sábado, 31 de dezembro de 2011

Adeus, 2011

Nas últimas semanas, conforme se aproximava o fim deste ano, costumava brincar com amigos dizendo que quando 2011 desse seu último suspiro, eu dançaria um samba violento sobre a tumba dele. Agora que o ano está praticamente acabado, percebo que seria ingratidão minha. Foi um ano importantíssimo em minha vida. Fiz e produzi muito, conheci pessoas maravilhosas que certamente marcarão a minha vida ainda além do que já marcaram. Eu ia fazer uma lista de highlights do ano, mas, sentindo cada página de Simone Weil lida pesando nos ombros, digo highglight de quê? Os punti luminosi da existência brilham por si mesmos.

Eu agradeço a todos que estiveram do meu lado este ano, que fizeram parte deste capítulo de nossas aventuras, que permitiram que eu fizesse parte das suas. Este foi também o ano em que perdi O Moço amado idolatrado salve salve que mais amei nesta coisa de vida, e, como não posso dizer isso a ele, digo então a vocês, ao mundo e a cada grão de oxigênio no globo: Moço, tu ainda és o príncipe das belugas. Onde e com quem quer que você esteja, desejo com cada fibra do meu ser que você esteja feliz. Parafraseando o poema de Angélica Freitas, só pense em mim hoje, que sou seu passado, se isso lhe der prazer.

Foi o ano em que pude partir de vez para o trovadorismo, com a ajuda do meu amigo Tobias Bittmann, e fundamos nossa banda Elephant The Diplomat, que ocupará meu tempo em 2012 e me fará feliz, como já o faz em nossas 10 canções já compostas. E é pelas canções-salva-vidas que deixo vocês com uma seleção das canções que salvaram minha sanidade este ano. Até 2012. Que nos seja leve.



Planningtorock - "The One"

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Creep - "Days" featuring Romy Madley-Croft

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Feist - The circle married the line

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Atlas Sound - "Te amo"

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Black Cracker - "Bury Me (Skull and bone)"

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Anika - "I got to sleep"

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Dimitri BR - "O tamanho do caminho"


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quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

"Cantiga de ninar para amante surdo", poema multilíngue com vocalização em vídeo, gravado por Paula Abramo na Cidade do México

Foto feita por meu amigo, o (excelente) poeta mexicano Alejandro Albarrán,
Cidade do México, dezembro de 2011.


"Cantiga de ninar para amante surdo / Lullaby for a deaf lover / Canción de cuna para amante sordo", texto multilíngue (usando palavras do português, castelhano, inglês, francês, alemão, italiano, catalão, crioulo cabo-verdiano, sefardí, inventado e latim), já que na última década não me apaixonei por uma única criatura que fosse civilizada suficiente para falar português.

Gravado por Paula Abramo na Cidade do México a 18 de dezembro de 2011.




Texto do poema abaixo. Publicado originalmente no Diário de Poesía de Buenos Aires, em 2008, no dossiê de poesia brasileira contemporânea organizado por Cristian De Nápoli.


Cantiga de ninar para amante surdo
Ricardo Domeneck

Eres the plague meiner fauna,
my allerdearest passerculus
infenso al questionnaire
dos meus needs, do quê

tens angst, nha kretxeu,
if otros páxarus planam
alrededor d´your caixola
toracique like girassóis

or schmetterlinge y
hay keine delicatessen
full d´engrunes
nel malheur di toalha

da vuestra távola que
balança wie manzanas
dil otonio u soçobram
sin solaciolum al soluço

meu y el plenu século est
aranearum a memorandar
le gravity ou statistics
entre epiderm y shampoo,

bicho-da-seda of my own
cheveux, my holzpferdchen
di carroussel, sussurro-te
questo lullaby, quirinsiozo

nonchalant y taube
sorda of mi olvido:
ecco ichyojeu
sobjective,

mon callboy, j´am deine
mullah, et con one sonrisa
sur la fresse cargo tu planetoid,
heavy hecho plumas y paese,

mio xodó, tal qual un atlas
avec avlas y árvulis y
everything di solombra
sur riachos, mein benzinho

gauche de pampers da vita,
basia mille, deinde centum
y tremblo trotzdem dibaxu
der sonne, hasta que deslizes

under los lençóis di camomila
sur tua llit, oh! l´alba assovia,
de morsus a ictus glutona-se
teu focinho avec mis tatters,

ronron meu,
si hay rincão
more londji
von mim,

mendigo-te:
do not go,
ay paura da
departure,

baby bobo


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quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Dois ensaios de Elaine Cintra, da UFU: "O acaso na lírica de Ricardo Domeneck" e "A ´experiência irrespirável`: memória e esquecimento em RD"

a cadela sem Logos (São Paulo/Rio de Janeiro: Cosac Naify/7Letras, 2007)


Como diz meu amigo, o poeta e romancista baiano João Filho, "elogio da própria boca é anátema". Tenho pudores em postar estes textos aqui, mas o faço especialmente por se centrarem em aspectos do meu trabalho que me são muito caros, a partir de um livro meu que foi julgado "irritante" e "frio" até por amigos.

Elaine Cristina Cintra é professora da Universidade Federal de Uberlândia, e tem conduzido um trabalho de pesquisa sobre o meu trabalho com muito respeito e generosidade. Tudo o que posso fazer é agradecer, agradecer e agradecer por gastar seu tempo precioso discutindo minhas obsessões.

São dois ensaios: "O acaso na lírica de Ricardo Domeneck: forças do alheio, figurações do não alheio", para a revista Cadernos de Semiótica Aplicada, volume 9 (2011); e "A ´experiência irrespirável`: memória e esquecimento em Ricardo Domeneck", para a revista Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, No 37 (2011). A quem possa porventura interessar-se, basta clicar nos links abaixo e baixar os arquivos em pdf.



terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Vídeo com Luis Felipe Fabre, lendo seus "Villancicos del Santo Niño de las Quemaduras", do livro La Sodomía en la Nueva España (2010)


Luis Felipe Fabre (Ciudad de México, 1974) vocaliza seus "Villancicos del Santo Niño de las Quemaduras",
do livro LA SODOMÍA EN LA NUEVA ESPAÑA (Madrid: Pre-Textos, 2010).
Gravado por Ricardo Domeneck, especial para a MODO DE USAR & CO.



O villancico, conhecido em português como vilancete, é uma composição poética geralmente musicada, comum na Península Ibérica nos séculos XV e XVI, praticada por poetas-compositores como Juan del Encina (1468 - 1529) e transplantada com muito talento no século XVII para a América Espanhola, por exemplo, por Sóror Juana Inês de la Cruz (1651 – 1695). Trata-se de poesia lírica irmanada a formas como a canção de amigo galego-portuguesa, a jarcha/moaxaja moçárabe e aos textos dos romanceiros ibéricos em geral.

Villancico
Juan del Encina

Floreció tanto mi mal,
sin medida,
que hizo secar mi vida.

Floreció mi desventura
y secósse mi esperança;
floreció mi gran tristura
con mucha desconfïança;
hizo mi bien tal mudança,
sin medida,
que hizo secar mi vida.

Hase mi vida secado,
con sobra de pensamiento;
ha florecido el cuydado,
las passiones y el tormento;
fue tanto mi perdimiento,
sin medida,
que hizo secar mi vida.

Fin

Secósse todo mi bien,
con el mal que floreció;
no sé cúyo soy ni quién,
quel plazer me despidió;
tanto mi pena creció,
sin medida,
que hizo secar mi vida.



Mais tarde, como se dá na Obra de Sóror Juana, a forma poética passou a ser composta exclusivamente com temas religiosos, como a assunção da Virgem e o nascimento de Cristo, e passou a ser empregada nas festividades católicas. Os vilancetes eram cantados por um solista e um coro.

Por exemplo, compostos para as celebrações do Natal de 1689 e cantados na Catedral de la Puebla de los Ángeles, os Villancicos de Navidad de Sóror Juana Inês de la Cruz iniciam-se:


Villancico de Navidad (1689)
Sóror Juana Inês de la Cruz

Primero Nocturno

Villancico I

Por celebrar del Infante
el temporal Nacimiento,
los cuatro elementos vienen:
Agua, Tierra, y Aire y Fuego.
Con razón, pues se compone
la humanidad de su Cuerpo
de Agua, Fuego, Tierra y Aire,
limpia, puro, frágil, fresco.
En el Infante mejoran
sus calidades y centros,
pues les dan mejor esfera
Ojos, Pecho, Carne, Aliento.
A tanto favor rendidos,
en amorosos obsequios
buscan, sirven, quieren, aman,
prestos, finos, puros, tiernos.



