segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Dois poemas da Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005)

Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios (Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2005)



O pão partido

Houvesse um telefonema,
haveria uma voz; eu
emagreço, que prazer
ajustar-se melhor
aos ossos. Levitar
até o teto; basta mover-se
na direção certa
para viver de inverno
em inverno. Meu corpo
seu estrado, o colchão
a falta, em concha
peito e costas
aconchegam-se
em útero: e a falta
redobrada.
O cordão umbilical uma
ausência explícita, que
digestão suporta
uma hóstia?
A boca abre-se à
expectativa,
saliva
produzida nas glândulas
da anunciação.
Pão partido, corpo prurido
every single time.
Mas separam-nos
o jejum e as
orações de minha mãe,
a possibilidade
de um oceano
e seu condiloma
imaginado.
É 1654 e cavalos
(oito) tentam separar
as duas metades de
uma esfera unidas
pelo vácuo; em apenas
dois por cento das caças
um urso polar
tem sucesso mas
seu pêlo é branco! e oco
para conduzir melhor o sol;
brilhar e desaparecer:
camuflagem perfeita e o único
predador a fome.
A hóstia sempre
um prelúdio,
não uma rememoração.


Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios (2005).


§


Separatismo

Seu olho fisga-me dentre
os outros repuxa a pele
e reabre o corte faz-me
acreditar num anzol
dedicado
à minha boca enquanto a
expectativa infecciona
sob minha língua repetindo é hoje
é hoje e eu não
queria voltar a existir
como se à entrada
de uma estação de
metrô tocando xilofone
para os transeuntes à espera
da moeda a certa a desejada você
cantarola Crush
with eyeliner
ele
caminha até o som Too drunk
to fuck
soa
no quarto poemas não
o impressionam inútil
citar aquela poetisa
polonesa de que você gosta
tanto discorrer sobre a palavra yes
nos poemas
de e.e. cummings narrar
a morte estúpida
de Ingeborg Bachmann aduzir
como ele adoraria Yehuda
Amichai ou chiar améns não ele
folheia panfletos
anarquistas mimeografados
textos de escritores
judeus cheios de sarcasmo e ri
sozinho na cama você
se olha no espelho e sabe
de antemão que não
adianta tentar
um moicano você nasceu
para usar
óculos sua visão perfeita
20/20 sempre
foi na verdade um insulto mas como
é bom ouvi-lo sobre a infância
na Berlim dividida os pais
anarquistas o erro
a reunificação (der Anschluss
como ele diz) as dificuldades
de ser possuído por pai
alemão e mãe
judia passar o sábado
todo assistindo-
o vê-lo observar o sábado pedir pelo
que é kosher sim querido começa
em alguns dias a Chanukka
quando em um cerco inimigo
ao templo o óleo
suficiente para apenas um dia queimou
durante oito a perseverança do óleo me
cai bem


Ricardo Domeneck, Carta aos anfíbios (2005).


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