terça-feira, 16 de junho de 2009

Aritmética sem bom manejo

ARITMÉTICA SEM BOM MANEJO

por Ricardo Domeneck

Há poucos meses, iniciei aqui uma série de artigos, em que busco aclarar minha crença na conjunção entre estética e ética, a partir de teóricos como Ludwig Wittgenstein ou praticantes como John Cage, assim como minha discussão sobre a historicidade do fazer poético. Para isso, iniciei um debate sobre os conceitos de "trans-historicidade", "pós-utópico", "forma fixa", etc. O primeiro texto intitulava-se "O que é est-É-tica", após o qual segui com o ciclo de artigos. A única reação pública foi a do poeta Érico Nogueira, que questionou certos aspectos de minha discussão, fazendo com que eu incluísse minhas respostas a ele nos artigos subsequentes. Em um deles, intitulado "O jogo de equivalências", parto da discussão de 4 sonetos de poetas contemporâneos, para ilustrar meu pensamento sobre o uso atual das "formas fixas", discutindo textos individuais de Paulo Henriques Britto, de Glauco Mattoso, de Bruno Tolentino e, por fim, do próprio Érico Nogueira. Segundo Nogueira, em postagem recente de seu blog, vários leitores pediram a ele que respondesse às minhas críticas a Tolentino. Nogueira publica, no entanto, um artigo de Jessé de Almeida Primo, em que o ensaísta entrega-se, com zelo admirado, à "defesa" de Tolentino contra minhas assertivas.

O artigo de Primo, porém, não é exatamente uma contribuição ao debate sobre a historicidade do fazer poético. O ensaísta passa ao largo dos meus argumentos em vários artigos, ocupado em defender a reputação de um poeta que parece ter por mestre. Assim, com a edição brasileira de A Imitação do Amanhecer (São Paulo: Globo, 2006) à minha direita, posição apropriada para uma obra de Tolentino, convido o leitor a seguir-me na análise da defesa do ensaísta, por pontos:

§ - Jessé de Almeida Primo inicia seu artigo com uma epígrafe, usando, de Tolentino, os versos: "E ainda exista / ou não, cena por cena a visão bem amada / é o real como é, não como o quer o artista", à qual gostaria de responder com estes versos de Wallace Stevens: "They said, `You have a blue guitar, / You do not play things as they are.´ // The man replied, `Things as they are / Are changed upon the blue guitar.´", que, peço aos leitores, tomem como epígrafe desta minha resposta.

§ - o ensaísta baseia grande parte de sua defesa na afirmação de que eu teria incorrido numa injustiça, ao analisar um único soneto do autor. A escolha daquele soneto específico não fora acidental ou inocente. Como seguia, em meu ciclo de artigos, levando em consideração certos questionamentos de Érico Nogueira, escolhi deliberadamente um soneto que o poeta elogiara em artigo recente, chegando a declarar que o texto lhe servia de parâmetro de qualidade, medida para seu próprio trabalho. Pareceu-me honesto e justo com o próprio Tolentino, portanto, tomar um texto que um de seus elogiadores mais assíduos considerava um de seus melhores. Minha crítica foi formal e est-É-tica, sobre a qual, no entanto, o ensaísta Almeida Primo não delibera. Quanto à crítica formal que faço ao texto, tudo o que o ensaísta tem a dizer é que o soneto era apenas uma estrofe entre outras 528 estrofes, que são sonetos, sim, mas sonetos-estrofes, segundo o ensaísta, que parece considerar tal uso como grande invenção. Ora, no universo crítico em que eu habito, autor nenhum seria capaz de atingir um todo teso através da soma de partes frouxas, mas Jessé de Almeida Pinto parece pensar de outra maneira. Assim, as rimas convencionais, a linguagem frouxa e a imagética kitsch de Bruno Tolentino seriam desculpadas pelo fato de formarem apenas uma parte dentro de um todo que, o ensaísta parece crer, tem grande qualidade literária, provando também, segundo ele, a consciência da historicidade do fazer poético por parte de Tolentino. No entanto, o uso do soneto, como mero molde para uma longa meditação retórica de Tolentino, parece-nos demonstrar a noção simplista, de qualquer maneira, que este sempre demontrou, em quem forma é apenas contagem de versos, acentos e estrofes. Algo como uma "aritmética do bom manejo", unida às veleidades de uma risível "aristocracia sem boas maneiras".