Sóror Juana atingiu grande sofisticação filosófica e poética em seus vilancetes. Seus Villancicos de la Asunción (1676) têm composições em castelhano, latim e tocotín, uma língua que mesclava o castelhano e o náhuatl, sem mencionar o Vilancete VII do "Tercero Nocturno" deste mesmo texto de 1676, em que se equipara com maestria à elegância da wit de seus contemporâneos europeus, como os metafísicos ingleses mais jovens Andrew Marvell (1621 – 1678) e Henry Vaughan (1622–1695).

Lançado no ano passado, La Sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010), de Luis Felipe Fabre (Cidade do México, 1974), é um belíssimo trabalho de reconstituição poético-histórica do período de perseguição a homossexuais na Nova Espanha que culminou nos anos de 1657 e 1658, levando à execução (queimados na fogueira) de muitos homens na Cidade do México, como no caso de Juan de la Vega, conhecido como la Cotita. Baseando-se textualmente em documentos da época, Luis Felipe Fabre faz uma reconstituição e resgate ao dar voz aos acusados, mas, retomando a linguagem alegórica barroca do período, dá também voz à Santa Doutrina contra o "pecado nefando", ao Silêncio e ao Fogo que os consomem e retoma formas históricas como o villancico, o que traz mais de uma implicação est-É-tica ao livro, ao usar uma forma praticada com esmero por uma poeta religiosa como Sóror Juana, ela própria acusada e atacada sob suspeita de lesbianismo, ela que se aproxima de Safo de Lesbos ao cantar versos tão belos quanto estes para uma mulher chamada Filis:

Ser mujer, ni estar ausente,
no es de amarte impedimento;
pues sabes tú que las almas
distancia ignoran y sexo
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Penso no que escreve Walter Benjamin sobre o "historiógrafo perfeitamente convencido que diante do inimigo, e no caso deste vencer, nem sequer os mortos estarão em segurança. E este inimigo não tem cessado de vencer".

Em seus "Villancicos del Santo Niño de las Quemaduras", Luis Felipe Fabre retoma o episódio em que um dos acusados e queimados na fogueira em 1658 teve como prova e evidência contra si o fato de haverem encontrado em sua casa uma estátua do Menino Jesus queimada. Segundo a história, ele a teria queimado em um momento de fúria por não lhe ter sido permitido estar com seu amante.

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Luis Felipe Fabre, acompañado por Daniel Saldaña París y Paula Abramo,
lee fragmentos de su libro La sodomía en la Nueva España (Pre-Textos, 2010),
durante su participación en el festival Poesía en Voz Alta.
Ciudad de México. 23 de septiembre de 2010.


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La Sodomía en la Nueva España está entre os melhores livros de poesia contemporânea que li nos últimos tempos, e parece estar ligado a uma retomada da poesia lírica de forma extremamente consciente de sua historicidade, o que por vezes nos recorda o trabalho lírico dos Objetivistas Norte-Americanos dos anos 1930, trabalho de grande beleza e inteligência que também sinto nos livros El baile de las condiciones (Ciudad de México: Práctica Mortal, 2011), do mexicano Óscar de Pablo; e ainda no excelente La lírica está muerta (Bahía Blanca: Vox Senda, 2011), do argentino Ezequiel Zaidenwerg. Em sua retomada de uma forma lírica que tem suas origens na poesia medieval, o contexto atual da poesia latino-americana em que este trabalho de Luis Felipe Fabre se insere fez-me pensar também no último livro da brasileira Jussara Salazar, que acaba de ser lançado: Carpideiras (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011), guardadas as devidas distâncias contextuais entre a retomada barroca dos villancicos de Fabre e a retomada das cantorias, coros e retábulos de Salazar. Unidos ao que venho chamando de lírica analítica nos trabalhos de poetas brasileiros como os cariocas Juliana Krapp, Marília Garcia e agora Victor Heringer, assim como a exuberância pluriformal dos últimos poemas de Dirceu Villa, parece cada vez mais claro que os que sambaram sobre o esquife vazio da Poesia Lírica certamente não a viram gargalhando à janela do velório, ainda que seja o caso, segundo a visão de Ezequiel Zaidenwerg, de "que la lírica es más bien un zombie que está muerto ab origine y que, por más que intenten matarlo, siempre vuelve a aterrorizarnos".


Luis Felipe Fabre, La sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010)

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domingo, 25 de dezembro de 2011

Postagem natalina, com poemas, canções e súplica por meio de sinédoques

Michelangelo da Caravaggio, La cena in Emmaus, 1601-02. Dimensões: 195 x 139 cm).
Atualmente na Galeria Nacional de Londres.

Crescendo num ambiente dos mais religiosos, quisera eu poder dizer que acompanho a poética do meu mestre Murilo Mendes, ou a de seus companheiros Jorge de Lima e Henriqueta Lisboa. Minha relação com esta religiosidade é, no entanto, muito mais conflituosa e atormentada, aparentando-se e encontrando maior guarida no trabalho de Pier Paolo Pasolini e Hilda Hilst. Mas esta manhã acordei pensando num dos poemas de Murilo Mendes que mais amo, chamado "Emaús", incluído no livro Mundo Enigma (1942), escrito durante os meses em que o poeta mineiro passou no Sanatório de Correia, em Minas Gerais, tratando-se da tuberculose. É um dos meus livros favoritos na obra de M.M., contendo outros poemas belíssimos como "Tobias e o anjo", "A noite em 1942" e "Poema barroco". O título faz referência à cidade de Emaús, a cerca de 10 quilômetros de Jerusalém, onde o Evangelho de Lucas (24, 13-35) afirma ter aparecido Jesus após a ressurreição diante de dois de seus discípulos, que não o reconheceram até o momento em que, tendo-o convidado a cear consigo, Jesus parte o pão à sua maneira inconfundível e desaparece quando os olhos dos discípulos abrem-se e eles o reconhecem. O evento tem grande importância para o pensamento místico de Murilo Mendes, que intitularia seu belo livro de aforismos O Discípulo de Emaús (1944).Parece-me ser em Mundo Enigma que se inaugura a secura-pobreza na poética de Murilo Mendes, durante a Segunda Guerra e quase uma década após sua conversão ao cristianismo, como se costuma relatar, na experiência traumática que lhe foi a morte de seu amigo Ismael Nery em 1934. O coroamento desta secura, distinta em sua est-É-tica daquela que se tornou famosa na obra de João Cabral de Melo Neto, viria no poema "Janela do caos", escrito também naqueles anos. Abaixo, o belo "Emaús":

Emaús

Sempre és o hóspede – nunca és o rei.
Muito mais derrotado que vitorioso.
Quando chegas e bates ao meu coração
Eu não te reconheço – há luz demais –
Debruço-me sobre as gravuras do caminho.
Quando te afastas - acompanhado pelo peixe azul –
Quando as formas se movem como num aquário,
Então eu levanto enternecido a lanterna
E logo começo a desejar que voltes,
Fascinado pela tua obscuridade.


Murilo Mendes, Mundo Enigma (1942)


Trata-se de um dos mais delicados poemas de amor místico da Poesia Brasileira. É esta humilitas, esta meekness ovina reconhecida por Murilo Mendes no Cristo que parece estar na base de sua busca est-É-tica, nestes anos, por uma simplicidade maior se comparada à exuberância mesmo sálmica de seus primeiros livros, distante também do satírico e paródico que marcara sua primeira produção. Há no entanto mesmo em Murilo Mendes um grande conflito, talvez o mesmo que tenha acometido todos os intelectuais, cristãos e judeus, que viveram o horror da Segunda Guerra. Basta pensarmos em poetas e intelectuais tão diversos quanto a Simone Weil dos Cahiers e ainda L'Enracinement, Prélude à une déclaration des devoirs envers l'être humain (1943, publicado em 1949), a H.D. de The Walls Do Not Fall (1944), o Paul Éluard de Les sept poèmes d'amour en guerre (1944), o Salvatore Quasimodo de Con il piede straniero sopra il cuore (1946) ou o próprio Murilo Mendes de Poesia Liberdade (1947). Em um texto menos conhecido, intitulado justamente "Natal 1961", Murilo Mendes apresenta-nos uma visão distópica da sociedade de consumo que já se formava, algo tão desmascarável em tempos de Natal como celebração do comércio.


Natal 1961
Murilo Mendes


Deslocados por uma operação burocrática — o recenseamento da te­rra - a Virgem
..............e o carpinteiro José aportam a Belém.
«Não há lugar para esta gente», grita o dono do hotel onde se reali­za um congresso
..............de solidariedade.
O casal dirige-se a uma estrebaria, recebido por um boi branco e um burro cansado
..............do trabalho.
Os soldados de Herodes distribuem alimentos radioativos a todos os meninos de menos
..............de dois anos.
Uma poderosa nuvem em forma de cogumelo abre o horizonte e súbito explode.
O Menino nasce morto.



