não se perde
valor reajusta-se
na inflação da
querença as
versões do mesmo
entre o contíguo e
o similar as
ansiedades do comum
do próprio e do nome

in a cadela sem Logos (SP: Cosac Naify, 2007)

§
§
§

Você pode ver/ouvir o poema lírico original de Lee Hazlewood, com Nancy Sinatra AAQQUUII, e a cover de Bobby Gillespie e Kate Moss AAQQUUII.

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Os fashionistas da resistência


Berlin Fashion Week. Saltos altos picotando o gelo endurecido das neves acumuladas na calçadas sujas de Berlim. Hotéis abarrotados, restaurantes cheios de senhores e senhoras em Dior Gucci Prada, sonhando-se membros do senhorio. Como olhar em seus olhos e emitir a opinião sensata sobre a moda, sobre o design, sobre a publicidade, atividades tão ligadas à maquinaria do status quo? Discorrer sobre elas, de forma crítica, exige imediatamente um posicionamento político. Ou exagero?

Minha relação com estas atividades e as implicações destas, assim como com as pessoas que "mexem com moda", como se diz em São Paulo, ou o design e as criaturas inteligentes da publicidade, dentre as quais conto vários amigos muito próximos, tanto em São Paulo como em Berlim, sempre foi complicada e creio que só possa ser realmente complicada. Especialmente para um poeta? Por que especialmente para um poeta? Aí é que entra a questão velha, velhíssima (será mesmo velha) da participação política do poeta? Ou de qualquer cidadão?

A relação do grupo Noigandres, por exemplo, com a publicidade sempre coçou-me em mil pulgas detrás dos lóbulos e outras extremidades arredondadas, assim como a idéia do poema como "objeto útil"... mas, alguém poderia perguntar-me, qual a diferença então entre o "objeto útil" noigândrico e o seu "make it necessary", sr. Domeneck?

Não creio que seja realmente eficiente (e totalmente honesto) bancar o poeta-juiz que se posiciona acima destas práticas e se crê acima de qualquer suspeita, elegendo modelos (Kate Moss, por exemplo, a exquisite esquisita) como bodes-expiatórios do ssiisstteemmaa. O perigo da resistência que se crê fora do sistema e assim busca sitiar a cidadela é a de acordar entre os colaboracionistas. Sim?

Eu gostaria muito de encontrar uma forma de resistência interna, algo como uma guerrilha, já que estamos dentro do Império e este já venceu. Só nos resta a sabotagem deslumbrada? Sujando as mãos lambuzadas? O poeta como espião ou como agente duplo? Tento buscar a ironia nesta relação, ainda que ela possa facilmente ser vista, por críticos, como a tentativa de "jogar dos dois lados", aproveitar-se das vantagens do Império e da Resistência.

Mas hei-de confessar que a base desta ironia é o conflito pessoal de atração & repulsa pelo ssiisstteemmaa do qual a moda parece ser a capa brilhante, o embrulho melodioso. Ah! Como é tentador fazer odes à BBBeleza!

Busco "expor o imposto" desta relação de atração e repulsa em alguns poemas, como este, que não é um portrait of Miss Moss, devo avisar:


Kate Moss

Pergunto-me
se confortável
o centro
da margem.
Irrita-se com freqüência
ao descobrir na rua
mais familiar e conhecida
o prédio novo
que sempre
estivera ali na
desatenção da realidade.
Hesito no silêncio do respiro e
não respiro.
Desejo, processo
de aquisição, pequenos
jogos
de poder, deliciosos
e alheios, atentos.
Você me leva à mão
no fogo de novo
e de novo;
e o grito substitui a
palavra fogo,
mas não explica
as bolhas ao redor
do pus.
Epiderme contínua.
Se eu sangrasse, o que
das regiões do abdômen
responderia, não
adianta que
a mão arrisque-se
a cada toque
no papel
"j´y suis! j´y suis
toujours."
Contribuição das circunstâncias.
Talvez a velocidade ao
limite traga a
fadiga e
anestesia às
pernas para
a trilha menos
consciente. Não
vejo você
em meio à
sintaxe e me pergunto
sobre os seus
meios de
produção, meu
querido, digo:
estimativa, presença.

(escrito em 2005, publicado originalmente no número de estréia da Modo de Usar & Co. (2007), incluído no livro Sons: Arranjo: Garganta, no prelo)

Iconizo com isso a criatura? Mas, ora, por que deveria estapeá-la em iconoclastia?

Foi numa tentativa de honestidade-em-ato que, no meu ensaio "Ideologia da percepção", publicado na revista Inimigo Rumor em 2006, tentei abordar o problema também com algumas propostas de resistência política através da escrita, sem querer ser taxativo (ainda que possa acabar tendo sido, algo em que meu entusiasmo muitas vezes incorre) e sem querer ser apenas uma das sereias da catástrofe sem saída, sugerindo, entre outras propostas:

"* instaurar uma resistência interna no sistema que parece querer desumanizar-nos, guerrilha cultural de sabotagem de discursos, apropriando-se da própria linguagem econômica, da moda, da ciência, para explorá-las, investigá-las e desarticulá-las por dentro, cautelosos, no entanto, à admoestação proposta por Umberto Eco, em seu Opera Aperta, do perigo de, ao mimetizar na arte as transformações contextuais do mundo, para resistir-lhes, o artista acabe por instituí-las, justificá-las e concretizá-las, tendo que escolher entre este perigo e o que creio ser a ineficiência da resistência externa (com o perigo de também acordar entre os colaboracionistas); propor a possibilidade de, num borrar último das separações entre arte e vida, sublime e grotesco, objetivo e subjetivo, levar o homem a uma nova unidade realmente libertária de inclusão total (ou pelo menos mais eficiente) de diferenças;"

§

Atração e repulsa?

Como, se diante de um vídeo/canção como este, fico sem saber em qual dos dois, Moss ou Gillespie, primeiro introduzir partes de minha anatomia, eriçada em reações e outros anagramas?



Canção do Primal Scream, liderado por Bobby Gillespie, antigo bateirista da banda The Jesus and Mary Chain, autor de alguns dos meus favoritos hinos contra o ssiisstteemmaa nos últimos anos, como o ótimo "Swastika Eyes"... aqui, Bobby Gillespie e Kate Moss "cobrem" a incrível "Some Velvet Morning", de Lee Hazlewood e Nancy Sinatra, sobre a qual quero escrever mais, mais tarde.

§

"Pois há outras formas de resistência além da negação, como propôe Theodor Adorno no ensaio "Lírica e Sociedade", ou Alfredo Bosi no ensaio "Poesia Resistência": nem só o refúgio na Idade de Ouro, nem apenas a invocação da parúsia, mas também a inserção de resistência dentro do próprio sistema. E exilar-se numa linguagem pura, não contaminada pelo mercado, pela nova configuração tecnológica do mundo, tem gerado meros ouvidos moucos por parte do público. Marjorie Perloff expôs da seguinte maneira as opções de resistência:

One may, as do the bulk of 'creative writing' teachers and students in workshops across the country, turn one's back on contemporary technology and write 'personal' poems in which an individual 'I' responds to sunsets and spiders and moths flickering on windowpanes or remembers a magical incident that occurred on a fishing trip with Father. Or one can take on the very public discourses that seem so threatening and explore their poetic potential. (grifo meu)

Precisamos rever nossas estratégias."


"Ideologia da percepção" in Inimigo Rumor n. 17 (SP/RJ: Cosac Naify/7 Letras, 2006)

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