terça-feira, 31 de maio de 2011

Poema recente de Angélica Freitas




Para as minhas calças
Angélica Freitas


Queridas calças, agora
rasgadas nas coxas
(dois rasgos horizontais
do uso intenso)
creio não mais precisar
de seus serviços, portanto
as aposento e agradeço.
Mas não sem antes cantar
a alegria que foi andar
por vocês vestida
e a sorte de não precisar
usar vestidos.
Com vocês passeei
por Lisboa, Madri e
Paris; sentei
nos jardins do palácio
em Fontainebleau.
O tecido macio
e generoso, que suportou
meu aumento de peso,
esgarçou pouco
no início, mas só
em dois anos cedeu.
O corte me permitiu
fazer poses de balé
nos jardins do palácio.
A cor, entre o verde
e o marrom,
disfarçava sujeiras.
Nos seus bolsos
guardei poemas,
recibos de supermercado,
tickets do metrô.
Perfeitas para
pernas e passeios,
descansem.
Tive outras calças,
mas vocês foram
as preferidas.
Queridos sapatos,
caso leiam esta elegia:



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domingo, 29 de maio de 2011

A morte de Gil Scott-Heron

Gil Scott-Heron (1949 - 2011)


Morreu este fim de semana inesperadamente, com apenas 62 anos, o poeta norte-americano Gil Scott-Heron, nascido em Chicago a 1° de abril de 1949, falecido ontem, 27 de maio de 2011, em Nova Iorque. Scott-Heron tornou-se conhecido com o livro de poemas/álbum Small Talk at 125th and Lenox (1970), que traz alguns de seus textos e poemas vocais mais famosos, como o icônico "The Revolution Will Not Be Televised", e ainda "Who'll Pay Reparations on My Soul?" e "Whitey on the Moon".

Scott-Heron lançaria em seguida, numa década em que foi prolífico, outros ótimos trabalhos: Pieces of a Man (1971), Free Will (1972), Winter in America (1974), The First Minute of a New Day (1975), From South Africa to South Carolina (1976), It's Your World (1976), Bridges (1977), Secrets (1978), Real Eyes (1980), Reflections (1981) e Moving Target (1984). Uma pausa de 12 anos se seguiria até o lançamento de Spirits (1994), e então outra de 15 anos até o lançamento de I´m New Here (2010). Colaborações suas com Brian Jackson, como as incríveis "Home is Where the Hatred Is" e "We Almost Lost Detroit", também foram bastante influentes sobre outros artistas.

Seus livros, além do já mencionado Small Talk at 125th and Lenox (1970), incluem o romance The Vulture (1970), The Nigger Factory (1972), So Far, So Good (1990) e a reunião de sua poesia em Now and Then: The Poems of Gil Scott-Heron (2001).

Eu poderia voltar aqui a alguns de meus assuntos obsessivos. Falar sobre como Gil Scott-Heron renova e faz renascer com força mamute em terras americanas a tradição oral da poesia africana dos griots. Sobre como a historicidade da poesia se encontra em toda a sua força de transpor contextos em uma obra como "The Revolution Will Not Be Televised". Historiadores do futuro encontrarão material de sobra neste poema para entender alguns dos conflitos do pós-guerra. Datado? Quem negará a atualidade desta peça em tempos de Wikileaks, revoltas da população do Egito e da Espanha, da Líbia e do Bahrein? É um pouco como o ótimo poema de Adrian Mitchell (1932 - 2008), intitulado "To Whom It May Concern". Sobre a Guerra do Vietnã? Ora, o que muda realmente de guerra em guerra? Nós aprendemos tanto com um poema sobre a Guerra do Vietnã como com um poema da antiguidade sobre a Guerra do Peloponeso.

Eu tenho calafrios, por exemplo, ao ler o famoso epigrama de Simônides de Ceos sobre os soldados mortos na Batalha das Termópilas (480 a.C.), que diz:


"Vai, desconhecido, diz aos lacedemônios:
aqui jazemos em obediência a suas leis.
"


Termópilas, Waterloo, Manchuria, Montecristo, Bagdá. A lista é interminável e crescente. Em qualquer lugar do mundo, dever-se-ia cavar a terra com o cuidado de quem possa estar escavando, sem saber, uma vala comum.

Será que um dia os versos de Gil Scott-Heron serão completamente incompreensíveis para os homens do futuro? Ora, todo poeta épico, se pensarmos na descrição de Ezra Pound para a poesia épica ("um poema que inclui a História") trabalha com o contextual: canta com tanta frequência o morto e o que vai morrer. Eles carregam a História em seu bojo, ainda que muitas vezes a mitificando, seja na Ilíada, ou mesmo, mais recentemente, n´O Guesa, de Sousândrade; n´Os Cantares, de Pound; no A, de Zukofsky; em The Walls Don´t Fall, de H.D.; n´A Rosa do Povo, de Drummond, e no gigantesco poema "Janela do Caos", de Murilo Mendes. A poesia reassume significados, sem ter que os engessar. Mesmo que o jogo inteligentíssimo de Scott-Heron em um verso como "You will not be able to plug in, turn on and cop out" se perca, e não saibamos que nele o poeta apropriou-se em intertextualidade da frase famosa de Timothy Leary, "Turn on, tune in, drop out", eu acredito que muito do texto sobrevive em sua própria carga de força.

A potência sonora, em aliteração e anáfora, é quase hipnótica, torna-se quase surreal-expressionista em certas imagens, ainda que saibamos lidar com figuras históricas. É texto de poeta. Em "lose yourself on skag and skip, / Skip out for beer during commercials", ou nas imagens de força expressionista em "The revolution will not show you pictures of Nixon / blowing a bugle and leading a charge by John / Mitchell, General Abrams and Spiro Agnew to eat / hog maws confiscated from a Harlem sanctuary", sem esquecer o jogo inteligente de criar paralelos sonoros entre Xerox e o nome de Nixon. Isso é sutil e ao mesmo agressivo, um soco, coisa de poeta satírico talentoso. Versos como "The revolution will not give your mouth sex appeal. / The revolution will not get rid of the nubs. / The revolution will not make you look five pounds / thinner, because the revolution will not be televised, Brother" preconizam elementos de apropriação que se tornariam comuns na poesia de hoje, além de ligá-lo, em minha opinião, a certas táticas de poetas modernistas, como Maiakóvski talvez, ou Brecht.

Sua morte é uma perda gigante, num momento em que precisamos tanto de poetas com coragem para incluir, quando necessário, a História em seus textos.








The Revolution Will Not Be Televised
Gil Scott-Heron

You will not be able to stay home, brother.
You will not be able to plug in, turn on and cop out.
You will not be able to lose yourself on skag and skip,
Skip out for beer during commercials,
Because the revolution will not be televised.

The revolution will not be televised.
The revolution will not be brought to you by Xerox
In 4 parts without commercial interruptions.
The revolution will not show you pictures of Nixon
blowing a bugle and leading a charge by John
Mitchell, General Abrams and Spiro Agnew to eat
hog maws confiscated from a Harlem sanctuary.
The revolution will not be televised.