Minha relação com esta religiosidade cristã, se não aparece de maneira temática em meu trabalho, tem sido uma constante crítico-formal, por exemplo, em minha obsessão pela relação entre metáfora e metonímia, e especialmente em meu uso da sinédoque (a parte pelo todo), como refúgio possível da poesia mística em famosos tempos dessacralizados. Há pouco tempo, assisti em vídeo a uma interessantíssima palestra de Caroline Bynum, intitulada "Contradiction, Paradox, Synecdoche: Parts and Whole in Medieval Devotion", proferida no ICI Berlin: Institute of Cultural Inquiry, em que discutia, de maneira elaborada e muito mais embasada que a minha, uma questão que vem ocupando meu pensamento desde os tempos em que escrevia o livro Carta aos anfíbios (2005), no qual esta obsessão se faz presentíssima. A palestra da impressionante Caroline Bynum é descrita desta maneira:

"All religions make some use of the material to represent or lead to something beyond. But not all religions emphasize materiality to the extent that Christianity does, impelled by the doctrines of creation ex nihilo and of the Incarnation. Hence a paradox: if the Christian God is understood to redeem, not merely to transcend, the material, then corruptible, partible matter must be capable of incorruption and eternal wholeness. In her lecture, Caroline Bynum will explore one consequence of this paradox: Christianity’s insistence on material fragmentation as a way of distributing the holy, while embedding this in the idea of synecdoche. Describing first the cult of holy matter and the way in which the anxieties about decay attendant upon it are reflected in theology and reliquaries, she will then look at five wound piety (which has often been understood as erotic or proto-feminist) as an example of the devotional sense of pars pro toto."

Você pode assistir à palestra de Bynum na página abaixo:



Caroline Bynum é professora no Instituto para Estudos Avançados da Universidade de Princeton, e ainda professora emérita na Universidade de Columbia em Nova Iorque. Sua pesquisa crítica move-se nos campos da teologia, religião e cultura da Idade Média. Seu livro Holy Feast and Holy Fast: The Religious Significance of Food to Medieval Women (1987) teve papel importante em trazer a discussão de GÊNERO para os estudos medievais, assim como seus livros Fragmentation and Redemption: Essays on Gender and the Human Body in Medieval Religion (1991) e The Resurrection of the Body in Western Christianity (1995) são paradigmáticos para a pesquisa sobre o História da Corporalidade.

Como disse, minha relação atormentada com a religiosidade ocidental acaba por encontrar guarida na leitura politizada que o mestre Pier Paolo Pasolini dela faz, seja em filmes como Il vangelo secondo Matteo (1964) ou nos poemas do livro L'Usignolo della Chiesa Cattolica (1954). Pasolini tem importância central para mim ainda e especialmente pela maneira como enfrentou o conflito entre religiosidade e sexualidade, como manifestações tanto políticas como místicas.


Cristo alla pace
del Tuo supplizio
nuda rugiada
era il Tuo sangue.
Sereno poeta,
fratello ferito,
Tu ci vedevi
coi nostri corpi
splendidi in nidi
di eternità!
Poi siamo morti.
E a che ci avrebbero
brillato i pugni
e i neri chiodi,
se il Tuo perdono
non ci guardava
da un giorno eterno
di compassione?


Pier Paolo Pasolini, L'Usignolo della Chiesa Cattolica (1954).

Recentemente, descobri o trabalho do holandês Gerard Reve, como escrevi aqui, que se mostra um parente espiritual incrivelmente próximo de Pier Paolo Pasolini e Hilda Hilst.

Canção da bebida

Agora é a hora de deixar de beber.
Parar de uma vez, é preciso.
Foi com certeza o bastante.
Consola-me então, ó Espírito,
nesta noite de 20 para 21 de julho de 1965,
em desespero profundo, e cercado de trevas.

(tradução de Ricardo Domeneck)

:


Drinklied
Gerard Reve


Nu moet ik van de drank af.
Het moet maar eens uit zjin.
Het is wel genoeg geweest.
Troost mij toch, o Geest,
in de nacht van 20 op 21 juli 1965,
in diepe ontzetting, en omringd door Duisternis.



Contra a "Proposição da Aposta" de Blaise Pascal, minha religiosidade sempre direcionou-se muitíssimo mais à "Proposição do Salto no Escuro" de Søren Kierkegaard e ao cristianismo atormentado de Miguel de Unamuno, como descrito no belíssimo e perturbador Del Sentimiento Trágico de la Vida (1933), tal qual se vê já em sua página de abertura, aqui em tradução de Eduardo Brandão (vê-se que Unamuno escrevia antes da intervenção de mulheres como Caroline Bynum, mas saltemos por ora sobre a invisibilidade do gênero para Unamuno e percebamos que estamos todos contidos neste "homem de carne e osso" que ele celebra):

"Homo sum; nihil humani a me alienum puto, disse o cômico latino. Eu diria melhor: Nullum hominem a me alienum puto. Sou homem; a nenhum outro homem considero estranho. Porque o adjetivo humanus me é tão suspeito quanto o substantivo abstrato humanitas, humanidade. Nem o humano, nem a humanidade, nem o adjetivo simples, nem o adjetivo substantivado, mas sim o substantivo concreto: o homem. O homem de carne e osso, aquele que nasce, sofre e morre – sobretudo morre –, que come, bebe, joga, dorme, pensa e ama, o homem que se vê e a quem se ouve, o irmão, o verdadeiro irmão." --- Miguel de Unamuno, Do Sentimento Trágico da Vida, tradução de Eduardo Brandão (São Paulo: Martins Fontes, 1996).


Este tormento encontro em outros mestres pessoais, como a austríaca Christine Lavant, de quem traduzi um único poema, mas gostaria em breve de poder oferecer mais.

Eu quero partir com os loucos o pão,
migalhas diárias do desespero grande,
também o sino em meio ao peito,
ali onde o pombo aninha-se
e tem seu refúgio minúsculo
no ermo sobre as águas.
Residi por anos como pedra
no chão das coisas.
Eu ouvi, porém, o sino
sussurrar teu segredo
nos peixes com asas.
Hei-de aprender a voar e nadar,
deixar o pedregoso sob as pedras,
aconchegar em madrepérola
a melancolia, elevar aflição, ira.
Minhas asas são mais velhas
que tua paciência, minhas asas
vão à frente da coragem
que tomou sobre os ombros o louco.
Eu quero partir com os loucos o pão,
ali no ermo assustador do pombo,
onde o sino triparte o maior desespero
ao som tríplice do teu nome.

(tradução de Ricardo Domeneck)

:



Ich will das Brot mit den Irren teilen, / täglich ein Stück von dem grossen Entsetzen, / auch die Glocke im Herzen, / dort, wo die Taube nistet / und ihre winzige Zuflucht hat / in der Wildnis über den Wassern. / Lange habe ich als Stein gehaust / am Grunde der Dinge. / Aber ich habe die Glocke gehört / leise von deinem Geheimnis reden / in den fliegenden Fischen. / Ich werde fliegen und schwimmen lernen / und das Steinerne unter den Steinen lassen, / die Schwermut betten in Perlmutter, / doch den Zorn und das Elend erheben. / Meine Flügel sind älter als deine Geduld, meine Flügel flogen dem Mut voraus, / der das Irren auf sich nahm. / Ich will das Brot mit den Irren teilen / dort in der furchtbaren Wildnis der Taube, / wo die Glocke das grosse Entsetzen drittelt / zum dreifachen Laut deines Namens. - Christine Lavant, Gedichte (Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1998).


A quem busca potência poético-mística, poucas obras comparam-se à poesia de Gerard Manley Hopkins e à crítica de Walter Benjamin.


Quatro poemas iniciais de "The Wreck of the Deutschland", publicado pela primeira vez em 1918, escrito em 1875:

1

THOU mastering me
God! giver of breath and bread;
World’s strand, sway of the sea;
Lord of living and dead;
Thou hast bound bones and veins in me, fastened me flesh,
And after it almost unmade, what with dread,
Thy doing: and dost thou touch me afresh?
Over again I feel thy finger and find thee.


2

I did say yes
O at lightning and lashed rod;
Thou heardst me truer than tongue confess
Thy terror, O Christ, O God;
Thou knowest the walls, altar and hour and night:
The swoon of a heart that the sweep and the hurl of thee trod
Hard down with a horror of height:
And the midriff astrain with leaning of, laced with fire of stress.


3

The frown of his face
Before me, the hurtle of hell
Behind, where, where was a, where was a place?
I whirled out wings that spell
And fled with a fling of the heart to the heart of the Host.
My heart, but you were dovewinged, I can tell,
Carrier-witted, I am bold to boast,
To flash from the flame to the flame then, tower from the grace to the grace.


