domingo, 22 de julho de 2012

Traduzindo Violeta Parra





Violeta Parra foi uma poeta lírica (no sentido mais completo do termo) e artista visual chilena. Membro importante e decisivo do que ficaria conhecido como La Nueva Canción Chilena, é uma das mais conhecidas e amadas poetas latino-americanas. Nasceu em San Fabián de Alico ou San Carlos a 4 de outubro de 1917 no seio da família Parra, irmã do grande poeta Nicanor Parra, da folclorista e compositora Hilda Parra, do dramaturgo Roberto Parra, e ainda do músico e escritor Lautaro Parra, sem mencionar seus filhos, alguns destes hoje também importantes músicos e compositores do país. Após o fracasso do seu projeto com a comuna de La Reina e o abandono de seu companheiro de longa data Gilbert Favre, Violeta Parra escreveu os poemas-canções do álbum Las últimas composiciones (1966), que inclui poemas líricos dolorosos como "Que he sacado con quererte?".


Deste álbum, traduzi o destruidor e desesperado "Maldigo del alto cielo", um dos mais violentos poemas-canções de abandono e desamor do século XX. Três meses após o lançamento do álbum que inclui a famosa "Gracias a la vida", outro poema-canção violentíssimo em sua ironia, Violeta Parra levou uma arma de fogo à têmpora e puxou o gatilho, em Santiago do Chile, a 5 de fevereiro de 1967, com 49 anos de idade. Abaixo, minha tradução contextualizante do poema, a canção e o original castelhano. Aos desesperados de plantão. Os desesperados e desiludidos do amor sempre fazem plantão.


§

 POEMA DE VIOLETA PARRA

Amaldiçoo no alto céu

Amaldiçoo no alto céu
a estrela e seu fogaréu,
eu amaldiçoo o corcel
e a sua crina no breu,
amaldiçoo no subsolo
a pedra e seu contorno,
amaldiçoo fogo e forno,
pois minh’alma está de luto,
amaldiçoo os estatutos
do tempo e seu modorro,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo Pico da Bandeira
e Mata Atlântica na costa,
amaldiçoo, senhor, a estreita
como a larga faixa de terra,
também a paz e a guerra,
o franco e o caprichoso,
eu amaldiçoo o cheiroso,
pois morreram meus anseios,
amaldiçoo todo o certeiro
e o falso com o duvidoso,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo a primavera
com seus jardins em flor
e do outono a sua cor,
eu o amaldiçoo deveras;
a nuvem passageira,
a amaldiçoo tanto, tanto,
pois me ajuda um quebranto.
Amaldiçoo o inverno inteiro
como o verão embusteiro,
amaldiçoo profano e santo,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo o peito varonil
e o berço esplêndido,
amaldiçoo todo emblema,
o Olimpo e o pau-brasil,
o mico-leão e o azul anil,
o Universo e seus planetas,
a terra e as suas cavernas,
pois me descorçoa uma tristeza,
amaldiçoo mar e correnteza,
seus portos e caravelas,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo lua e paisagem,
as praias e os desertos,
amaldiçoo morto por morto
e os vivos, do rei ao pagem,
a ave com sua plumagem,
os amaldiçoo como artífice,
os professores e pontífices,
pois me flagela uma dor,
amaldiçoo a palavra amor
com toda a sua porquice,
quanto durará minha dor.

Amaldiçoo enfim o branco,
o preto e o amarelo,
os bispos e os ateus,
hospitais e ministérios,
os amaldiçoo chorando;
o livre e o prisioneiro,
ao manso e ao brigão
eu jogo minha maldição,
em grego e em palavrão
por culpa de um traidor,
quanto durará minha dor.

(tradução de Ricardo Domeneck,
publicada originalmente no terceiro número impresso
da Modo de Usar & Co.)


 

§

Maldigo del alto cielo
Violeta Parra


Maldigo del alto cielo
La estrella con su reflejo
Maldigo los azulejos
Destellos del arroyuelo
Maldigo del bajo suelo
La piedra con su contorno
Maldigo el fuego del horno
Porque mi alma está de luto
Maldigo los estatutos
Del tiempo con sus bochornos
Cuánto será mi dolor.


Maldigo la cordillera
De los Andes y de la costa
Maldigo señor la angosta
Y larga faja de tierra
También la paz y la guerra
Lo franco y lo veleidoso
Maldigo lo perfumoso
Porque mi anhelo está muerto
Maldigo todo lo cierto
Y lo falso con lo dudoso
Cuánto será mi dolor.


Maldigo la primavera
Con sus jardines en flor
Y del otoño el color
Yo lo maldigo de veras
A la nube pasajera
La maldigo tanto y tanto
Porque me asiste un quebranto
Maldigo el invierno entero
Con el verano embustero
Maldigo profano y santo
Cuánto será mi dolor.


Maldigo a la solitaria
Figura de la bandera
Maldigo cualquier emblema
La venus y la araucaria
El trino de la canaria
El cosmo y sus planetas
La tierra y todas sus grietas
Porque me aqueja un pesar
Maldigo del ancho mar
Sus puertos y sus caletas
Cuánto será mi dolor.


Maldigo luna y paisaje
Los valles y los desiertos
Maldigo muerto por muerto
Y al vivo de rey a paje
Al ave con su plumaje
Yo la maldigo a porfia
Las aulas , las sacrsitias
Porque me aflije un dolor
Maldigo el vocablo amor
Con toda su porquería
Cuánto será mi dolor.


Maldigo por fin lo blanco
Lo negro con lo amarillo
Obispos y monaguillos
Ministros y predicantes
Yo los maldigo llorando
Lo libre y lo prisionero
Lo dulce y lo pendenciero
Le pongo mi maldición
En griego y español
Por culpa de un traicionero
Cuánto será mi dolor.


.
.
.



Nenhum comentário:

Arquivo do blog