The revolution will not be brought to you by the
Schaefer Award Theatre and will not star Natalie
Woods and Steve McQueen or Bullwinkle and Julia.
The revolution will not give your mouth sex appeal.
The revolution will not get rid of the nubs.
The revolution will not make you look five pounds
thinner, because the revolution will not be televised, Brother.

There will be no pictures of you and Willie May
pushing that shopping cart down the block on the dead run,
or trying to slide that color television into a stolen ambulance.
NBC will not be able predict the winner at 8:32
or report from 29 districts.
The revolution will not be televised.

There will be no pictures of pigs shooting down
brothers in the instant replay.
There will be no pictures of pigs shooting down
brothers in the instant replay.
There will be no pictures of Whitney Young being
run out of Harlem on a rail with a brand new process.
There will be no slow motion or still life of Roy
Wilkens strolling through Watts in a Red, Black and
Green liberation jumpsuit that he had been saving
For just the proper occasion.

Green Acres, The Beverly Hillbillies, and Hooterville
Junction will no longer be so damned relevant, and
women will not care if Dick finally gets down with
Jane on Search for Tomorrow because Black people
will be in the street looking for a brighter day.
The revolution will not be televised.

There will be no highlights on the eleven o'clock
news and no pictures of hairy armed women
liberationists and Jackie Onassis blowing her nose.
The theme song will not be written by Jim Webb,
Francis Scott Key, nor sung by Glen Campbell, Tom
Jones, Johnny Cash, Englebert Humperdink, or the Rare Earth.
The revolution will not be televised.

The revolution will not be right back after a message
bbout a white tornado, white lightning, or white people.
You will not have to worry about a dove in your
bedroom, a tiger in your tank, or the giant in your toilet bowl.
The revolution will not go better with Coke.
The revolution will not fight the germs that may cause bad breath.
The revolution will put you in the driver's seat.

The revolution will not be televised, will not be televised,
will not be televised, will not be televised.
The revolution will be no re-run brothers;
The revolution will be live.


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quarta-feira, 25 de maio de 2011

Pequena seleção e nota sobre a poesia de Sebastião Alba

Sebastião Alba (1940 - 2000)


Não me lembro bem de que maneira descobri a poesia tão delicada e bonita de Sebastião Alba (1940 - 2000). Creio que a primeira descoberta foi buscando vídeos de poesia lusófona na Rede, quando caí em um filme intitulado Um poeta não se pega, pequeno documentário-entrevista com o poeta português naturalizado moçambicano. O filme mostra este homem, beirando os 60 anos, poeta andarilho que vive nas ruas de Braga, dormindo em um barraco improvisado, entrevistado por quem soa claramente como um brasileiro.




Um Poeta Não se Pega, primeira parte, filme com o poeta Sebastião Alba.


Tenho, confesso, sentimentos muito conflituosos em relação ao filme. Sou grato que alguém tenha guardado algo do poeta e que eu tenha chegado a sua obra pelo vídeo. Tenho certeza que o diretor tinha respeito e carinho pelo homem e pelo poeta, mas eu sempre tenho a sensação de uma exposição da fragilidade alheia, além de um certo tom de voz no entrevistador que me parece infantilizado, talvez um pouco condescendente, não sei. Há ainda o perigo romântico de glamourizarmos a situação precária em que vivia este homem que vim a descobrir ser um dos poetas líricos mais sensíveis, delicados e competentes da língua portuguesa no pós-guerra. Pois, após ver o vídeo por alguns minutos, o que me importou foi descobrir sua poesia, e pesquisando-a na Rede, passei a encontrar textos como este:



Ninguém meu amor
Sebastião Alba

Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos.




É texto de poeta de verdade. Não é fácil esta simplicidade. Esta leve tensão sintática em alguns dos poemas na seleção abaixo. Sebastião Alba tornou-se um dos meus poetas favoritos. É uma pena que não edições de seu trabalho no Brasil. Poeta sensível, emocionado e que emociona, como já não se faz muito no Brasil desde que virou chique ser antilírico.

Reproduzo abaixo a nota biográfica e seleção de poemas de Sebastião Alba que preparei ontem para a Modo de Usar & Co.






Nota biográfica e seleção de poemas de Sebastião Alba
Ricardo Domeneck, especial para a Modo de Usar & Co., 24 de maio de 2011





Sebastião Alba nasceu em Braga, Portugal, a 11 de março de 1940. Seu nome de batismo era Dinis Albano Carneiro Gonçalves. Em 1950, a família do poeta emigrou para Moçambique, onde ele passaria a viver até 1984, tornando-se cidadão moçambicano. No seu novo país, trabalhou como jornalista. Estreou em livro com Poesias (1965), ao qual se seguiram O Ritmo do Presságio (a primeira edição, moçambicana, em 1974 e a portuguesa em 1981) e ainda A Noite Dividida (1982).





A editora portuguesa Assírio & Alvum reuniria em um único volume seus livros O Ritmo do Presságio, A Noite Dividida e O Limite Diáfano em 1996, reunidos uma vez mais no ano 2000, incluindo inéditos, com o título Uma Pedra Ao Lado Da Evidência. A essa altura, o poeta vivia nas ruas de sua cidade natal. No dia 14 de outubro de 2000, com 60 anos, morreu atropelado. Havia escrito recentemente um bilhete:


"Se um dia encontrarem morto o teu irmão Dinis, o espólio será fácil de verificar:
dois sapatos, a roupa do corpo e alguns papéis que a polícia não entenderá".


Poeta lírico de extrema delicadeza, tentamos contribuir aqui com a divulgação de sua poesia tão bonita.



POEMAS DE SEBASTIÃO ALBA


A palhota

Espanta não ver nada
que se coma e caçarolas
As aranhas debandaram
não há moscas
até o humor secou
nas espinhas largadas
Vive-se como?
Donde a modeladora energia
que põe a carne?
Ladino um rato
como na infância o quereríamos
rói os bambus a viga
as horas urdem
e um opaco cisco indizível
aduz as proporções laqueia
a quietação à roda.


§


Ninguém meu amor

Ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Podem utilizá-lo nos espelhos
apagar com ele
os barcos de papel dos nossos lagos
podem obrigá-lo a parar
à entrada das casas mais baixas
podem ainda fazer
com que a noite gravite
hoje do mesmo lado
Mas ninguém meu amor
ninguém como nós conhece o sol
Até que o sol degole
o horizonte em que um a um
nos deitam
vendando-nos os olhos.


§


Último poema

(ao Jorge Viegas)


Nestes lugares desguarnecidos
e ao alto limpos no ar
como as bocas dos túmulos
de que nos serve já polir mais símbolos?

De que nos serve já aos telhados
canelar as águas de gritos
e com eles varrer o céu
(ou com os feixes de luar que devolvemos)?

É ou não o último voo
bíblico da pomba?

Que sem horizonte a esperamos
em nossa arca onde há milénios se acumulam
os ramos podres da esperança.


§


Ícaro

Da Mafalala estorva-nos
a memória dos gregos
É um anjo negro segredado
e assim goza
de asas sussurrantes
Desce por entre
intervalos do vento
e findo o voo refunde
o modelo de cera
Como qualquer pássaro faz ninho
ele no vestido das mulheres
Sem céu fixo
exala a plumagem
da comum nudez interrompida.