4

I am soft sift
In an hourglass—at the wall
Fast, but mined with a motion, a drift,
And it crowds and it combs to the fall;
I steady as a water in a well, to a poise, to a pane,
But roped with, always, all the way down from the tall
Fells or flanks of the voel, a vein
Of the gospel proffer, a pressure, a principle, Christ’s gift.


Gerard Manley Hopkins, "The Wreck of the Deutschland" (1875, publicado 1918)

§


"Em toda era a luta tem que renovar-se para arrancar a tradição de um conformismo que tenta sobrepujá-la. O Messias vem não apenas como o Redentor, mas também como o Vencedor sobre o Anticristo. O dom de atiçar através do passado a chama da esperança pertence apenas ao historiógrafo perfeitamente convencido que diante do inimigo, e no caso deste vencer, nem sequer os mortos estarão em segurança. E este inimigo não tem cessado de vencer»." Walter Benjamin, Teses sobre a Filosofia da História, 1940.



Antes de encerrar com aquele que me parece o mais atormentado poema místico da poesia brasileira, "Mula de Deus", de Hilda Hilst, preparo vocês para o soco da poeta de Jaú com duas canções tão belas, a "Hallelujah" de Leonard Cohen na voz de Jeff Buckley, e "Oh Holy Night" de Josh T. Pearson, do álbum Last Of The Country Gentlemen (2011). Pearson é o ex-vocalista da banda Lift To Experience, que no primeiro ano deste século lançou seu único álbum, o fortemente místico-atormentado Texas-Jerusalem Crossroads (2001).



FELIZ NATAL A TODOS (E SALVE-SE QUEM PUDER).



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§


Mula de Deus

I

Para fazer sorrir O MAIS FORMOSO
Alta, dourada, me pensei.
Não esta pardacim, o pelo fosco
Pois há de rir-se de mim O PRECIOSO.

Para fazer sorrir O MAIS FORMOSO
Lavei com a língua os cascos
E as feridas. Sanguinolenta e viva
Esta do dorso
A cada dia se abre carmesim.

Se me vires, SENHOR, perdoa ainda.
É raro, em sendo mula, ter a chaga
E ao mesmo tempo
Aparência de limpa partitura
E perfume e frescor de terra arada.

II

Há nojosos olhares sobre mim.
Um rei que passa
E cidadãos do reino, príncipes do efêmero.
Agora é só de dor o flanco trêmulo.
Há nojosos olhares. Rústicos senhores.

Açoites, fardos, vozes, alvoroço.
E há em mim um sentir deleitoso
Um tempo onde fui ave, um outro
Onde fui tenra e haste.

Há alguém que foi luz e escureceu.
E dementado foi humano e cálido.
Há alguém que foi pai. E era meu.

III

Escrituras de pena (diria mais, de pelos)
De infinita tristura, encerrada em si mesma
Quem há de ouvir umas canções de mula?

Até das pedras lhes ouço a desventura.
Até dos porcos lhes ouço o cantochão.
E por que não de ti, poeta-mula?

E ornejos de outras mulas se juntaram aos meus.
Escoiceando os ares, espumando de gozo
Assustando mercado e mercadores

Alegrou-se de mim o coração.

IV

Um dia fui o asno de Apuléius.
Depois fui Lucius, Lucas, fui Roxana.
Fui mãe e meretriz e na Betânia
Toquei o intocado e vi Jeshua.
(Ele tocou-me o ombro aquele Jeshua pálido).

Um tempo fui ninguém: sussurro, hálito.
Alguém passou, diziam? Ninguém, ninguém.

Agora sou escombros de um alguém.
Só caminhada e estio. Carrego fardos

Aves, patos, esses que vão morrer.
Iguais a mim também.

V

Ditoso amor de mula, Te ouvi murmurando
Ó Amoroso! Ditoso amor de mim!
Poder amar a Ti com este corpo nojoso
Este de mim, pulsante de outras vidas
Mas tão triste e batido, tão crespo
De espessura e de feridas.

Ditoso amor de mim! Tão pressuroso
De amar! (E de deitar-se ao pé
De tuas alturas). Corpo acanhado de mula

Este de mim, mas tão festivo e doce
Neste Agora
Porque banhado de ti, ó FORMOSURA.

VI

Tu que me vês
Guarda de mim o olhar.
Guarda-me o flanco.
Há de custar tão pouco
Guardar o nada
E seus resíduos ocos.

Orelhas, ventas
O passo apressado sob o jugo
Casco, subidas
Isso é tudo de mim
Mas é tão pouco...

Tu que me vês
Guarda de mim, apenas
Minha demasiada coitadez.

VII

Que eu morra junto ao rio.
O caudaloso frescor das águas claras
Sobre o pelo e as chagas.

Que eu morra olhando os céus:
Mula que sou, esse impossível
Posso pedir a Deus. E entendendo nada
Como os homens da Terra
Como as mulas de Deus.

VIII

Palha
Trapos
Uma só vez o musgo das fontes
O indizível casqueando o nada

Essa sou eu.

Poeta e mula

(Aunque pueda parecer
Que del poeta es locura).


(Hilda Hilst, Estar sendo. Ter sido. São Paulo: Nankin, 1997)



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sábado, 24 de dezembro de 2011

Poeminha circunstancial por ocasião natalina, com canção de fundo

ou como diria meu amigo, o poeta mexicano Luis Felipe Fabre,
"poemito con giro metafísico y un poco de chantaje emocional".


O poeta retorna ao lar materno para o Natal


O som ainda é de pressão na cozinha,
uma válvula rotatória soltando vapor
e o cheiro de feijão e alho, a xícara
de café com mais açúcar que o pó
do café moído, moído chego eu à cidade
natal e escondo-me no quarto de hóspedes
para fumar, refugiado ali dos hormônios
de atalaia ensandecidos da maternidade
que jamais compreenderiam o direito
inalienável do auto-entorpecimento,
"Que ano, meu Deus!", disseram as moscas
e começaram a nadar no café; mas com sol
incidindo no corpo dos nadadores dípteros
lembrei-me da ressurreição de Janeiro
e escolhi esquecer por ora o apocalipse.



§




§

Estrada do Sol
Tom Jobim

É de manhã
Vem o sol
Mas os pingos da chuva
Que ontem caiu
Ainda estão a brilhar
Ainda estão da dançar
Ao vento alegre
Que me traz esta canção

Quero que você
Me dê a mão
Vamos sair por aí
Sem pensar
No que foi que sonhei
Que chorei, que sofri
Pois a nova manhã
Já me fez esquecer
Me dê a mão
Vamos sair pra ver o sol

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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Para celebrar minha passagem por São Paulo: "Mula": Tetine + Ricardo Domeneck ::: livre para baixar pelo selo Slum Dunk Music + texto/traduções/vídeo

Tetine


O duo Tetine está inextricavelmente ligado a minha memória afetiva de São Paulo, mesmo que morem já há uma década em Londres, onde produziram seus últimos discos, lançaram álbuns pelo prestigioso selo Soul Jazz, organizaram compilações da música paulistana da década de 80, expuseram na Whitechapel e colaboraram com Ladytron, Robin Rimbaud e outros. Estão, de certa maneira, também inextricavelmente ligados a minha memória afetiva de Londres. Mas lembro-me de caminhar pela Rua dos Pinheiros escutando os álbuns Alexander´s Grave (1996) e Música de amor (1998), de trombar com eles em inferninhos paulistanos. Ter-me tornado amigo de Bruno Verner e Eliete Mejorado, colaborado com eles e ainda lançado em vinil na Alemanha seu L.I.C.K. My Favela (2007), estão entre as coisas que me alegram nesta existência.

Em São Paulo por estes dias, celebro estar na Pauliceia Desvairada com minha colaboração com o duo Tetine (São Paulo/Londres)

::::: "Mula" (2007) ::::::



música de Bruno Verner e Eliete Mejorado, texto meu. Livre para ser baixado a partir da página do selo Slum Dunk Music no Soundcloud (basta clicar em MULA - Tetine + Ricardo Domeneck).

Encerro com o texto no original, as traduções para o castelhano do poeta argentino Cristian De Nápoli (Buenos Aires, Argentina, 1971) e para o alemão, da poeta Sabine Scho (Ochtrup, Alemanha, 1970); e, por fim, o vídeo de Eugen Braeunig para a faixa e uma entrevista que conduzi com o Tetine em Londres em 2006.