§- o trabalho intitulado A imitação do amanhecer, segundo o ensaísta, seria uma "meditação sobre a história", o que provaria meu "erro" ao acusar Tolentino de não possuir grande consciência da historicidade do fazer poético em sua obra. A escolha do vocabulário de Almeida Primo é reveladora: uma meditação SOBRE a história, ele escreve. Assim, o ensaísta confunde a retórica de Tolentino com sua poética. É, deixo claro, apenas natural que um admirador de Tolentino confunda retórica com poética, já que o próprio Tolentino dominava com maestria esta confusão.

§- eu facilitei o trabalho de Almeida Primo ao parear, em determinado momento de meu texto, os conceitos de "historicidade e quotidianidade." Facilitei seu trabalho, digo, pois ele espertamente passa a ignorar minha argumentação em vários e longos artigos tentando definir com clareza meu conceito de "historicidade". Ele toma, a partir de então, a mera noção de "quotidianidade" (que ele equipara a linguagem coloquial e imagens do dia-a-dia) para defender o trabalho de Tolentino e sua funcionalidade no contexto atual. Não vou entediar meu leitor com mais uma discussão sobre minha noção de historicidade. Basta que se leia minha série de artigos. Vejamos, porém, o que Jessé de Almeida Primo chama de consciência da historicidade poética no trabalho de Bruno Tolentino:

§- o ensaísta reproduz outros quatro sonetos do livro, a sequência do número 132 ao 135 da primeira parte, como "provas" da historicidade do livro de "seu" autor. Ora, tudo o que Almeida Primo tem a oferecer é a menção a certas cenas quotidianas nos 4 sonetos, o aparecimento de uma "velhota, por exemplo, da cor / das nozes de Natal, as bochechas morenas / no rosto acantilado", "essa cliente costumeira de um salão / tipo Cavé, que a cada tarde aparecia, / saia de pailleté e bengala na mão", seguindo com a descrição, na linguagem frouxa e retórica de Tolentino, de uma cena quotidiana, a qual o ensaísta, que se propôs a defender Tolentino de meus "ataques", apresenta como os despojos de uma conquista, crendo provar com isso a consciência, por parte de Tolentino, da historicidade do fazer poético. É, obviamente, uma caricatura daquilo que discuti nos últimos artigos, deliberada ou não. A discussão da historicidade do fazer poético, para Jessé de Almeida Primo, resume-se a isso, a descrição de uma cena cotidiana em meio a sonetos alexandrinos.

§- Tolentino e seu defensor não parecem perceber a diferença entre a retórica e a poética do poeta, entre seu discurso e sua aplicação em forma. Assim, o defensor ignora as rimas convencionais, a linguagem frouxa, discursiva, que é encaixada na forma do soneto, que se transforma em mera contagem de versos, espaços em branco e o cuidado em terminar os versos com algumas das rimas mais tediosas que li nos últimos anos.

§- voltemos, porém, ao projeto do livro. O ensaísta defende o trabalho de Tolentino contra minha invectiva, dizendo que a historicidade de seu trabalho estaria comprovada, por ser este uma narrativa que se passa na Alexandria dos anos 20. Isso explica realmente alguma coisa? É por isso que Tolentino usa o verso alexandrino? Por que sonetos, além da velha pirraça infantil de Tolentino, em usar uma forma que seus "inimigos vanguardistas" consideram morta, Tolentino sempre viciado nos cheap thrills da polêmica? Lendo os sonetos de Tolentino, neste A Imitação do Amanhecer, não consigo pensar na Alexandria mencionada em vocativos ad nauseam no livro, mas na Paris do século XVI. No entanto, diga-se clara e infelizmente, Tolentino não é nenhum Du Bellay, muito menos, alas! do ai-de-nós, um Ronsard.

