terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Vídeo com Luis Felipe Fabre, lendo seus "Villancicos del Santo Niño de las Quemaduras", do livro La Sodomía en la Nueva España (2010)


Luis Felipe Fabre (Ciudad de México, 1974) vocaliza seus "Villancicos del Santo Niño de las Quemaduras",
do livro LA SODOMÍA EN LA NUEVA ESPAÑA (Madrid: Pre-Textos, 2010).
Gravado por Ricardo Domeneck, especial para a MODO DE USAR & CO.



O villancico, conhecido em português como vilancete, é uma composição poética geralmente musicada, comum na Península Ibérica nos séculos XV e XVI, praticada por poetas-compositores como Juan del Encina (1468 - 1529) e transplantada com muito talento no século XVII para a América Espanhola, por exemplo, por Sóror Juana Inês de la Cruz (1651 – 1695). Trata-se de poesia lírica irmanada a formas como a canção de amigo galego-portuguesa, a jarcha/moaxaja moçárabe e aos textos dos romanceiros ibéricos em geral.

Villancico
Juan del Encina

Floreció tanto mi mal,
sin medida,
que hizo secar mi vida.

Floreció mi desventura
y secósse mi esperança;
floreció mi gran tristura
con mucha desconfïança;
hizo mi bien tal mudança,
sin medida,
que hizo secar mi vida.

Hase mi vida secado,
con sobra de pensamiento;
ha florecido el cuydado,
las passiones y el tormento;
fue tanto mi perdimiento,
sin medida,
que hizo secar mi vida.

Fin

Secósse todo mi bien,
con el mal que floreció;
no sé cúyo soy ni quién,
quel plazer me despidió;
tanto mi pena creció,
sin medida,
que hizo secar mi vida.



Mais tarde, como se dá na Obra de Sóror Juana, a forma poética passou a ser composta exclusivamente com temas religiosos, como a assunção da Virgem e o nascimento de Cristo, e passou a ser empregada nas festividades católicas. Os vilancetes eram cantados por um solista e um coro.

Por exemplo, compostos para as celebrações do Natal de 1689 e cantados na Catedral de la Puebla de los Ángeles, os Villancicos de Navidad de Sóror Juana Inês de la Cruz iniciam-se:


Villancico de Navidad (1689)
Sóror Juana Inês de la Cruz

Primero Nocturno

Villancico I

Por celebrar del Infante
el temporal Nacimiento,
los cuatro elementos vienen:
Agua, Tierra, y Aire y Fuego.
Con razón, pues se compone
la humanidad de su Cuerpo
de Agua, Fuego, Tierra y Aire,
limpia, puro, frágil, fresco.
En el Infante mejoran
sus calidades y centros,
pues les dan mejor esfera
Ojos, Pecho, Carne, Aliento.
A tanto favor rendidos,
en amorosos obsequios
buscan, sirven, quieren, aman,
prestos, finos, puros, tiernos.



Sóror Juana atingiu grande sofisticação filosófica e poética em seus vilancetes. Seus Villancicos de la Asunción (1676) têm composições em castelhano, latim e tocotín, uma língua que mesclava o castelhano e o náhuatl, sem mencionar o Vilancete VII do "Tercero Nocturno" deste mesmo texto de 1676, em que se equipara com maestria à elegância da wit de seus contemporâneos europeus, como os metafísicos ingleses mais jovens Andrew Marvell (1621 – 1678) e Henry Vaughan (1622–1695).

Lançado no ano passado, La Sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010), de Luis Felipe Fabre (Cidade do México, 1974), é um belíssimo trabalho de reconstituição poético-histórica do período de perseguição a homossexuais na Nova Espanha que culminou nos anos de 1657 e 1658, levando à execução (queimados na fogueira) de muitos homens na Cidade do México, como no caso de Juan de la Vega, conhecido como la Cotita. Baseando-se textualmente em documentos da época, Luis Felipe Fabre faz uma reconstituição e resgate ao dar voz aos acusados, mas, retomando a linguagem alegórica barroca do período, dá também voz à Santa Doutrina contra o "pecado nefando", ao Silêncio e ao Fogo que os consomem e retoma formas históricas como o villancico, o que traz mais de uma implicação est-É-tica ao livro, ao usar uma forma praticada com esmero por uma poeta religiosa como Sóror Juana, ela própria acusada e atacada sob suspeita de lesbianismo, ela que se aproxima de Safo de Lesbos ao cantar versos tão belos quanto estes para uma mulher chamada Filis:

Ser mujer, ni estar ausente,
no es de amarte impedimento;
pues sabes tú que las almas
distancia ignoran y sexo
.


Penso no que escreve Walter Benjamin sobre o "historiógrafo perfeitamente convencido que diante do inimigo, e no caso deste vencer, nem sequer os mortos estarão em segurança. E este inimigo não tem cessado de vencer".

Em seus "Villancicos del Santo Niño de las Quemaduras", Luis Felipe Fabre retoma o episódio em que um dos acusados e queimados na fogueira em 1658 teve como prova e evidência contra si o fato de haverem encontrado em sua casa uma estátua do Menino Jesus queimada. Segundo a história, ele a teria queimado em um momento de fúria por não lhe ter sido permitido estar com seu amante.

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Luis Felipe Fabre, acompañado por Daniel Saldaña París y Paula Abramo,
lee fragmentos de su libro La sodomía en la Nueva España (Pre-Textos, 2010),
durante su participación en el festival Poesía en Voz Alta.
Ciudad de México. 23 de septiembre de 2010.


§

La Sodomía en la Nueva España está entre os melhores livros de poesia contemporânea que li nos últimos tempos, e parece estar ligado a uma retomada da poesia lírica de forma extremamente consciente de sua historicidade, o que por vezes nos recorda o trabalho lírico dos Objetivistas Norte-Americanos dos anos 1930, trabalho de grande beleza e inteligência que também sinto nos livros El baile de las condiciones (Ciudad de México: Práctica Mortal, 2011), do mexicano Óscar de Pablo; e ainda no excelente La lírica está muerta (Bahía Blanca: Vox Senda, 2011), do argentino Ezequiel Zaidenwerg. Em sua retomada de uma forma lírica que tem suas origens na poesia medieval, o contexto atual da poesia latino-americana em que este trabalho de Luis Felipe Fabre se insere fez-me pensar também no último livro da brasileira Jussara Salazar, que acaba de ser lançado: Carpideiras (Rio de Janeiro: 7Letras, 2011), guardadas as devidas distâncias contextuais entre a retomada barroca dos villancicos de Fabre e a retomada das cantorias, coros e retábulos de Salazar. Unidos ao que venho chamando de lírica analítica nos trabalhos de poetas brasileiros como os cariocas Juliana Krapp, Marília Garcia e agora Victor Heringer, assim como a exuberância pluriformal dos últimos poemas de Dirceu Villa, parece cada vez mais claro que os que sambaram sobre o esquife vazio da Poesia Lírica certamente não a viram gargalhando à janela do velório, ainda que seja o caso, segundo a visão de Ezequiel Zaidenwerg, de "que la lírica es más bien un zombie que está muerto ab origine y que, por más que intenten matarlo, siempre vuelve a aterrorizarnos".


Luis Felipe Fabre, La sodomía en la Nueva España (Madrid: Pre-Textos, 2010)

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