Mula
Ricardo Domeneck


..............Minha
senhora: os unicórnios
que caem com a raiz
não
voltam mais; ainda
que van-goghs até
que engasgues,
.......sigo mula
a indiciar o caso
excepcional
do sem espécie,
self-archived tool, exílio
............dos catálogos
a especificar o espaço
para a porcentagem da escolha
do puro, alheia que se agita
antes de abrir, dose cavalar
de juramento e
egüidade. Poupa-me,
Popeye: longe de mim
impor-me híbrida
à tua hípica -
brutalmente homogênea,
especialista em fronteiras,
.......eject de habitat,
eis-me, excelentíssimo,
a de cascos
.......não-retornáveis,
nula nulla
tal qual high bred hybrid
relinchando o já morto:
muslos de mulícia,
esterilizável, aureolar,
............multívaga
....... ambiqüestre
....de mulas prontas,
perdoai vossa serva
preguiçodáctila aos berros
perturbando vosso áureo
piquenique do sublime,
.......illicit mule
espirrando em vosso épico.
............Não
há Blade
Runner que resista
mesmo euzim
..............fake mullah,
insciente dos teus métodos,
ó sussurrável, hoof muffler
da palha de meu estofo.
Prometo-me estóica
.........e subcutânea,
bem fazes em esporear-me
o couro catecúmeno à chuva
do teu cuspe, inestimável
senhor de eco intumescido:
.......até que a mula
.......aqui fale
como manda
o figurino,
e encontre a exit
de quem às caras
me dera lamber o mundo
com a própria língua: mulo
fundindo
.......com a função da forma
os extremos do exorcício e
a fanfarra do sem categoria.


Ricardo Domeneck
Berlim – agosto mês de desgosto, 2007

:

Mula

..............Minha
senhora: los unicornios
que caen de raíz
no
vuelven más; aunque
guadañes cual vangogh
hasta que te atragantes,
.......sigo mula
testimoniando el caso
excepcional
de lo sin clase,
self-achived tool, exilio
............de los catálogos
delimitando el espacio,
el porcentual de la elección
de lo puro, ajena que se agita
antes de abrirse, en dosis de caballo
los juramentos y la
yegualdad. Para un poco,
Popeye: lejos de mí
plantarme híbrida
sobre tu hípica –
brutalmente homogénea,
especialista en fronteras,
.......eject de habitat,
heme aquí, excelentísimo,
la de cascos
.......no retornables,
nula nulla
tal cual high bred hybrid
relinchando lo ya muerto:
muslos de mulicia,
esterilizable, aureolar,
............multívaga
........ambicuestre
....mula tan lista para el viaje,
perdonad a vuestra sierva
perezodáctila en berridos
perturbando vuestro áureo
picnic de lo sublime,
........illicit mule
estornudando en vuestra épica.
............No
hay Blade
Runner que resista
ni que fuera
..........fake mullah,
ignorante de tus métodos,
lo susurrable, hoof muffler
de la paja en mi colchón.
Prométome estoica
......y subcutánea,
bien haces al espolearme
el cuero catecúmeno a la lluvia
de tu saliva, inestimable
señor de eco inflamado
......y que la mula
............comience a hablar
como dios
manda
y alcance la exit
del que asomara
cabeza dando a lamer
mundo con su propia lengua: mulo
que funde con la función
....de la forma
los extremos del exorcicio y
la fanfarria de lo sin categoría.

(traducción de Cristian De Nápoli)


:


Muli


...........Meine
Dame: Einhörner
die wie Haarwurzeln
ausfallen, wachsen
nicht wieder; selbst
wenn du vangoghst bis
du erstickst,
.......bleibe ich Muli,
um den besonderen Fall
des unspeziellen
anzuzeigen,
self-archived tool, exiliert
............von Katalogen,
die Sphäre zu spezifizieren
für den Prozentsatz der reinen
Auslese, das vor dem Öffnen
geschüttelte Andere, Pferdedosis
an Eseleid und
Stutenähnlichkeit. Piss off,
Popeye: verschone
mich Hybrid
in dein Gestüt zu zwingen –
unbehauen homogen,
Grenzgangspezialist,
...........eject aus dem Habitat,
so bin ich, Euer Ehren,
von den Hufen an
...........vom Umtausch ausgeschlossen,
eine amulierte null
wie ein high bred hybrid
wiehernd den Toten gelyncht:
Muskli der Muliz,
sterilisierbar, auratisch,
............umherirrend
..........doppelpferdig,
.......stutbereit,
verzeiht Eurem Kuli
sein unpaarhuffaules Geblöke,
das Euer goldenes
Picknick des Sublimen stört,
.......illicit mule
spuckt Euch in die Epik.
...........Kein
Blade
Runner kann widerstehen,
auch meine Wenigkeit nicht,
.......fake mullah,
deiner Methoden nicht fähig,
großer Anmurmelbarer, hoof muffler
aus Stroh meines Polsters.
Ich schwöre, stoisch
..........und subkutan zu sein,
du tust gut daran, meinem Fell
.....die Sporen zu geben
unter dem katechumenen Regen
deiner Spucke, unermesslicher
Herr des angeschwollenen Echos:
.......bis dieses Muli
.......hier spricht
wie es der gute Ton verlangt,
und den Exit derer findet,
die vor aller Augen
die Welt ablecken
mit dem eigenen Zungenschlag: Maulesel
verschweißt
...........mit der Funktion der Form
die Extreme der Exorzitien und
die Parade des Kategorielosen.

August im Verdruss, 2007

(Übersetzung von Sabine Scho)


§

Abaixo, você pode ver o vídeo de Eugen Braeunig para esta faixa:



§

Conduzi esta entrevista com o Tetine em Londres, em 2006, postada mais tarde na revista eletrônica FLASHER, que eu editava naquela época.



§

Você pode saber mais sobre o Tetine AAQQUUII.

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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Ay, México.



Estou em São Paulo, depois de uma semana maravilhosa na Cidade do México ao lado de alguns de seus melhores poetas, e agora posso dizer com alegria e orgulho que são meus amigos. Nenhum texto de blogue poderia fazer justiça à generosidade e respeito com que me trataram, e as horas de intercâmbio poético, de noites regadas a tequila e mescal em que líamos, em bares ou apartamentos, poemas uns para os outros, os nossos e os de nossos mestres mortos. Voltei do México com muitos livros na mala, volumes da poesia completa ou quase completa de mestres como Xavier Villaurrutia, Salvador Novo, Gilberto Owen, Sóror Juana Inés de la Cruz, assim como livros de poetas contemporâneos como Juan Carlos Bautista e David Huerta.

A leitura na sexta-feira na Casa Refugio Citlaltépetl, com Luis Felipe Fabre, Julián Herbert, Minerva Reynosa, Ezequiel Zaidenwerg e eu, foi uma das melhores leituras da minha vida. Eu estava radiante por estar ali com 4 poetas que respeito tanto. Eu li meus poemas "Vida longa à poesia pura", "O acordeonista da Catedral de Bruxelas", "X + Y: uma ode", "Texto em que o poeta surpreende-se com a morte de Maria Schneider que parece formar uma sinédoque da qual não discerne a fronteira entre parte e todo" e "Entre o fogo e a derme". Meus companheiros leram as traduções para o castelhano, feitas por Cristian De Nápoli, Aníbal Cristobo e Paula Abramo.

Dois livros de poetas da minha geração deixaram-me com a visão clara de um momento privilegiado na poesia mexicana contemporânea: La sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010), de Luis Felipe Fabre (Cidade do México, 1974); e El baile de las condiciones (Ciudad de México: Práctica Mortal, 2011), de Óscar de Pablo (Cidade do México, 1979). Livros de poetas que sabem que dia é hoje, de técnica precisa, cantores sobjetivos. Traduzirei poemas dos livros nas próximas semanas. Se unimos a eles ainda La lírica está muerta (Bahía Blanca: Vox Senda, 2011), de Ezequiel Zaidenwerg (Buenos Aires, 1981), temos três belos livros da poesia hispano-americana publicados no último ano.

Gravei muitos vídeos de leituras para divulgar o trabalho destes poetas no Brasil e além. Fora os três já citados, poemas que me alegraram e impressionaram na voz de seus autores, como os de Daniel Saldaña París; de Alejandro Albarrán; da americana Robin Myers, residente no México; de Paula Abramo. E mais. E outros. Percebi como sinto falta de ter por perto poetas com quem possa realmente conviver. Na Alemanha, meus amigos mais próximos são quase todos artistas visuais ou músicos. Não têm textos como parte integrante do oxigênio. Houve momentos em que tinha certeza ser aquela a alegria dos Beats ou dadaístas quando estavam juntos.

É muita coisa, tanta experiência que não poderei digerir assim tão rapidamente. Destes poetas, poderia dizer o que escreveu Drummond:

"Estes poetas são meus.
(…)
São todos meus irmãos, não são jornais
nem deslizar de lancha entre camélias:
é toda a minha vida que joguei."