§- Em determinado momento, o ensaísta cita os versos: "Ah, não me leves, não me enxugues do soneto/ esses levíssimos diamantes de suor,/ essa garoa, Alexandria, o sal do amor// na terra quente dos meus versos...” , para demonstrar a luta de Tolentino com o real e o ajuste deste em sua forma escolhida. O ensaísta parece dedicar grande admiração a estes versos, que eu usaria, em qualquer contexto, como exemplo de escrita frouxa, convencional, retórica. Notem a metáfora adolescente, tomando seu trabalho formal como "diamantes de suor", a rima quase ridícula com "o sal do amor // na terra quente dos meus versos". O ensaísta não discute, porém, o trabalho formal de Tolentino. Ele está absorto demais com a ambição do projeto-todo do poeta que admira. A intenção de Tolentino parece bastar-lhe.

§- eu acreditava estarmos discutindo poesia, é por isso que não me importei com o assunto do livro de Tolentino, mas com sua forma e com a maneira que esta se adequa à "meditação sobre a história" do poeta, ainda que "ambientada na Alexandria dos anos 20", levada a cabo pelo autor em seu calhamaço de retórica. Alexandria dos anos 20? Conheço um outro poeta, que realmente viveu na Alexandria dos anos 20 e meditou muito sobre a História. Trata-se, obviamente, de Constantino Cavafy. Convido qualquer um a comparar a linguagem deste poeta, extremamente consciente de seu contexto histórico, nos idos de 1920, à ficção de Tolentino, com sua linguagem que mais parece a de um poeta que acabara de jantar com beletristas retóricos como Boileau ou Pope, lá pelos idos de 1710.

§- Quando lemos Cavafy, somos realmente transportados à Alexandria dos anos 20, vemos como um poeta daquele momento vivia, pensava, escrevia. Esta é uma das belezas da poesia produzida por um autor consciente de seu contexto histórico: seu mundo sobrevive em seu texto, mesmo após um naufrágio contextual, e ao mesmo tempo segue encontrando leitores em subsequentes contextos. O grande poeta jamais tem medo de escrever poemas "datados", justamente o que apavora o neoclássico, aquele que almeja a Eternidade e escreve poemas empoeirados e embolorados, mal saíram do forno. Assim, Cavafy, morto há mais de 70 anos, nos parece muito mais vivo que Tolentino, com quem compartilhávamos oxigênio há poucos anos. Pois Tolentino, ainda que tenha tanto criticado o "mundo como Idéia", neste A Imitação do Amanhecer não faz outra coisa que não seja doar-nos uma "Alexandria como Idéia", enquanto a de Cavafy segue viva e concreta em seus textos.

§- O poeta Dirceu Villa publicou em seu blog esta semana, por "coincidência", um artigo em que discute algo destas preocupações. O texto explica bem o que há de moroso na poesia de autores equivocados como Bruno Tolentino. Como escreveu Villa: "Justificar um versejador como poeta é simples. Basta destacar sua habilidade formal nos usos conhecidos, & louvar parafrasticamente o que ele diz, em geral coisa supostamente complexa & filosófica (mas ínfima se posta junto de seus paralelos daqueles gêneros). E naturalmente exigir, para criticá-lo, a leitura dos cinco tomos de suas obras completas, sob olhos lacrimejantes não de comoção, mas de desespero. Longos discursos abstratos, metrificados regularmente ou não, sempre foram feitos & sempre serão feitos, recheados de muita, com o perdão da palavra, filosofia, & de, ah-ham, `imagens´."

