sexta-feira, 19 de junho de 2009

Relatório de trabalhos da semana

§- publiquei esta semana, na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co., minha tradução para dois poemas de David Bromige, poeta nascido na Inglaterra, considerado canadense, residente nos Estados Unidos até a sua morte, este mês, na Califórnia. No artigo que acompanha os dois poemas traduzidos, discuto minha idéia de tradução como transcontextualização, incluindo à noção de transcriação, de Haroldo de Campos, que descreve da melhor maneira o trabalho material com a forma, ainda os conceitos de função e contexto, criando a tríade forma/função/contexto ou, como prefiro chamá-la, material/função/contexto. Esta tríade guia o trabalho em meu próximo livro, intitulado Sons: Arranjo: Garganta, que está no prelo. "Forma" parece-me um conceito viciado demais para seguir colaborando com o debate. É controverso e irritante para alguns, mas estou apenas abordando minhas obsessões críticas por ângulos diversos. Vocês podem ignorar o artigo ou mesmo as minhas traduções, e ir direto ao que mais interessa: a poesia linda de David Bromige.

§- o poeta Ricardo Silveira (São Paulo, 1978) iniciou um projeto poético de oralização, em que passa a musicar textos de poetas brasileiros contemporâneos. Alguns autores com quem ele já trabalhou são Marcelo Montenegro, Fabrício Corsaletti, Marcelo Sahea, Bruna Beber e Fabiano Calixto. Ele divulga o projeto no Poesia Fadada. Esta semana, ele postou seu trabalho com um texto meu. Trata-se da segunda faixa do meu poema-em-série "Poema começando `Quando´", publicado no meu segundo livro, a cadela sem Logos (São Paulo: Cosac Naify, 2007). Imagino que a escolha tenha sido, em parte, sugerida a Silveira pela minha divisão do poema-em-série em "faixas", com duração, e não em partes. Meu livro a cadela sem Logos traz poemas em que, pela primeira vez, passo a trabalhar na fronteira entre a escrita e a oralidade. Naquele momento, ainda não produzia poesia sonora ou em vídeo, um desenvolvimento natural de minha est-É-tica de borrar de dicotomias entre corpo e mente, subjetividade e objetividade, escrita e oralidade. Um viver na fronteira. Fiquei feliz com o trabalho de Ricardo Silveira, que é, diga-se de passagem, um dos poetas mais inquietos da cidade de São Paulo, no que se refere à pesquisa de novos meios e suportes para o trabalho poético. Está entre os pesquisadores, como Ricardo Aleixo (Belo Horizonte), Marcelo Sahea (Porto Alegre), Márcio-André (Rio de Janeiro) ou Gláucia Machado (Maceió).

§- após ter poemas incluídos em algumas antologias aqui no continente europeu, em livros, revistas e catálogos, além da pequena edição especial numerada do When they spoke I / confused cortex / for context, lançada em Londres em 2006, a convite da Pablo Internacional Magazine, do mexicano Pablo León de la Barra, tudo indica que minha primeira publicação individual por estas bandas não será em alemão, mas em francês. Trabalhando neste momento em uma pequena seleção de meus textos para uma editora belga, que tem uma pequena coleção de poetas jovens em livros-de-bolso, chamada Booklegs, um trocadilho com a noção de bootlegs. A editora chama-se Maelström Éditions. Meus textos estão sendo traduzidos por Frédérique Longrée para, se tudo correr bem, lançarmos o livrinho (trilíngue: português, inglês, francês) este ano.