Deixo vocês com o vídeo que fiz de Alejandro Albarrán (Cidade do México, 1985), lendo seu poema "Acumulación". Muitos outros vídeos virão, estou editando vários neste momento. Abraço grande a meus novos amigos e companheiros mexicanos.



Alejandro Albarrán vocaliza seu poema "Acumulación", Cidade do México, dezembro de 2011.
Gravado por Ricardo Domeneck para a revista Modo de Usar & Co.


Texto:

A C U M U L A C I Ó N
Alejandro Albarrán

*

Acumulación, me estoy hinchando. Encontrando
el mimetismo en los ahogados. En mi cuerpo
tumefacto. Soy tu contenedor, soy tu putita. Me
estoy llenando. Me estoy saciando, colmándome
de mí, me estoy tocando en las aristas con aristas,
en mis esquinas me estoy tocando con esquinas.
Gerundio, soy hinchazón, soy yo exagerado,
exacerbado. Necesito una salida. Un punto de
fuga o me desbordo, desbordado, soy,
acumulación. Soy garrafa. Un accidente paulatino.
Un desatino o tina que se llena hasta sus bordes.
Una salida o me reviento. Una calle, un
escampado, para salirme de mí, desbordado sí, en
el paisaje. Acumulación, me estoy hundiendo,
como un Nautilus, me vengo abajo.

*

Esto es: necesito no ser yo. Confundirme. Ser tú,
por ejemplo. Ser tu sueño húmedo. Tu pesadilla.
Tu amor especial. Tu hombre de acción. Tu
postergación, tu crucifixión: tu crucifijo. La
mancha de sangre en tu toalla sanitaria. Tu santa
virgen, tu Eclesiastés, tu miedo al cambio, tu
cambio, en monedas de baja denominación, soy tu
elección, tu trueque. Tu lucha contra ti, soy tú
porque te ves en mí. En mi imagen. Tenme miedo
soy el diablo, tu Cristo de terciopelo, soy, soy tu
miedo, tu miedo a ti.


*

Soy la emperatriz de los escarabajos, en tu pubis
soy el anca de un caballo, en tu cabello soy dolor
de estómago, soy tu síntoma de mal, soy el mal, el
pervertido de voces, a veces, de muchas voces que
me anulan, soy eso: la anulación, mi anulación, la
vindicación de mí en nada.

*

Vuélvete confeti o fruta furibunda, vuélvete que
me estoy quitando el sexo. Por ti. Lo estoy
dejando en el buró como una estaca, un crucifijo.
Date vuelta: una lámpara que brilla (y ahora
brilla), una aliteración en nuestro entorno. Una
aliteración: canción que nadie canta porque
espanta.

*

Mi caballo sin ojos me dijo: "canta en mis
entrañas", "enséñame el paisaje". Aprendizaje. Mi
caballo me dijo: "ven a correr conmigo en mis
entrañas", me lo dijo esta mañana, desde mi
estómago, me lo dijo desde el vértigo, desde mi
trote caldo, en mi vientre me lo dijo, en mi
emoción, mi caballo sin ojos, mi potro hambriento
de camino. Soy camino, trayecto inconcluso es mi
oración. Ahora le canto, lo llevo al monte, a que
relinche.





quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Minha palestra de três dias sobre a poesia brasileira no Centro Cultural Brasil-México: lista dos poetas e poemas que li e comentei

Lendo o "Inferno de Wall Street" no Centro Cultural Brasil-México

Entre os dias 13 e 15 de dezembro, conduzi três falas sobre a poesia brasileira no Centro Cultural Brasil-México a convite da diretora do Centro, a poeta e tradutora Paula Abramo, e da Embaixada do Brasil. A ideia era falar sobre poesia contemporânea, mas em conversa com Paula, ao perceber como poetas importantes brasileiros do porte de Sousândrade e Augusto dos Anjos são desconhecidos no México, decidi que seria interessante começar pela própria Modernidade Poética Brasileira, aquela que começa com a geração genial de escritores das duas últimas décadas do século XIX, a que deu ao mundo Machado de Assis, Joaquim de Sousândrade, Raul Pompeia, Cruz e Sousa, alcançando, já no século XX (mas seus contemporâneos), Euclides da Cunha, Lima Barreto, Pedro Kilkerry, Augusto dos Anjos. São escritores que foram contemporâneos, criando nossa Modernidade poética juntos, ainda que a historiografia literária brasileira insista, em sua preguiça demente, em separá-los por escolinhas literariazinhas, fazendo daqueles textos geniais ilustraçõezinhas de estilinhos europeus. Discuti a relação entre esta Modernidade e o Modernismo do Grupo de 22, mas não tenho espaço para elaborar a ideia aqui, por ora.

É provavelmente um erro postar esta lista aqui, pois conheço bem a fobia dos brasileiros por listas deste tipo. Não haverá apenas um, provavelmente, daqueles que não estão realmente interessados em crítica e poesia, mas tão-só no tal de Cânone, que se ofenderá. Mas eu não tenho tempo a perder com a neurose alheia, basta-me a minha, e como sei que há muito mais leitores interessados e inteligentes neste espaço que os usuais anônimos iracundos, posto aqui a lista, na esperança sincera de uma conversa adulta com quem quer que a deseje, se a desejar.

NÃO É PROPOSTA DE CÂNONE. Não estou sugerindo qualquer evolução, qualquer teia de heranças. A organização cronológica é mera conveniência aqui. Nas palestras, com exceção do primeiro dia em que fui de Sousândrade a João Cabral, saltei entre décadas e poéticas. Entre os contemporâneos, os vivos, estes são alguns dos poetas que me interessam. Quisera apresentar ainda mais poetas, mas o espaço era reduzido, e só pudemos, em muitos casos, ler um único poema.

NOTA IMPORTANTE: ainda que Paula Abramo tenha traduzido vários poemas especialmente para estas palestras, a seleção dos textos de cada poeta teve que se restringir na maioria dos casos a traduções disponíveis. Houve poemas que eu gostaria muito de ter apresentado e comentado, como "A Última Elegia", de Vinícius e Moraes - talvez seu melhor poema, ou "Cismas do destino", aquela coisa incrível de Augusto dos Anjos. Não foi, infelizmente, possível traduzir os textos, tão complexos, a tempo. O trabalho seguirá. Paula Abramo e eu pretendemos iniciar uma página com estes textos, que traga traduções inéditas e apresentações críticas de cada poeta, uma espécie de ponte entre Brasil e México. O primeiro nome que dei à palestra foi "Poesia Brasileira entre a Segunda e a Terceira Guerras Mundiais", pois pretendia falar sobre o pós-guerra e discutir um pouco minhas ideias sobre a historicidade poética, sobre a ideia de um poema pré-distópico, questionando os equívocos atuais de certas poéticas que se querem "trans-históricas". Como tudo começou por fim com Sousândrade, devo chamar a "antologia" agora:

(Última nota: seria uma demonstração de generosidade se escolhessem alegrar-se com as inclusões antes de se irarem demasiado pelas exclusões. Há alguns poetas que respeito que ficaram de fora. Entrarão, porém, na página eletrônica que Paula Abramo e eu prepararemos.)


POESIA BRASILEIRA
ENTRE A GUERRA DO PARAGUAI
E A TERCEIRA GUERRA MUNDIAL



Sousândrade

"O inferno de Wall Street"

§

Cruz e Sousa

"Litania dos pobres"

§

Augusto dos Anjos

"Monólogo de uma sombra"
"Soneto a meu filho morto"

§

Manuel Bandeira

"Poética"
"O cacto"
"Vou-me embora pra Pasárgada"

§

Oswald de Andrade

"Cântico dos cânticos para flauta e violão"
"Manifesto Antropofágico"

§

Carlos Drummond de Andrade

"Poema de sete faces"
"Elegia 1938"
"A Máquina do Mundo"

§

Murilo Mendes

"Janela do caos"

§

Henriqueta Lisboa

"O ser absurdo"
"O mito"

§

Vinícius de Moraes

"Soneto da separação"
"Poética"
"A brusca poesia da mulher amada"

§

Cecília Meireles

"Mar absoluto"
"Reinvenção"

§

Jorge de Lima

"A ave"
"Invenção de Orfeu" (excerto)

§

João Cabral de Melo Neto

"Psicologia da composição"
"Uma faca só lâmina"

§

Haroldo de Campos

"Galáxias - e começo aqui" (na voz do próprio autor)
"Galáxias - circuladô de fulô" (na composição musical de Caetano Veloso)
"o â mago do ô mega"
"nascemorre"