§- o problema, é claro, não é "retórica". Há discurso em Guido Cavalcanti, em John Donne, até mesmo em João Cabral de Melo Neto. Mas, nestes poetas, há uma justeza de propósitos, união entre o dizer e o fazer. Num grande poeta, é impossível separar o que diz de como o diz, há um "comooquê", conteúdo e continente são o mesmo movimento. Não vejo isso em Tolentino. Nele há apenas discurso enfiado a qualquer custo numa forma fixa, ainda que seus admiradores insistam em não ver o esforço. Não há a tríade-junção entre forma, função e contexto, como tentei argumentar nos últimos artigos.

§- Jamais acusei a poética de Tolentino de ser "alheia ao mundo, incontaminada das miudezas do cotidiano etc.". O que o acusei é de raramente ter encontrado a maneira adequada de atacar este "mundo como Idéia" ou, como é o caso deste livro sobre o qual me debruço com tédio desesperado, de muitas vezes doar-nos belos exemplos daquilo mesmo que critica.

§- o que existe na linguagem de Tolentino neste livro, e permite que Jessé de Almeida Primo chame de "quotidianidade", que ele confunde, deliberadamente ou não, com "historicidade", é apenas a linguagem muitas vezes prosaica e retórica de Tolentino, na qual a única densidade é a que ele relega à grandiloquência de seu vocabulário, para discursar sobre temas "profundos".

§- História, em Tolentino, é sinônimo de "pretérito". A Alexandria de Tolentino é completamente abstrata, alegórica. É mera metáfora. Até mesmo a Roma de Catulo, que submergiu há 2 mil anos, se nos afigura mais concreta que a Alexandria de Tolentino, que é, por fim, apenas uma abstração, uma "imitação da eternidade", nas próprias palavras deste Imitação do amanhecer. Para Tolentino, todo ser parece "fantasmático / entre a pedra e a emoção, é póstumo, é o artífice / de uma visão que o faz passar de um precipício / ao outro..."

§- percebam, no entanto, o vocabulário do ensaísta, após crer ter provado a consciência histórica na prática de Tolentino, ao citar certas cenas quotidianas em sua poesia, com sua noção simplista de historicidade: "Por outro lado, não quer isso dizer que Tolentino faça concessões ao vulgar, que ele se apequene para aparecer simpático aos bárbaros ou para tornar-se visível a eles, o que seria um distanciamento do real com sinal invertido: trocar a torre de marfim pelo buraco de avestruz. Significa o quanto os elementos aparentemente insignificantes, tão cotidianos, servem a uma reflexão refinada sobre o real: `as pequenas/ epifanias da agonia e do esplendor´."

§- Sim, aqui surgem mais uma vez as veleidades aristocráticas de Tolentino e de seus defensores, a crença de que sua poesia demonstra uma poética "que não faz concessões ao vulgar", pois não se importam se parecem ou não simpáticos aos "bárbaros".

§- aquilo que Nogueira e Primo chamam de "poética difícil", que exigiria do leitor "grande conhecimento literário", não se manifesta em Tolentino como forma, estrutura, função de sua poesia. As alusões literárias de Tolentino, ao longo do livro, consistem, em grande parte, em mero name-dropping, sempre de autores dos quais ele espera saquear a autoridade literária, esperando que a mera aparição dos nomes de Rilke ou Proust, em seu texto, o eleve ao patamar da alta cultura, à qual Tolentino, com afã provinciano, tanto aspira. Nada há de difícil, na verdade, na linguagem de Tolentino, que se afigura, neste livro, como retórica bastante prosaica em muitos momentos, pontilhada pela grandiloquência do vocabulário e de certas rimas empoeiradas, verdadeiros desafios à resistência do meu gag reflex.