§

Reproduzo aqui o texto-em-série completo do "Poema começando `Quando´". As faixas foram publicadas (ao todo são 11) pela primeira vez na versão antiga de minha Hilda Magazine, em 2005 (visite AAQQUUII a nova versão da revista). Em livro, estão no meu a cadela sem Logos:

Poema começando “Quando”

Primeira faixa – 01:12

Quando o ponto
no círculo
abriu-o em linha.
Durante
as condições, o contexto.
Por você confundi os
sentidos para preservar
a canção.
Entre a faca na mesa e
a faca no chão, a
expectativa do peso, a
expectativa do corte,
esta última fundura
que resta:
o osso para a pele.
A subnutrição fará de nós
contemporâneos.
(Reconhecer, desejar, lembrar-se, etc)
Adoro epígrafes, não
vejo a hora
de escrever meu próprio
epitáfio. É um sinal
dos tempos, ele diz,
este gosto por epílogos
rápidos e determinados.
Vou vestir as roupas
da coleção
do inverno passado
e caminhar
pelas ruas crente
que a tradição ajuda-me
a respirar hoje. Mas
meus pulmões
são extemporâneos
apenas
na reação à pneumonia,
nunca antes, nem depois.
O epicentro dos
acontecimentos,
eis
o sonho dos séculos.
Estive com Cléo das
5 às 7.
------ estou procurando, estou procurando
a passagem
da contingência não-manifesta
à manifesta, forma
evidente do copo que
deixa a água menos
turva, honestidade
do continente
que sempre
mistura-se ao conteúdo,
circunda estas instâncias.


§


Segunda faixa – 00:37

Reconhecer a
construção pelo
espaço entre as
pedras
requer ser
ao mesmo tempo
pedreiro e arquiteto,
não engenheiro.
John Cage opera
o acaso
mas como o dia
há a escolha.
Há? Há.
O que não

são palavras
0/Km.
Por tanto:
o muro resiste
do lado de
dentro
da cidade sitiada
ou
o muro constringe
do lado de
fora
da cidade sitiada.
Tente manter-se puro,
meu caro senhor,
ausente e alheio
como os resistentes
do lado de fora,
e acorde
entre os colaboracionistas.
Mas todo muro é um tanto
confuso.


§


Terceira faixa – 00:48

Durma o espaço
de cinco músicas
e acorde para a água
na banheira mais fria,
assim resta o
quarto contíguo
que comunica
da macieira à laranja,
da mesa à madeira,
do urso
polar ao pêlo;
mas se
o calor não se
perde,
mas se a
carta escrita
ontem era válida
ontem e cruza
o oceano em uma
semana,
carregando meu nome
atual e a antepassada
da minha
intenção contemporânea,
a duração deste espaço
de tempo
é única,
o limite
do período das rugas
na mão
na água é curto,
mas o das rugas no rosto
é mais sombrio,
difuso.
Um pontua-se
pelo ressecamento,
o outro pela
dissolução.
Sucedem-se épocas.


§

Quarta faixa – 0:39

Quartos contíguos
podem acabar similares
pela justaposição dos móveis e
mesmo o caminhar em linha
reta, de um a outro.
Next to that,
to which there
is no Near.
A forma
mais rápida
de ligar A & B
é aboli-los, bani-los
como extremos
mas ele teme
a perda do controle
e associar-se
por acidente.
É ativa e passiva
a posição justa.
(Como a atenção)
O som da voz
alta confunde o
sentido onde
antes o hábito
do silêncio dos
olhos na página,
que delícia.
Muito combina-se às
vezes
sem selecionar
e o contingente estaca,
surpreendido.


§

Quinta faixa – 0:42

Intercalar uma série de
interrupções para melhor
compreender o calendário
dos meus dias. Sempre
e todo dia começam
com freqüência
complementares e adversativos,
para terminarem
entre letreiros fechados, créditos,
THE END
, o gosto do final e
a orquestra apontando a saída.
Há quem leia
prefácios,
há quem leia
posfácios.
O que se espera
da experiência
é que ocorra
antes de termos
tempo
de conectá-la com outra
e dizer “ponto final”
da dicção,
na expectativa
de atingir
pelas divisões do dois
o único,
quando obtém-se
este efeito
pela divisão do mesmo
pelo mesmo.