§

Décio Pignatari

"hembra hambre hombre"
"beba coca cola" (com composição sonora de Gilberto Mendes e em vídeo)

§

Augusto de Campos

"pulsar" (com a composição sonora de Caetano Veloso)
"cidade city cité" (na voz do próprio Augusto de Campos)

§

Paulo Leminski

"um dia a gente ia ser homero"
"eu queria tanto"
"Desencontrários"

§

Leonardo Fróes

"Metafísica e biscoito"

§

Sebastião Uchoa Leite

"Biografia de uma ideia"

§

Roberto Piva

"A piedade"
"Praça da república dos meus sonhos"
"Piazza 10"

§

Orides Fontela

"Múmia"
"Clima"

§

Wally Salomão

"Retrato de um senhor"

§

Ana Cristina Cesar

"Arpejos"
"21 de fevereiro"
"Nada, esta espuma"

§

Zuca Sardan

"Tropicália"

§

Francisco Alvim

"Muito obrigado"
"Descartável"
"Argumento"

§

Paulo Henriques Britto

"Dez Sonetóides mancos III"

§

Lu Menezes

"Molduras"

§

Josely Vianna Baptista

"vivos em meu corpo (sílex in"

§

Carlito Azevedo

"Vaca negra sobre fundo rosa"

§

Jussara Salazar

"Splendor Fulgores"

§

Ricardo Aleixo

"Paupéria revisitada"
"o real irreal" (composição sonora e em vídeo)

§

Marcos Siscar

"Tome seu café e saia"
"Dor"
"O poeta decide ser Borges"

§

Hilda Machado

"Miscasting"

§

Marília Garcia

"Le pays n´est pas la carte"
"Svetlana"

§

Fabiano Calixto

"E-mail para Carlito Azevedo"

§

Izabela Leal

"Fuga em dó maior"

§

Dirceu Villa

"O cutelo"

§

Pádua Fernandes

"Prelúdio imóvel e desenvolvimentos"

§

Eduardo Jorge

"Diante de uma paisagem pensou: Kierkegaard"

§

Laura Erber

"Geografia de Salinas"

§

Marcelo Sahea

"Clonazepan"
"Menos é mais"

§

Angélica Freitas

"dentadura perfeita"
"ai que bom seria ter um bigodinho"
"família vende tudo"
"love me"
"às vezes nos reveses"

§

Ana Guadalupe

"pé esquerdo"

§

Érico Nogueira

"Deu branco"

§

Juliana Krapp

"Limite"
"Permanência"

§

Érica Zíngano

"Os conservadores deveriam fazer alguma coisa de útil"

§

Ismar Tirelli Neto

"Preocupações épicas"

§

Victor Heringer

"Meridiano 43"


(NOTA: por um descuido na hora de fotocopiar a apostila, ainda que estivesse na lista com vários poemas Hilda Hilst acabou ficando de fora, algo pelo qual não hei-de me perdoar. Mas Paula Abramo e eu temos o projeto de preparar uma pequena antologia, onde ela certamente terá destaque. Outra ausência séria é a de Pedro Kilkerry, pela qual peço aqui, publicamente, perdão.)

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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Cidade do México. Na companhia de alguns de seus melhores poetas.

Daniel Saldaña París, Luis Felipe Fabre e eu, divertindo-nos durante a leitura de nossos poemas
na casa de Paula Abramo e Óscar de Pablo - Cidade do México, 12 de dezembro de 2011

Deixei o Rio de Janeiro na madrugada de domingo, chegando à Cidade do México à tarde, após uma escala na Cidade do Panamá e apenas um dia depois de um terremoto de 6.7 na escala Richter aqui na capital mexicana. Fui recebido por Paula Abramo, poeta mexicana e brasileira (que escreve em castelhano) que é diretora do Centro Cultural Brasil-México da Embaixada do Brasil, e seu marido, o poeta mexicano Óscar de Pablo. Após descansar um pouco no hotel, encontrei-me com eles e com o poeta argentino Ezequiel Zaidenwerg, que está passando um temporada no México e vive, como Abramo e De Pablo, a poucas quadras do meu hotel. Estamos no bairro dos escritores e poetas, a chamada Colónia Roma. Depois do jantar, na casa de Paula e Óscar, reunimo-nos ainda com o maravilhoso Luis Felipe Fabre, um dos melhores poetas latino-americanos da atualidade, e que tanto tem a ver com minha passagem pelo México por ter sido quem recomendou e apresentou meu trabalho a Paula Abramo. Hernán Bravo Varela completou a noite de poetas na noite de domingo.

O que acontece quando poetas se juntam? O óbvio: discussões sobre quem presta e quem não presta na poesia contemporânea, elogios rasgados a um só para ouvir o companheiro do lado discordar veementemente, sacagens rápidas de livros das estantes para leituras-relâmpago querendo provar por que tal poeta é maravilhoso/horrível, etc. Foi uma noite muito divertida.

Em Berlim, convivo basicamente com músicos, DJs e artistas visuais. Tenho amigos na cena literária berlinense, mas aqueles com quem convivo mais a miúdo não lidam com textualidade de forma explícita. A noite de sábado no Rio de Janeiro, ao lado de Marília Garcia, Dimitri Rebello, Ismar Tirelli Neto e Victor Heringer; seguida desta noite de domingo na Cidade do México, ao lado de Paula Abramo, Óscar de Pablo, Luis Felipe Fabre, Ezequiel Zaidenwerg e Hernán Bravo Varela, mostraram-me como sinto falta desta convivência.

Mas o melhor veio na segunda-feira à noite. Reunimo-nos todos uma vez mais na casa de Paula Abramo e Óscar de Pablo, mas com mais poetas ainda:

Paula Abramo (México/Brasil)
Óscar de Pablo (México)
Luis Felipe Fabre (México)
Ezequiel Zaidenwerg (Argentina)
Robin Myers (Estados Unidos)
Daniel Saldaña París (México)
Hernán Bravo Varela (México)
Alejandro Albarrán (México)

e a fotógrafa Valentina Siniego (México/Argentina).

Depois de alguns tiros de mescal, nos pusemos a ler nossos próprios poemas uns para os outros. Foi uma experiência ótima. Primeiro round: cada um leu dois poemas. Eu li, em castelhano, os poemas “X + Y: uma ode” e “Texto em que o poeta surpreende-se com a morte de Maria Schneider que parece formar uma sinédoque da qual não discerne a fronteira entre parte e todo”. No segundo round, cada um leu mais um poema. Li neste round meu “Autorretrato para agência de acasalamento”.

Na sexta-feira, faço uma leitura na Casa Refugio Citlaltépetl ao lado de quatro dos melhores poetas latino-americanos da atualidade, em minha opinião: os mexicanos Luis Felipe Fabre, Minerva Reynosa e Julián Herbert, e o argentino Ezequiel Zaidenwerg, com este vosso Ricardo Domeneck representando o Brasil. É uma das mesas mais potentes das quais já tive a honra de participar.





Luis Felipe Fabre, poeta e crítico que respeito imensamente e já traduzi para a Modo de Usar & Co., presenteou-me com seu último livro, o petardo que é La Sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010).


Luis Felipe Fabre lê poemas e conversa com sua usual
wit.


§


Leitura na Cidade do México, do livro La sodomía en la Nueva España, com seu autor Luis Felipe Fabre,
acompanhado por Paula Abramo e Daniel Saldaña París.

§

POEMA DE LUIS FELIPE FABRE

Sutra da vaca

Uma vaca:
branca e negra. Ruminando pastagem: verde.
E acima o céu

e no céu
uma nuvem cor de nuvem e detrás da nuvem

outra vez o céu: azul celeste: a cor
do divino Vishnu presenteando uma flor-de-lótus.

Azul: a pele do divino Vishnu.
Celeste: a ação de presentear uma flor-de-lótus.

Outra flor-de-lótus: branco
deixando de ser branco: branca
nuvem dissipada: meditação.

E a vaca
ruminando flores-de-lótus a sagradíssima:
ioga, desioga, reioga.

(tradução de Ricardo Domeneck)

§

Sutra de la vaca
Luis Felipe Fabre

Una vaca:
blanca y negra. Rumiando pasto: verde.
Y encima el cielo

y en el cielo
una nube color de nube y tras la nube

otra vez el cielo: azul celeste: el color
del divino Vishnú obsequiando un loto.

Azul: la piel de divino Vishnú.
CelesteL la acción de obsequiar un loto.

Otro loto: blanco
dejando de ser blanco: blanca
nube disipada: meditación.

Y la vaca
rumiando lotos la muy sagrada:
yoga, desyoga, reyoga.