§


Não sou anterior à escolha

Não sou anterior à escolha
ou nexo do ofício
Nada em mim começou por um acorde
Escrevo com saliva
e a fuligem da noite
no meio de mobília
inarredável
atento à efusão
da névoa na sala.


§


No meu país

No meu país
dardejado do sol e da caca dos gaios
só há estâncias
(de veraneio) na poesia.
Nossos lábios
a um metro e sessenta e tal
do chão amarelecido
dos símbolos
abrem para fora
por dois gomos de frio.
Nossos lábios outonais, digo,
outonais doze meses.
No entanto
o equilíbrio jacente
faz florir as acácias;
a terra incha;
na derme da possível
geografia,
um frémito cinde
as estações do ano.


§


A um filho morto

Ontem a comoção foi da espessura dum susto
duma árvore correndo
vertiginosamente para dentro do desastre

E já não choramos. Passamos
sem que o mais acurado apelo
nos decida

Nas camisas
teu monograma desanlaça-se.
Tua mão vê-o nos céus nocturnos
sabe que há uma ígnea
chave algures

Minha tristeza não tem expressão visível
como quando a chuva cessa
sobre a dádiva fugaz do nosso sangue
que hoje embebe a terra

É tal a ordem em nós
que um odor a bafio sai de nossas bocas
e uma teia de aranha interrompe o olhar
que te envolveu em vão.


§


Como os outros

Como os outros discipulo da noite
frente ao seu quadro negro que é
exterior à música dispo o reflexo
sou um e baço

dou-me as mãos na estreita
passagem dos dias
pelo café da cidade adoptiva
os passos discordando
mesmo entre si

As coisas são a sua morada
e há entre mim e mim um escuro limbo
mas é nessa disjunção o istmo da poesia
com suas grutas sinfónicas
no mar.


§


Como se o mar

Quero a morte sem um defeito.
Sem planos brancos.
Sem que pequeninas luzes se apaguem
dentro dos ruídos.
Também a não quero providencial,
com um anjo vingador e secretíssimo
enfim pousado.
Nenhuma mitologia. Nenhuma
fruição poética. Assim: Como se o mar
me aspirasse os ouvidos... etc.
Mas súbita e civil,
com repartições abertas,
comércio, a luz graduada
nas altas paredes
dum bom dia sonoro.


§


O limite diáfano

Movo-me nos bastidores da poesia,
e coro se de leve a escuto.
Mas o pão de cada dia
à noite está consumido,
e a alvorada seguinte
banha as suas escórias.
Palco só o da minha morte,
se no leito!,
com seu asseio sem derrame...
O lado para que durmo
é um limite diáfano:
aí os versos espigam.
Isso me basta. Acordo
antes que a seara amadureça
e na extensão pairem,
de Van Gogh, os corvos.


§


Há poetas com musa

Há poetas com musa. Muitos.
Eu, neste jardim do Éden,
a cargo do município,
onde um velho destece a sua vida
e, baixando o olhar,
ainda lhe afaga a trama,
quando a poesia se afoita,
amuo
na agrura de, ao acordar,
tê-la sonhado.


§


Gosto dos amigos

Gosto dos amigos
Que modelam a vida
Sem interferir muito;
Os que apenas circulam
No hálito da fala
E apõem, de leve,
Um desenho às coisas.
Mas, porque há espaços desiguais
Entre quem são
E quem eles me parecem,
O meu agrado inclina-se
Para o mais reconciliado,
Ao acordar,
Com a sua última fraqueza;
O que menos se preside à vida
E, à nossa, preside
Deixando que o consuma
O núcleo incandescente
Dum silêncio votivo
De que um fumo de incenso
Nos liberta.


§



Sem título


Para isto de dar
um bambo passo entre as estrelas
não se vai com a grande ocasião reclinada
na cabeça a ouvir Puccini

Breve empanadas as estrelas
não mais se acenderão e apagarão
O rumo estará raso
O silêncio a nada obrigará

De pouco serve a ida ao lugar de ausência

que o teu sono já não é extensível
Aboliu-se uma posição relativa na noite
Não circulando em ti com a sua mistura
o ar atravessará o esqueleto

E tudo será sem data e sem prenúncio

E não acrescentarei ao poema ainda um verso relvado Que buxo!
Ele não seria a medida ou a balança Seu inconcreto molde
restaria quebrado entre outros cacos

(Se bem que da infância suba até mim o coro admonitório dos anjos.)


§


As mãos


Componho com as linhas dos meus dedos outros puros
cujas pontas façam girar nenhum raio sucessivo
de sol Dedos sem o cadastro de enlaces doendo
e se declamo ficções que eles escorem
Sem par noutras mãos Nem fundos na algibeira
mexidamente obscenos e a salvo da garra dos gatilhos
Dedos com um horizonte de pálpebra baixando
que assim não acordem as formas tacteadas
donde um sono mane estrie os espaços vedados
Dedos de que mesmo a chuva escorra sem uma lágrima
Ou os que já compus e assinam adiam o poema.


§


Epílogo

Fui
hóspede desta mansão
na encruzilhada
dos meus sentidos.

O verso apenas é,
transversal e findo,
o poleiro evocativo
da ave do meu canto.

Essa ave em que o Outono
se perfila
e, cada vez mais exígua
no rumo e nas vigílias
do seu bando,
de súbito, espirala
até sumir-se
num país imaginário.




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sábado, 21 de maio de 2011

Uma noite de música, uma mulher no palco e as canções que nos salvam

Capa do segundo álbum da Planningtorock, intitulado simplesmente W,
que será lançado pelo selo nova-iorquino DFA, de James Murphy,
no dia 24 de maio de 2011.

Ontem fui ao show da Planningtorock no clube Astra aqui de Berlim. Tratava-se de um concerto de "aquecimento" para o maior festival da Alemanha, o Melt! Festival. Meses antes do Festival, a organização começa a trazer já algumas das bandas para apresentações em Berlim. Na noite de ontem, três concertos: da jovenzinha banda Sizarr, da maravilhosa Planningtorock (codinome da artista multimídia britânica Janine Rostron) e da banda Animal Collective.

Cheguei muito cedo, meia hora antes das portas abrirem às 20:00. Eu estava sozinho, eu e Luis Cernuda (1902 - 1963), de quem estou lendo um antologia que trouxe da Espanha. Logo apareceram vários conhecidos, como sói acontecer nestes lugares. O primeiro show, da banda Sizarr, só começou às 21:30. A banda, que surgiu no cenário no ano passado, está començando a chamar a atenção, e parece estar em todos os maiores festivais do país este verão. São meninos talentosos. Ainda não consegui me decidir sobre o que penso da voz do vocalista. Uma coisa é certa, ele é muito bonito. Vocês decidem o que pensar dos meninos:



Sizarr - "Boarding Time"


Mas eu estava ali para ver Janine Rostron, eu estava ali para ser salvo, por uma hora ao menos, por Planningtorock. Estive em show dela há pouco tempo (com ele), mas era uma apresentação para a TV, ao lado do Atari Teenage Riot, e foi tudo meio esquisito. Ali, no Clube Astra, ela faria uma apresentação de uma hora, todo o novo álbum. Quando a canção do seu segundo single começou a tocar, "The breaks", eu fui ao fundo do poço e voltei até a superfície, e cantei, e gritei:

"Ah! We break too easily / We put on the breaks / We break too easily":




Planningtorock - "The breaks", do álbum W (DFA Records, 2011)



Mas a canção que está me salvando e matando no momento é "The one":


"You are meaning a lot to me / And I don´t want to hide it"




Planningtorock - "The one", do álbum W (DFA Records, 2011). Este vídeo usa imagens do grande Kenneth Anger.