§-Vejamos alguns exemplos (o que pode ser bastante didático a quaisquer poetas adolescentes que estejam acompanhando este debate) da linguagem frouxamente retórica de Tolentino, as metáforas fáceis, a grandiloquência do vocabulário, sua linguagem prosaica, enfiada incômoda no alexandrino, sua noção de alusão literária como mero name-dropping e sequestro da autoridade alheia, as rimas empoeiradas, se possível reunidos nos mesmos trechos (ainda que Jessé de Almeida Primo espere, talvez, que eu digite os 528 sonetos-"estrofes"):

do soneto I. 31

"De acordo com Platão, o ser nasce diante
do outro, da metade, e a alma dissatisfeita
mantém-lhe o corpo à espreita até o último instante,
quando atravessa o espelho e se entrega, se deita..."




do soneto I. 43

"...ergo o meu Maldoror
com a imitação do mal da aurora... O trocadilho
ri do que Lautréamont mal ousara dizer:
que há uma chaga, uma brecha entre a linguagem e o ser,
e que essa fenda é que chamamos arte, exílio,
sonho, mitologia. Que mesmo o amanhecer
baixa a esse abismo como um pária maltrapilho."


I. 116

"A jovialidade imanente no canto
é a única grandeza, haja vista Catulo,
Hölderlin louco, Keats tísico... Amo- os tanto
porque com eles atrevi-me ao salto, ao pulo
sobre a torrente musical. E se me anulo
e me aceito mortal, ao menos por enquanto,
deles tenho também que é a morte o casulo
em que crescem as asas munidas desse encanto
capaz de unificar a música e o discurso.
Não creio no prodígio senão de um mimetismo,
de uma reconstrução do eterno sobre o abismo
que escava cada rio imortal em seu curso -
partilhei com Pitágoras o sonho do algarismo,
mas fui virando arroio, soluço por soluço."


do soneto I. 165 (em que Tolentino name-drops Cavafy)

"... Porque fomos talvez
o ramalhete separado do jardim,
um instante perdulário e grave, e que se fez
e se desfez porque a alegria é sempre assim,
Alexandria... Ainda o outro dia éramos três
e já agora não sei o que fazer de mim!"


do soneto II. 113

"E como Proust, olhando a bota e atando o laço,
lembrava a voz da avó, um rosto de anciã,
penso na Alexandria venerável e vã,
a ancestral de um amor de mármore, o palácio
e o bordel onde vive a eterna cortesã
da arte - e lhe ofereço a última flor do Lácio"


...

And so on and so forth ad infinitum pelos séculos dos séculos. E há quem diga "amém". Mas é bem provável que eu esteja simplesmente entre os bárbaros que fazem concessão ao vulgar, sem pertencer à "aristocracia".

§- Sei que, usando as palavras de Érico Nogueira, Tolentino provavelmente acreditava que "a relevância de um texto está nas alusões eruditas, no manejo e correção do léxico e da sintaxe, no engenho retórico", como ele descreve o trabalho dos poetas de períodos (nunca homogêneos, de qualquer forma) neoclássicos. Já argumentei longa e claramente, espero, contra tal escolha e quais os parâmetros que sigo. Não quero convencer qualquer pessoa a deixar de ler Bruno Tolentino, se isso lhes dá prazer ou os faz feliz. Que um crítico queira, no entanto, provar que a poética de Tolentino tem relevância e consciência históricas, da maneira como Jessé de Almeida Primo o fez, parece-me simplesmente equivocado. Há autores que respeito, como Érico Nogueira, a quem considero muito superior a Tolentino, ou João Filho, de quem admiro muito a prosa, que consideram este trabalho específico de Bruno Tolentino como inovador. Dentro de meus parâmetros críticos, que venho tentando deixar claros, o trabalho de Tolentino está muito distante de qualquer noção de inovação. Muito menos de relevância. Como não me preocupo demasiado com o Make It New como mero afâ novidadeiro, não me importo com isso, deixando a discussão para os que se preocupam com a legislação do cânone. Mas me sinto impelido a questionar uma est-É-tica tão fortemente baseada na retórica e em uma noção tão rasa de "cultura".