§

Ezequiel Zaidenwerg também presenteou-me com seu último livro, chamado La lírica está muerta (Bahía Blanca: Vox Senda, 2011). Estes dois livros mostram como há pluralidade de qualidade verdadeira hoje na América Espanhola. Fabre e Zaidenwerg são poetas muitíssimo diferentes, mas eu gosto bastante do trabalho de ambos. Pretendo traduzi-los mais em 2012. Deixo vocês com o vídeo que fiz com Zaidenwerg em Berlim em 2010. Tentarei fazer vídeos com os outros poetas que tenho conhecido aqui.



Ezequiel Zaidenwerg lê os poemas "Doxa" e "Lo que el amor les hace a los poetas",
em Berlim, novembro de 2010. Filmado por Ricardo Domeneck


§

POEMA DE EZEQUIEL ZAIDENWERG

O que o amor causa nos poetas

não é trágico: é atroz. Uma ruína
fúnebre cai sobre os poetas que o amor captura,
sem que orientação ou identidade poética
interessem. O amor leva ao desastre completo
da uniformidade os poetas gays,
os poetas panssexuais e bissextos,
as poetas e poetisas feministas, fementidas ou honestas;
os obcecados pelo gênero e
os degenerados em geral e os polimorfos perversos:
e até os fetichistas dos pés
de verso cedem sob as plantas do amor,
que não distingue ideologia,
programa ou poética. Aos vates da torre de marfim,
lança-os do penthouse ebúrneo para o térreo. Aos apóstolos
do Zeitgeist, que proclamam sem inibição que a lírica está morta,
permite que insistam em seu equívoco
e em suas bachareladas prolixas. Produz uma hemorragia palatal
nos que arqueiam parcos aforismos oblíquos,
como nos herméticos de latão, nos que engarrafam
seus versos para o vazio, nos falsários do silêncio,
e nos que forjam haikais lusófonos
à moda itálica. Nos puristas da voz corta em seco
os lamúrios doces, e quebra as falanges
dos maníacos do ritmo, estraga
o metrônomo íntimo que carregam junto ao coração
para marcar a batida de seus versos. Domestica o sensorial
nos videntes e malditos e demais
rebeldes e insurretos sem razão
ou causa poética, cura o desregramento racional
de todos os sentidos. Desaloja de sua noite escura
os que pedem luz para o poema
nas cavernas do sentido, e os devolve sem escala
para o tresnoitar da carne literal. O que o amor
causa nos poetas, com paciência e mansidão,
enquanto as borboletas lentamente ulceram seus estômagos
e pouco a pouco o pâncreas deixa de funcionar,
é bastante inconveniente. Aos que buscam com afinco
e precisão cirúrgica a palavra justa, arruína
seus pulsos, e em vez de doar vida, aniquilam-na em sua ânsia.
E nos que perseguem com ardor e devoção
um absoluto no poema, como um graal
todo de luz, tesa, diáfana e febril,
nubla suas certezas e mesmo o desejo
de saciar sua ansiedade. O que o amor
causa nos poetas, desavisadamente,
enquanto costuram e cantam e se empanturram de perdizes, é agudo, terminal
e fulminante. É um torrencial avassalador
de prosa, que esporeia e multiplica, em progressão exponencial,
os estúpidos e toscos da poesia:
os que cortam sem motivo seus versos diminutos;
os jóqueis compulsivos que os encavalam;
os designers tipográficos do verso;
os que partem a sintaxe sem saber torcê-la;
os que fazem escavações no
éter em busca de inauditos neologismos inaudíveis;
os modernos sem pretexto; os que creem descobrir
a pólvora em seus versos balbuciantes;
os contestatários automáticos e os poetas-pornô;
os que semeiam grandes nomes pela densa
fronde de seus poemas, como Joãozinho e Maria jogavam
migalhas; os que erguem em sua voz
ausente as caretas de uma infância lobotomizada;
os poetas bonitos e felizes, teimosos;
as tribos urbanas e os groupies da poesia adolescente;
os poetas pop e os rock stars do verso; os videopoetas e performers;
os ovni-poetas, alados ou rastejantes, identificados;
os objetivistas sem objeto
nem vista; os que exigem que o poema
vista-se de mendigo; os poetas filósofos;
e os cultores convictos
da “prosa poética”. O amor,
que movimenta o sol e os demais poetas,
leva-os até o derradeiro paroxismo: transforma-os
em terra, em fumaça, em sombra, em pó, etcétera:
em pó enamorado. E se acontece
ainda que dentre eles
amem-se amorosos os poetas pares,
felizes em seu amor solar sem escansão,
como se fossem na verdade, um para o outro,
um buraco negro de opiniões nebulosas,
palmadinhas tácitas nas costas e comentários de passagem,
anões, esfriando-se, absorvem-se mutuamente
e desaparecem.


(tradução de Ricardo Domeneck)


:


Lo que el amor les hace a los poetas
Ezequiel Zaidenwerg

no es trágico: es atroz. Les sobreviene / una luctuosa ruina a los poetas que el amor captura, / sin importar su orientación o identidad / poética. El amor lleva al total desastre / de la uniformidad a los poetas gay, / a los poetas pansexuales y bisiestos, / y a las poetas y poetrices feministas, fementidas o veraces; / a los obsesionados con el género / y a los degenerados por igual, y a los perversos polimorfos: / y hasta los fetichistas de los pies / del verso capitulan a las plantas del amor, / que no distingue ideología, / programa ni poética. A los vates de la torre de marfil / los precipita del penthouse ebúrneo directo a planta baja. A los apóstoles / del Zeitgeist, que proclaman sin empacho que la lírica está muerta, / les permite insistir en el error / y en sus prolijas parrafadas. Les produce una hemorragia palatal / a los que comban parcos aforismos diagonales, / a los herméticos de lata, a los que envasan / sus versos al vacío, a los falsarios del silencio, / y a los que fraguan haikus castellanos / al itálico modo. A los puristas de la voz les corta en seco / su dulce lamentar, y a los maniáticos del ritmo / les quiebra las falanges, y estropea / el íntimo metrónomo que llevan junto al corazón / para marcar el paso de sus versos. Les compone el sensorio / a los videntes y malditos y demás / rebeldes e insurrectos sin razón ni causa / poética, y les cura el desarreglo razonado / de todos los sentidos. Desaloja de su noche oscura / a los que piden luz para el poema / en las cavernas del sentido, y los devuelve sin escalas / a la trasnoche de la carne literal. Lo que el amor / les hace a los poetas, con paciencia y mansedumbre, / mientras las mariposas lentamente les ulceran el estómago / y el páncreas poco a poco deja de funcionar, / es harto inconveniente. A los que buscan con ahínco / y precisión de cirujano la palabra justa les arruina / el pulso, y en lugar de dar la vida, la aniquilan en su afán. / Y a los que con ardor y devoción persiguen / un absoluto en el poema, como un grial / todo de luz, tirante, diáfana y febril, / les nubla las certezas, y el deseo mismo / de saciar su ansiedad. Lo que el amor / les hace a los poetas, inadvertidamente, / mientras cosen y cantan y se atoran de perdices, es agudo, terminal / y fulminante. Es un torrente arrollador / de prosa, que espolea y multiplica, en progresión exponencial, / a los zopencos y palurdos de la poesía: / a los que cortan sin razón sus versos diminutos; / a los jinetes compulsivos; / a los diseñadores tipográficos del verso; / a los que quiebran la sintaxis sin saber / torcerla; a los que escarban en el / éter a la busca de inauditos neologismos inaudibles; / a los modernos sin pretexto; a los que creen descubrir / la pólvora en sus versos balbucientes; / a los contestatarios automáticos y a los porno-poetas; / a los que sueltan grandes nombres por la densa / fronda de sus poemas, como Hansel y Gretel arrojaban / migas; a los que impostan en su voz / vacante los mohines de una infancia lobotomizada; / a los poetas bellos y felices, caprichosos; / a las tribus urbanas y los groupies de la poesía pubescente; / a los poetas pop y los rockstars del verso; a los videopoetas y performers; / a los ovni-poetas, voladores o rastreros, identificados; / a los objetivistas sin objeto / ni vista; a los que exigen que el poema / se vista de mendigo; a los filósofos poetas; / y a los cultores convencidos / de la “prosa poética”. El amor, / que mueve el sol y a los demás poetas, / los lleva hasta el postrero paroxismo: los convierte / en tierra, en humo, en sombra, en polvo, etcétera: / en polvo enamorado. / Y si resulta todavía que entre ellos / se aman amorosos los poetas pares, / felices en su amor solar sin escansión, / como si fueran en verdad el uno para el otro / un agujero negro de opiniones nebulosas, / tácitas palmaditas en la espalda y comentarios al pasar, / enanos, enfriándose, se absorben entre sí / y desaparecen.


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