Alguns amigos ficarão bravos ao ler isso, mas eu nem fiquei para o concerto do Animal Collective. Nada bateria o que eu senti naquela 1 hora com a voz e a música da Planningtorock. Como diz a canção "Doorway", a que abre o álbum, "I know my feelings / Under my deep skin". Eu simplesmente peguei o bonde e voltei para a minha cama vazia.


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terça-feira, 17 de maio de 2011

Eu, quê?




Eu, que nunca soube gerenciar perdas,
..........para a insatisfação geral
..........das sociedades anônimas
..........e outras limitadas empresas;
eu, que preferiria em verdade
..........fingir dores que deveras
..........não sinto;
eu, que me convencera da abolição
..........dos advérbios de tempo
..........por simples obsolescência
..........e a nossa falta de uso;
eu, que lamento ser só mitológico
..........o rio Lete;
eu, que memorizei as falas
..........em Hiroshima Mon Amour;
eu, que heroicizo as anônimas
..........como a mulher de Ló,
..........nunca Pierre, mas a que grita
.........."Pierre dis-moi la vérité"
..........no "Rue de Seine" de Prévert;
eu, que posso ir de Medeia a Dido
..........entre o café-da-manhã e o almoço;
eu, que banco o zen-budista
..........por alguns segundos, poucos,
..........e logo em seguida cantarolo
.........."Ne me quitte pas"
..........com esgares de Maysa,
..........as mãos amarrotando
..........a própria camisa;
eu, que já aprendera que ninguém
..........pertence a ninguém
..........mas mantinha certa esperança
..........nas várias interpretações
..........possíveis deste duplo negativo;
eu, que não encontro consolo
..........no fato de que outros
..........sobreviveram catástrofes maiores,
..........que cidades reergueram-se
..........após incêndios, bombas, maremotos,
..........que nós mesmos vivemos numa cidade
..........que já foi coleção de crateras;
eu, que fiquei dias em jejum
..........ritual, um para cada ano da relação
..........e então numa fome larga e repentina
..........devorei um sanduíche teu antigo,
..........chorando sobre o chouriço;
eu, que conheço do passado a subnutrição
..........advinda de uma dieta
..........de migalhas e farelos
..........e mesmo assim hesito
..........se de novo a aceitaria;
eu, que respondi hoje "Orfeu, Hades",
..........ao perguntarem no aeroporto
..........por nome e destino;
eu, que repeti teu nome no avião
..........sobrevoando Berlim, cão banguela,
.........aos uivos a dez mil metros do chão;
.......................eu, moço,
...volto agora a esta fisioterapia
...para os músculos em atrofia
...das primeiras pessoas
...do singular dos meus verbos,
...e não vejo distinções
...entre as equações
..."Espero, logo existo"
...ou "Existo, logo espero"


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segunda-feira, 16 de maio de 2011

(Em Barcelona) Hoje à noite a voz de Diamanda Galás curará feridas


Esta é uma nota-relâmpago. Estou em Barcelona. Vi uma apresentação de Lee Ranaldo. Hoje, verei uma leitura do Gary Snyder às 19:00. Mas o que mais espero é pela apresentação de Diamanda Galás às 21:30. Sua voz há-de curar todas as feridas, pelo menos enquanto durarem as canções.










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sábado, 14 de maio de 2011

Pequena nota sevilhana


Faz um calor do cão em Sevilha. Ontem, às 20:00, abriu-se a porta da sala onde ocorria minha performance, e eu, suando em bicas, acompanhei com os olhos a entrada de alguns bravos e corajosos interessados na salinha do Instituto da Cultura e das Artes de Sevilha, que funciona dentro do Monastério de São Clemente, prédio que, pasmei, ainda funciona como monastério. Metade dele é um espaço de exposições, na outra metade vivem as monjas. Apresentei as seguintes peças:

1- "Esta es la voz" (meu querido Aníbal Cristobo traduziu para mim o texto "This is the voice" para minhas apresentações na Espanha.)

2- "Mula", minha colaboração com o Tetine, com vídeo do querido Eugen Braeunig, peça que gosto muito de performar.

3- "Eustachian Tube in Staccato", uma peça que me custa muito apresentar, é difícil vocalizá-la, mas o curador havia pedido especificamente por ela.

4- "Six songs of causality", meu hit.

5- Encerrei com a peça que criei para Córdoba, baseada nas Soledades de Góngora, "Entrañas de las Soledades".


Está sendo difícil aproveitar a viagem, dois dias antes de vir à Espanha minha vida pessoal em Berlim virou de ponta-cabeça. Estou andando pelas ruas de Sevilha, como diria Drummond, com uma perda no bolso que me faz caminhar de banda. Tento fazer a estreiteza das ruas, como a celebrou João Cabral de Melo Neto, servir de abraço.


Só em Sevilha o corpo está
com todos os sentidos em riste,
sentidos que nem se sabia,
antes de andá-la, que existissem;

sentidos que fundam num só:
viver num só o que nos vive,
que nos dá a mulher de Sevilha
e a cidade ou concha em que vive.


(João Cabral de Melo Neto)



Deixo Sevilha em um par de horas e voo para Barcelona, onde vou encontrar amigos queridos como Eduard Escoffet e Aníbal Cristobo, ver as performances de Lee Ranaldo no domingo e de Diamanda Galás na segunda-feira como parte do festival de poesia barcelonês, o "Poesía Barcelona 2011".


Deixo vocês com vídeos de duas apresentações minhas do passado, a primeira com as "Six songs of causality", gravação de minha apresentação solo no Espaço de Arte Contemporândea de Castelló, no distrito de Valência em 2009; a outra de minha apresentação no Festival Yuxtaposiciones de Madri, na Casa Encendida, em 2008, na qual oralizo a peça "This is the voice".




Performance das "Six songs of causality" no Espai d´Art Contemporani de Castelló, Valência, julho de 2009.


§




Performance da peça "This is the voice", na Casa Encendida, Madri, parte do Festival Yuxtaposiciones em 2008.