§

Sexta faixa – 0:24

Suas práticas
de acordo
com suas preferências
sexuais ou esta gola
justa
(Hedi Slimane)
impede-lhe o discurso
? e a resposta
foi “ambas e mais.”
Para quem não
quer nem pode a margem
por pertencer no censo
sempre a algum
domínio resta
a sabotagem
interna como o câncer.
Ele diz máquina
descentralizada e eu
digo ! hah hah hah.


§

Sétima faixa – 0:43

Tudo culpa
do meu vocabulário.
Existe a opção do sonho
com a infância
anterior
que rebusca o ouro.
Que horas são?
18:51
.
Não
proclame do palanque.
Ele diz “a música
de Heitor
Villa-Lobos
sofre
de falta de forma.”
Que fome.
Olhos
vêem no centro
da espiral um quadrado,
em especial na falta da
disposição para acompanhar
o movimento da elipse.
Não, não
na tranqüilidade
o pacote do produto
mas,
em uma emergência,
o processo das
mãos à obra .
Toda escolha
é ao acaso da atenção.


§

Oitava faixa – 0:50

Prefiro, no fundo,
a superfícies,
apêndices.
Consumir antes
da próxima
geração.
Adorno e engenho
substituídos pelo
fluxo do floema,
isto é, afinal
de contas,
uma emergência.
Mudança no
tempo imprevista.
O eterno seduz
tanto quanto
sempre
mas espera-se
adultos agora.
“O que
significa
isto?”
Leia a frase
toda.
Percorremos este
espaço de tempo
minuto a minuto
para vir do pavor
da idade do serrote
como infração do eterno
em Murilo Mendes
a esta aceitação
e deslizar no contingente
de Lyn Hejinian
em “persevering saws
swimming into boards”,
contentes, contentes.


§

Nona faixa – 0:38

Alinha-se quem
preserva. Rompa
pelo fértil.
Labirinto
se não se
resiste
ao caminho
seguindo-o.
Eu, etc.
The first time.
Das erste Mal.
La premiére fois.
Como você, não
prefiro a
não-ficção.
Não, senhor,
cogito
a possilidade.
Ela senta-se, Gauloises
à mão: “Non, la
Disneyland c´est pas
LA FRANCE, c´est
en France, mais
c´est pas La France.”
Tentação do homogêneo,
parte 2.
Eu, etc.
“ und schon sind wir
mitten drin in der
suspekten abstraktion.”



Décima faixa – 0:55

Algo amadurece à distância
mas aproxima-se aos
poucos para poucos
antes de todos
perceberem que
do chão à copa
o espaço é da queda.
Tudo deve ser documentado
é uma pergunta do processo
que se inicia no terror
para alcançar a beleza,
o risco do esquecimento
o primo leve da memória,
o preço breve do ato.
O trabalho árduo de convencer
a fruta
de que já se encontra madura.
Com os dentes.
Tempo movendo-se em volume
alto, duração contínua
segundo a segundo
para depois
ser sujeito
às elipses da atenção
da história.
A mão que escreve
pode querer-se à margem,
silenciosa, mas seu
tom de voz ecoa
por todos os cantos.
Camuflagem falha.
Equívoco da tentativa
de uma “epistemology
without a knowing
subject”.
Toda presença
é central mas pode
sabotar-se
melhor como ventríloquo
do que invisível.


§

Faixa-bônus – 0:39

Amanhece constantemente
e nossa atenção
redireciona os olhos
como foi necessário
apaixonar-se por um ruivo
para registrar o número
excitante deles nas ruas.
Cochilo como técnica.
Traduzir “Wren / set
up his own monument”
por “Mauá /
não olha a própria estátua”
Oportunidade
de dar-se
um nome
à vivência.
We possess nothing.
Ao terminar a décima
parte teve a sensação
prazerosa de simetria,
completude,
portanto escreveu a
décima-primeira.
Estou interrompendo?
Não,
fertilizando.
Eles estão emparedados
com palavras
de suas próprias idéias.


/// Ricardo Domeneck, a cadela sem Logos (São Paulo, Cosac Naify, 2007)

Nenhum comentário:

Arquivo do blog