§- O fracasso de Tolentino acaba sendo predito por sua própria intenção original, ao criar uma narrativa tão longa, que usa o soneto alexandrino como mera camisa-de-força, na noção rasa de forma que Tolentino sempre pareceu demonstrar, sem qualquer necessidade intrínseca aparente à própria estrutura de seu livro, escrito no momento em que foi escrito. Chego até mesmo a entender os que se deslumbram com a imponência monumental do projeto, que é superado apenas pela monumentalidade de seu fracasso. Aos que se interessarem pelo alexandrino, seria melhor deixar a "Alexandria como Idéia" de Tolentino, e buscar a Paris concreta de Pierre de Ronsard; assim como os que se interessem pela Alexandria concreta dos anos 20, muito mais concreta que a "imitação da eternidade" de Tolentino, podem encontrá-la nos poemas de Constantino Cavafy. É o que eu pretendo fazer, após retornar o exemplar de A Imitação do Amanhecer à estante, de onde espero não ter que o tirar tão cedo.

7 comentários:

m. sagayama disse...

Esperava essa resposta ao artigo de Jessé A. P.. Esperava também o seu primeiro artigo que discutia realizações individuais do soneto.

Isso tudo, para quem começa agora, como eu, dá mesmo é um medo de, sem saber, ser um versejador, um name-dropper.

Mas espero que não, se entendo bem seus textos.

Ricardo Domeneck disse...

Mario,

se esperava, aqui está. Não tenha medo. Apenas evite, sempre que puder, confundir o trabalho poético com a faina de versificar um assunto. De qualquer maneira, esta é apenas minha opinião. Villa o formula de forma um pouco diferente, mas creio concordarmos nisso.

Érico Nogueira não faz isso em sua própria poesia, que me parece muitíssimo boa, mas elogia poetas como Pope, Boileau e Tolentino, que o fazem.

O campo é minado e o assunto é complicadíssimo. O importante é que cada poeta/crítico defina seus parâmetros de forma honesta. Ninguém aqui está tentando convencer o outro. Acho que o único problema acaba sendo na hora de legislar sobre o cânone: quem entra?

Outra coisa é: não se esqueça que todos aqui são poetas, e tentam definir o "ambiente crítico" em que inserem seus trabalhos. Não é apenas uma questão de gosto ou mero acidente que eu inicie um ciclo crítico sobre Catulo na Modo de Usar & Co., enquanto Nogueira defende Horácio como o maior dos poetas latinos ou Villa traduz belamente e parece eleger como mestre a Ovídio. Essas escolhas são coerentes com as nossas est-É-ticas.

Você precisa apenas definir a sua própria est-É-tica e então preparar-se para dizer:

"Defenderei
Defenderei
Defenderei."

Abraço,

Domeneck

Unknown disse...

Ricardo,

por mais que discorde de você em quase tudo, acho você um poeta inteligente e atualizado. Por isso, acho que essa preocupação com o Bruno Tolentino (ou outros dinossauros) de uma generosidade excessiva. Além do mais, esse pessoal muito reaça (em estética) costuma ser de uma ferocidade incomum. Como palpite não pedido, acharia melhor aquele verso, palavras de virgílio a Dante: "Não ragionam di lor ma guarda e passa".

Abraço,

Leandro

Anônimo disse...

Domeneck, eu não gostava das coisas que você escreve. Mas rapaz, o que foi isso? Muitíssimo certeiro, excelente.

Ricardo Domeneck disse...

Caro Leandro,

tenho amigos que pensam como você, acreditam que debates como esses são inúteis, uma "perda de tempo". Não consigo pensar assim. Parece-me muito importante seguir com um debate amplo e adulto. Talvez seja minha obsessão pela conjunção entre ética e estética o que me leva ao debate. Obrigado pela visita e por declarar abertamente sua discordância.

Abraço

Domeneck

Ricardo Domeneck disse...

Meu caro anônimo,

talvez você tenha gostado deste texto, por ser a primeira vez que você concorda comigo?

abraço

Domeneck

XOXÓ NO SEU FIOFÓ disse...

como nas contra-capas de romances americanos: 'a dazzling achievement'

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