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sexta-feira, 13 de maio de 2011

Em Sevilha, onde mostro meu trabalho que conjuga texto, voz e vídeo

Estou em Sevilha, a cidade amada de João Cabral de Melo Neto, onde apresento meu trabalho que conjuga texto, voz e vídeo no I+CAS (Centro de la cultura y las artes de Sevilla). Amanhã, apresenta-se no mesmo festival, encerrando-o, o poeta norte-americano Lee Ranaldo, mais conhecido como membro fundador da banda Sonic Youth.


quarta-feira, 11 de maio de 2011

Defenderei, defenderei, defenderei: Kenneth Patchen, poeta norte-americano da década de 30, um dos meus heróis pessoais

Vagando ontem pelos canais de vídeos compartilhados à procura de documentários sobre poesia e os poetas que amo, encontrei alguns arquivos de áudio de um dos meus heróis, Kenneth Patchen.



Kenneth Patchen lê seu texto "In order to"



O norte-americano, nascido em 1911, é herói pessoal meu. Sua poesia, sua prosa e seu trabalho visual o enquadram lá no mesmo rol em que incluo minha mestra Hilda Hilst, minha presidente das febres.


Creation
Kenneth Patchen


Wherever the dead are there they are and
Nothing more. But you and I can expect
To see angels in the meadowgrass that look
Like cows -
And wherever we are in paradise
in furnished room without bath and
six flights up
Is all God! We read
To one another, loving the sound of the s’s
Slipping up on the f’s and much is good
Enough to raise the hair on our heads, like Rilke and Wilfred Owen

Any person who loves another person,
Wherever in the world, is with us in this room -
Even though there are battlefields.


§

Poesia catúlica, prosa febril. Seu romance The Journal of Albion Moonlight (1941) é um dos meus livros de cabeceira, e um dos textos distópicos mais assustadores que já li. Antecipa muita coisa da prosa do pós-guerra.



Kenneth Patchen lê de seu romance The Journal of Albion Moonlight (1941)


Seria interessante lê-lo à luz dos romances de Samuel Beckett, por exemplo. Não sei se isso já foi feito. Os dois são muito diferentes, é verdade. Patchen é quase sempre exuberante, mesmo em meio à destruição. Beckett é muito mais seco, irônico. Na poesia, Patchen vai do celebratório ao satírico. Gosto bastante.


My Generation Reading The Newspapers
Kenneth Patchen

We must be slow and delicate; return
the policeman's stare with some esteem,
remember this is not a shadow play
of doves and geese but this is now
the time to write it down, record the words—
I mean we should have left some pride
of youth and not forget the destiny of men
who say goodbye to the wives and homes
they've read about at breakfast in a restaurant:
'My love.'—without regret or bitterness
obtain the measure of the stride we make,
the latest song has chosen a theme of love
delivering us from all evil—destroy. . . ?
why no. . . this too is fanciful. . . funny how
hard it is to be slow and delicate in this,
this thing of framing words to mark this grave
I mean nothing short of blood in every street
on earth can fitly voice the loss of these.



Muito do que tornou os Beats famosos (nestes momentos eu chego a quase ter um pouco de raiva dos Beats, confesso, por sua máquina marqueteira que nem sempre foi justa com os seus próprios mestres) já estava em poetas da década de 20, como Langston Hughes, Kenneth Rexroth, Muriel Rukeyser e o próprio Kenneth Patchen.


Allen Ginsberg e Kenneth Patchen no backstage do Living Theatre, onde Patchen fazia uma de suas performances
com Charlie Mingus, Nova Iorque, 1959. Foto de Harry Redl.




Be Music, Night
Kenneth Patchen

Be music, night,
That her sleep may go
Where angels have their pale tall choirs

Be a hand, sea,
That her dreams may watch
Thy guidesman touching the green flesh of the world

Be a voice, sky,
That her beauties may be counted
And the stars will tilt their quiet faces
Into the mirror of her loveliness

Be a road, earth,
That her walking may take thee
Where the towns of heaven lift their breathing spires

O be a world and a throne, God,
That her living may find its weather
And the souls of ancient bells in a child's book
Shall lead her into Thy wondrous house



§



Kenneth Patchen oraliza dois poemas, em vídeo com cenas de seu contexto histórico.


§


Eve Of St. Agony Or The Middleclass Was Sitting On Its Fat
Kenneth Patchen

Man-dirt and stomachs that the sea unloads; rockets
of quick lice crawling inland, planting their damn flags,
putting their malethings in any hole that will stand still,
yapping bloody murder while they slice off each other’s heads,
spewing themselves around, priesting, whoring, lording
it over little guys, messing their pants, writing gush-notes
to their grandmas, wanting somebody to do something pronto,
wanting the good thing right now and the bad stuff for the other boy.
Gullet, praise God for the gut with the patented zipper;
sing loud for the lads who sell ice boxes on the burning deck.
Dear reader, gentle reader, dainty little reader, this is
the way we go round the milktrucks and seamusic, Sike’s trap and Meg’s rib,
the wobbly sparrow with two strikes on the bible, behave
Alfred, your pokus is out; I used to collect old ladies,
pickling them in brine and painting mustaches on their bellies,
later I went in for stripteasing before Save Democracy Clubs;
when the joint was raided we were all caught with our pants down.
But I will say this: I like butter on both sides of my bread
and my sister can rape a Hun any time she’s a mind to,
or the Yellow Peril for that matter; Hector, your papa’s in the lobby.
The old days were different; the ball scores meant something then,
two pill in the side pocket and two bits says so; he got up slow see,
shook the water out of his hair, wam, tell me that ain’t a sweet left hand;
I told her what to do and we did it, Jesus I said, is your name McCoy?
Maybe it was the beer or because she was only sixteen but I got hoarse
just thinking about her; married a john who travels in cotton underwear.
Now you take today; I don’t want it. Wessex, who was that with I saw you lady?
Tony gave all his dough to the church; Lizzie believed in feeding her own face;
and that’s why you’ll never meet a worm who isn’t an antichrist, my friend,
I mean when you get down to a brass tack you’ll find some sucker sitting on it.
Whereas. Muckle’s whip and Jessie’s rod, boyo, it sure looks black
in the gut of this particular whale. Hilda, is that a .38 in your handbag?


Ghosts in packs like dogs grinning at ghosts
Pocketless thieves in a city that never sleeps
Chains clank, warders curse, this world is stark mad


Hey! Fatty, don’t look now but that’s a Revolution breathing down your neck.



§


Leia abaixo um artigo meu sobre o norte-americano, tratando mais uma vez sobre a questão dificílima política x / + poética, com uma tradução para um dos meus poemas favoritos de Kenneth Patchen.


§


"A poesia ativa de Kenneth Patchen"

por Ricardo Domeneck

(artigo publicado a 2 de março de 2009 na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co.)

O poeta estadunidense Kenneth Patchen nasceu na pequena cidade de Niles, no estado de Ohio, em 1911. Contemporâneo de poetas que se tornariam muito importantes no pós-guerra, como Charles Olson (nascido em 1910), John Cage (nascido em 1912) ou Robert Duncan (nascido em 1919), Kenneth Patchen inicia suas atividades poéticas em um dos períodos mais tumultuados da história dos Estados Unidos, em plena Depressão pós-1929, unindo-se a poetas como os que se ligaram à comunidade dos Objectivists (Louis Zukofsky, George Oppen, Lorine Niedecker, Carl Rakosi, Charles Reznikoff) e poetas "independentes" como Kenneth Rexroth, Muriel Rukeyser, Langston Hughes, Robinson Jeffers e Kenneth Fearing.

Esta "geração" de poetas, que se tornaria ativa no período entre-guerras, foi a mais politizada que o modernismo americano gerou. Trata-se de uma geração de poetas ativistas. Entre o liberalismo democrático-esquerdista de Cummings ou Williams e as tendências de Lewis ou Pound à direita (sem mencionar a posição conservadora de Eliot), estes poetas da década de 20 e 30 assumiram altos riscos da ação política, na vida e na escrita, muitos ligados ao Partido Comunista americano. Ninguém está sugerindo que sua poesia seja lida por causa de seu engajamento político. Mas é também um equívoco que eles não sejam lidos pelo mesmo motivo. Pois o cânone, que muitos crêem ser "incondicionado e neutro", exilou por décadas muitos destes poetas por motivos políticos. Basta ler seus poemas para saber que eles teriam muito a nos ensinar se suas obras tivessem a visibilidade que a seleção oficial do cânone provê a seus eleitos.

Mas estes poetas realmente levavam a sério suas est-É-ticas. George Oppen e Kenneth Fearing abandonaram a escrita pelo ativismo político, foram investigados pelo FBI e pelo comitê do senador Joseph McCarthy, voltando a publicar no fim da década de 50. Oppen se exilaria no México, antes de retornar aos Estados Unidos e publicar livros importantes como The Materials (1962) e Of Being Numerous (1968). Sem abandonar a poesia, Muriel Rukeyser seguiu com seu trabalho de resistência, sendo também perseguida e investigada. Louis Zukofsky incorporou escritos políticos (até mesmo fragmentos d´O Capital, de Marx) em seu épico A, e o anarquismo de Kenneth Rexroth seria fundamental para a educação política de poetas mais jovens, como os Beats.

O período entre as duas Grandes Guerras foi marcado pela reação às vanguardas da primeira década no âmbito anglófono. Quando pensamos hoje na fama de poetas como Ezra Pound, Gertrude Stein e William Carlos Williams, é fácil esquecer que estes poetas estavam completamente soterrados e quase esquecidos até meados da década de 50 e 60, quando poetas mais jovens, como Allen Ginsberg, Jack Spicer, Frank O´Hara e John Ashbery começaram a recuperar seus trabalhos, em reação à crítica unívoca e à poesia que eram pregadas pelos New Critics, baseadas na poética tardia de T.S. Eliot e W.H. Auden, que imperaram nas décadas de 40 e 50, formando a parte mais visível e oficial do cânone. Algo muito parecido ocorreu no Brasil, com o Grupo de 45 reagindo contra os primeiros modernistas brasileiros, acusando-os de "falta de seriedade e profundidade", tomando muitos dos parâmetros dos New Critics para sua poética. Qualquer semelhança com o momento atual não é mera coincidência. Humor, a quebra das dicotomias entre as tais de cultura erudita e cultura popular, linguagem coloquial e experimentação sintática, uma alta consciência histórica sobre a posição social do poeta, assim como o envolvimento político explícito eram (e ainda são) vistos como uma espécie de traição da causa "propriamente poética". Mas, para poetas como Patchen, Oppen ou Rukeyser, assim como mais tarde para os poetas ligados à revista L=A=N=G=U=A=G=E, toda escrita tem implicações políticas, mesmo naqueles autores que se sonham "neutros e universais", mascarando, de certa forma, sua posição política, assim como dissimulam sua visão subjetiva em uma linguagem que se sonha realmente objetiva.

Talvez algo próximo daquilo que escreveu Wittgenstein, de que ética e estética são uma só?

Em poetas como Ezra Pound e Louis Zukofsky, para citar posicionamentos distintos, isto se refletia de forma direta na escrita. George Oppen o faz de forma mais implícita, em poemas como os do livro Of Being Numerous. Kenneth Patchen tem límpidos poemas de amor, sem "sombra" de ativismo político (a resistência pela negação, como queria Theodor Adorno no ensaio "Lírica e sociedade"?) e textos em que ele se entrega à resistência declarada ao sistema e à guerra. Devemos contornar a política de um poeta para poder ler seus textos? A política de direita de Ezra Pound? A marxista de Louis Zukofsky? A política impede nossa apreciação dos poemas de A Rosa do Povo (1945), de Carlos Drummond de Andrade? É mais implícita e discreta em A Educação pela Pedra (1966), de João Cabral de Melo Neto? Devemos separar os poemas "condicionados" dos "incondicionados" na obra de poetas como Kenneth Patchen? Há poemas incondicionados?

Se os primeiros modernistas encontraram seus "defensores" entre os mais jovens (ainda que muitos sigam negligenciados), os poetas da década de 30 não tiveram a mesma sorte. Sob a "acusação" de serem "meros poetas políticos", perseguidos pelo establishment literário paranóico e histérico da Guerra Fria, bons autores como Kenneth Patchen, Muriel Rukeyser, Louis Zukofsky e George Oppen seguem à margem da historiografia literária e poética americana e mundial. Apenas nos últimos anos o excelente trabalho de George Oppen, por exemplo, parece começar a dar sinais de estabelecer-se como incontornável.

§

First Will and Testament
Kenneth Patchen

I here deliver you my will and testament, in which you
will find that what I am is not at all what I would: I
make no demand that you be just in weighing it, for I
know that you will be so for your own sake; but I do
charge you by the religion of poetry itself not to sneer
at some things which may seem strange to you, for I
have burnt no house but my own and nobody will
force you to warm yourself at its heat.



Aqui entrego a vocês meu testamento, no qual
descobrirão que o que sou não é por certo o que seria: eu
não exijo que sejam justos ao ponderar sobre ele, pois eu
sei que o serão para o seu próprio bem; no entanto, eu
comando pela religião mesma da poesia que não zombem
daquilo que possa lhes parecer estranho, pois eu
não queimei casa alguma além da minha e ninguém
há-de forçar que vocês se aqueçam em seu fogo.

(tradução de Ricardo Domeneck)

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Aqueles que se reuniram em uma comunidade, como os Objectivists, têm recebido mais atenção nos últimos anos, e começam a estabelecer seus lugares no cânone historicamente elíptico. Poetas independentes como Kenneth Patchen, Muriel Rukeyser, Kenneth Rexroth acabaram soterrados sob a fama daqueles que eles próprios ajudaram a educar e formar, como os media darlings dos Beats: Ginsgerg, Kerouac e colegas.

Muito do que vemos de inovação nos Beats e autores da New York School (Ashbery, O´Hara, etc), por exemplo, foi iniciado por poetas como Kenneth Patchen, Langston Hughes e Kenneth Rexroth, como a criação da jazz poetry, o retorno à tradição bárdica, o ativismo político, a boemia entre a costa Leste e Oeste americanas, a recuperação de técnicas dadaístas e a tentativa de quebra do dualismo arte/vida.

Kenneth Patchen colaborou com músicos como Charles Mingus e John Cage, gravando muitos poemas oralizados ao som do jazz, prática que Jack Kerouac tornaria mais tarde célebre.

Pelo menos dois romances de Kenneth Patchen são considerados obras únicas na língua inglesa: The Journal of Albion Moonlight (1941) e The Memoirs of a Shy Pornographer (1945). Sua escrita fluida, dividindo-se entre a claridade de um Catulo na poesia e a densidade de um Beckett na prosa, lembra-me a figura fugidia e plural de Hilda Hilst.

Eu acredito que o trabalho de Kenneth Patchen oferece interesse formal para os jovens poetas contemporâneos. Sua obra entrega-se a muitas práticas distintas e plurais, em escrita e em performance oral, criação sonora e composição visual, em prosa-poesia e poesia-prosa. Se os norte-americanos não estão muito interessados, o azar é deles. Devoremos nós a Patchen.


--- Ricardo Domeneck


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Abaixo, a excepcional poesia pictórica de Kenneth Patchen, que nos lembra o trabalho visual de brasileiros como Valêncio Xavier e Sebastião Nunes. Kenneth Patchen os chamava de picture poems.


PICTURE POEMS, Kenneth Patchen









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terça-feira, 10 de maio de 2011

Nossa contemporânea Gertrude Stein!


Esta é uma nota para pedir aos leitores deste espaço, para sua própria alegria, que, aconteça o que acontecer, não deixem de ler na franquia eletrônica da Modo de Usar & Co. a palestra de Gertrude Stein intitulada "Composição como explicação", com tradução de Andrea Mateus, que já havíamos publicado em 2009 na revista impressa e agora disponibilizamos a todos na franquia eletrônica.





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domingo, 8 de maio de 2011

Das canções favoritas: "I will dare", da banda The Replacements

The Replacements


"I will dare" é a canção que abre o álbum Let It Be (1984), terceiro da banda de Minneapolis, formada em 1979 e ativa até 1991. Vocês podem escutá-la abaixo. A imagem é a capa do álbum, também gosto muito dela, não sei bem o porquê. A discografia do grupo é formada por Sorry Ma, Forgot to Take Out the Trash (1981), Hootenanny (1983), Let It Be (1984), Tim (1985), Pleased to Meet Me (1987), Don't Tell a Soul (1989) e All Shook Down (1990).




"I will dare", do álbum Let It Be (1984), The Replacements


O vocalista e letrista Paul Westerberg (n. 1959) é um dos meus cantores favoritos no rock, e seus textos são muito legais, inteligentes, simples, diretos. Quis compartilhá-la, caso alguém não a conheça, ou talvez não a tenha escutado há muito tempo. Abaixo, uma apresentação ao vivo, com Westerberg à frente.







I will dare
Paul Westerberg (The Replacements)


How young are you?
How old am I?
Let's count the rings around my eyes

How smart are you?
How dumb am I?
Don't count any of my advice

Oh, meet me anyplace or anywhere or anytime
Now I don't care, meet me tonight
If you will dare, I might dare

Call me on Thursday, if you will
Or call me on Wednesday, better still
Ain't lost yet, so I gotta be a winner
Fingernails and a cigarette's a lousy dinner
Young, are you?

Meet me anyplace or anywhere or anytime
Now, I don't care, meet me tonight
If you will dare, I will dare


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sexta-feira, 6 de maio de 2011

Traduzindo e comentando um poema satírico de Ernst Jandl, com menções a certa poesia contemporânea brasileira com veia satírica



O poeta, tradutor e editor alemão Timo Berger me convidou a traduzir o famoso poema de Ernst Jandl (1925 - 2000) intitulado "lichtung", de seu livro de estreia e um dos seus mais queridos, laut und luise (1966), para uma edição sobre tradução da revista alemã Kulturaustausch. O poema, um dos mais curtos que já traduzi, foi também um dos mais trabalhosos. Na verdade, desisti várias vezes, e só por insistência de Timo, que queria um versão lusófona de qualquer jeito, foi que saiu esta minha, para a qual tomei muitas liberdades (como sempre).

O poema trabalha com as palavras alemãs links e rechts, ou seja, esquerda e direita, mas encena algo como um poeta que sofresse de um distúrbio fonético, confundindo o L e o R, criando as palavras "rinks" e "lechts". Jandl segue isso pelo poema, trocando o L e o R a cada ocorrência. Vejam abaixo o original:

............................lichtung
............................Ernst Jandl

............................manche meinen
............................lechts und rinks
............................kann man nicht
............................velwechsern
............................werch ein illtum!



Uma tradução literal seria, ignorando o jogo de troca fonética: "alguns acham / que esquerda e direita / não se confundem / mas que equívoco!"

No terceiro verso, o verbo verwechseln, que significa "confundir", "trocar" (e tem em si ocorrência tanto do L como do R), sofre a mesma troca das letras, assim como a palavra irrtum, em que o R ocorre duas vezes e que significa "confusão", "equívoco", torna-se illtum; welch, "qual" ou "que", torna-se werch.

Parece-me um epigrama satírico muito eficiente. É óbvio que ninguém está sugerindo que isso substitua as Elegias de Duíno. Aos xiitas-órficos, eu recomendo: leiam Ovídio, queridos, mas leiam também Marcial. Cada qual cumpre uma função poética distinta e necessária.

Aqui, Jandl não está fazendo apenas um joguinho de palavras. Pois obviamente não se trata apenas das direções "esquerda" e "direita", mas de política. É quase profético quando pensamos que ele o escreveu na década de 60, muito antes do que se tornaria norma em nosso tempo: a confusão completa entre política de esquerda e política de direita, todos nas águas do neoliberalismo econômico. Basta pensar, por exemplo, na política econômica do Governo de Lula, no Partido Social Democrata alemão, e, de forma gritante, na política econômica de Barack Obama, que mantém no Governo americano os mesmos homens que levaram a economia mundial à beira do desastre em 2008, deixando um rastro de desemprego e pobreza em sua cauda. Sobre este último assunto, recomendo, e muito, assistir ao documentário Inside Job (2010), de Charles Ferguson.



Trailer do documentário Inside Job (2010), de Charles Ferguson


No Brasil, terra dos ótimos Gregório de Matos e Sapateiro Silva, poucos poetas demonstraram talento inato para a sátira, algo muito diferente de "humor em poesia". Poesia satírica é coisa muito séria, não é apenas "poema piada". Em alguns textos, Oswald de Andrade vai além da piada. No pós-guerra, poderíamos mencionar Sebastião Nunes e Zuca Sardan. O Glauco Mattoso do Jornal Dobrabil. Dentre os poetas surgidos na década de 70, há ainda Chacal, dentre os ligados à retomada das estratégias de vanguarda, eu citaria com certeza Affonso Ávila e Paulo Leminski em seus melhores momentos, e em Noigandres isso só comparece em Décio Pignatari, o único concretista que parece ter olhos e ouvidos para a sátira, da qual o "beba coca-cola" é o exemplo mais conhecido e o aproxima de Ernst Jandl.


O famoso poema visual de Décio Pignatari



Há outros, esta lista não se quer completa. Na poesia contemporânea, já escrevi um artigo a respeito da veia satírica de poetas como os gaúchos Angélica Freitas e Marcus Fabiano e o paulista Marco Catalão, por exemplo, em que me referi a textos ainda do paulista Dirceu Villa, do paraense Gabriel Beckman e do carioca Gregorio Duvivier. Poderia ter ainda mencionado alguns poemas de Pádua Fernandes ou Ismar Tirelli Neto, e, mesmo que se refira sempre a Virgílio, os poemas recentes de Érico Nogueira, como "Deu branco" e o inédito "Poesia bovina" (que sairá no terceiro número impresso da Modo de Usar & Co.), o aproximam mais de Catulo e Marcial, em minha opinião. O próximo número impresso da Modo de Usar & Co. terá ainda, entre várias outras coisas legais, um poema satírico inédito da cearense Érica Zíngano de que gostei bastante.

Bem, comecei este artigo para falar sobre minha tradução do poema de Jandl para o português. Há dificuldades imensas: em primeiro lugar, esquerda e direita são palavras muito mais longas que links e rechts, mas o problema principal é sonoro: ao contrário das palavras alemãs, que começam com consoantes, uma das palavras lusófonas começa com vogal, o que gera problemas quase intransponíveis. Em segundo lugar, o poema é muito preciso em sua escolha vocabular, era necessário que a troca em português das letras E e D (esquerda e direita) permitisse a mesma troca nas possíveis traduções de verwechseln e irrtum. Depois de quebrar a cabeça, optei por transformar o epigrama de sátira política de Jandl em um epigrama de sátira ético-estética em português, o que parece estar na pauta das últimas polêmicas literárias no Brasil. Em vez de "esquerda" e direita", optei por "bom" e "ruim", com a troca entre B e R. Não é ideal, mas funciona e foi o que publiquei na revista Kulturaustausch. Para a aliteração em "manche meinen", optei por uma espécie de assonância/aliteração em "alguns alegam". Abaixo, a versão:

............................mobal da históbia

............................alguns alegam
............................rom e buim
............................não se pode
............................enrabalhar.
............................mas que rubbice!

("tradução" minha, publicada na revista alemã Kulturaustausch número 61.)


Verifiquei e consultei uma amiga editora, gramaticalmente tanto "pode" como "podem" seriam aceitáveis, ainda que "podem" seja considerada "boa concordância". Como eu estava trocando "bom" e "ruim", achei por bem evitar a boa concordância! Vocês acham isso ruim? Talvez seja o caso de intitulá-lo apenas "mobal", para manter o título de uma palavra só de Jandl, "lichtung". Eu também creio que em publicação futura tirarei aquele "mas" do último verso, deixando:

............................mobal

............................alguns alegam
............................rom e buim
............................não se pode
............................enrabalhar.
............................que rubbice!

Em tempos de assassinatos políticos, com narrativas de heróis e vilões, mocinhos e bandidos, uma espécie de Hollywoodização da História, eu teria gostado muito de encontrar uma versão que usasse bom e mau, o que teria sido melhor, já que há realmente pessoas que trocam o L e o R, e ocorre também em certos distúrbios a troca entre o B e o M. Mas o simples fato de haver B e M em bom já o impedia, de certa forma. Eu segui, mesmo assim, e cheguei até: "boral // alguns alegam / mob & bau / não se pode" e empaquei em busca de algum verbo que chegasse perto de "trocar" ou "confundir" e no qual houvesse tanto M como B, mas não encontrei. Poderia usar "embaralhar", com "ebmaralhar", mas não sei se funciona. Seria ainda necessário encontrar uma tradução para irrtum em que ocorresse duas vezes o M ou o B. Se alguém tiver uma sugestão, sou todo olhos e ouvidos!

Espero que bom e ruim cumpram papel parecido e funcionem. Vida longa à poesia de Ernst Jandl e aos poetas satíricos do mundo.


Ernst Jandl


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quinta-feira, 5 de maio de 2011

Apropriação e paródia: cartaz de maio para a SHADE inc, seguido de programa ilustrado do mês

Convite e cartaz de maio de 2011 para a SHADE inc. Para quem nunca os viu antes: a ideia é apropriar-se, reencenar ou parodiar imagens fotográficas conhecidas do século passado, da arte ou do fotojornalismo. Este mês o jogo foi com uma de minhas favoritas: "Le saut dans le vide" (1960) – o salto para o vazio de Yves Klein (1928 – 1962). Eu diria que desta vez foi menos uma paródia que uma homenagem escancarada.


Clique na imagem para aumentá-la.


Maio de 2011. Concebido pelo coletivo SHADE,
fotografado e produzido por Niklas Goldbach.



Para quem não reconhece a foto, veja a original de Yves Klein abaixo.


Yves Klein - "Salto para o vazio" (1960)


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Programa ilustrado deste mês
our little tiny private Cabaret Voltaire


Quarta-feira, 4 de maio de 2011.


A noite de ontem foi uma daquelas que ficarão na minha memória por algum tempo, forte o bastante para resistir a todos os goles de tequila por vir. Dois ícones do nosso subterrâneo abriram a noite: um concerto cowpunk do canadense Glen Meadmore, com participação especial da lendária e única Vaginal Davis. Por volta das 2:30 da manhã, uma apresentação divertidíssima e sorridente da nova-iorquina Cherie Lily, deliciosa. Além destas criaturas de outra dimensão, DJ sets dos meus queridos Marius Funk e Dickey Doo. Na plateia: Peaches, Larry Tee, Joel Gibb, Danni Daniels e outros queridos.




Glen Meadmore e seu cowpunk




Cherie Lily e sua houserobics


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Quarta-feira, 11 de maio de 2011.


Na próxima quarta, teremos um show de uma banda de Frankfurt chamada Les Trucs e um DJ set do meu amigo Florian Pühs, vocalista e letrista da banda synthpunk alemã Herpes e também produtor de música eletrônica.



Les Trucs (Frankfurt) - "Waiting for my superhero skills to come out"




Florian Pühs - "Reproduction"


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Quarta-feira, 18 de maio de 2011.


Nesta noite, discoteca nosso companheiro de coletivo Daniel Reuter, também conhecido como Almost Straight, e trago novamente Bryan Kessler a Berlim, um moço muito novo de Colônia, que eu acho muito talentoso. Ficando aos poucos bastante conhecido como singer/songwriter, mas que eu tenho convidado a cada três meses para vir nos visitar e tocar um belo set de tecno. Muito fofo o moço. Ele é da nova geração de rapazes aqui na Alemanha que levam as macacas de auditório à l-o-u-c-u-r-a quando sobem ao palco. Acho muito divertido assistir às/aos groupies que vêm ao clube só para vê-lo discotecar. Bom, eu sou obrigado a entender um pouco... estas madeixas dele são mesmo um sonho. Ele vem para um DJ set, mas mostro aqui a vocês uma das suas canções mais bonitinhas, é a minha favorita.




Bryan Kessler - "Memorization is treason"


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Quarta-feira, 25 de maio de 2011.


Por fim, encerrando o mês, voltam ao clube meus queridos Marius Funk e Simon Zachrau, que discotecam pelo menos uma vez por mês. Dois queridos. Deixo vocês com mix de Marius Funk.








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