segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

"Ciclo del amante sustituible" (Barcelona: Kriller71 Ediciones, 2014)



Ciclo del amante sustituible (Barcelona: Kriller71 Ediciones, 2014).
Traducción de Aníbal Cristobo.
Prefacio de Eduard Escoffet.

em preparo

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domingo, 29 de dezembro de 2013

Jovens poetas europeus: Max Oravin



Max Oravin é um poeta austríaco, nascido na cidade de Leoben em 1984. Cresceu em Graz, e viveu por algum tempo em Reykjavik e Berlim. Vive e trabalha hoje em Jyväskylä, na Finlândia, onde tem se dedicado a pesquisar a traduzir a poesia do país para o alemão, preparando recentemente, para a revista que coedita com Max Czollek, Babelsprech, um dossiê sobre a poesia contemporânea finlandesa. Estou preparando no momento um dossiê sobre a poesia brasileira contemporânea para a mesma série da revista.



Gravação ao vivo da apresentação de Max Oravin em Jyväskylä, Finlândia, 
a 23 de novembro de 2013.



Traduções de seus poemas para o finlandês foram publicadas na revista Tuli&Savu.  Tem se concentrado sobre seu trabalho com poesia sonora e vocal, com a qual se apresenta como Oravin.




Apresentou-se em Berlim, Munique, Helsinque, Lana (Tirol) e Jyväskylä. Seu vídeo para "mein kind", mostrado e traduzido abaixo, foi exibido no festival de vídeo "extra.experimental trails" em Leipzig,  em novembro. 


POEMAS VOCAIS, TEXTOS E VÍDEOS DE MAX ORAVIN







a grande chancelaria do sol

sobre o fogo há uma rocha e sobre ela uma rocha e sobre ela uma rocha
e sobre ela a terra negra
e sobre a terra estão os pés
e sobre os pés flutua um crânio
e sobre o crânio está uma faca e costura
um pensamento

e sobre o crânio está um osso e sobre o osso os cabelos
e sobre os cabelos está o céu o inquieto amplo céu
e entre o céu estão pássaros com ossos e penas
e no crânio os pensamentos

e sobre o céu está o mundo e curva-se perante o rei

sobre o rei está um chanceler e sobre ele um chanceler maior
e sobre ele a chancelaria
a grande chancelaria do sol
e sobre o sol está a noite longa
com longos dedos frios

e sobre a noite está o dia o infindável dia
e no dia está uma faca e costura o céu
para que caia daí a luz
no dia está a faca e costura
a luz

EU ABRO MINHA BOCA
E VOCÊ INSERE UM VOCÁBULO
UM PEDREGULHO NA LÍNGUA

EU ABRO MEU OUVIDO
E VOCÊ INSERE UM VOCÁBULO
UM OSSO MASTIGADO

EU ABRO MINHA MÃO
E VOCÊ COSPE SEU VOCÁBULO
SEU VOCÁBULO SALIVADO

EU ABRO MINHA MÃO
E VOCÊ ME DÁ UMA PEDRA
E A PEDRA CRESCE EM ROCHA

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

die große kanzlei der sonne
Max Oravin

über dem feuer ist ein fels und darüber ein fels und darüber ein fels
und darüber die schwarze erde
und über der erde sind füße
und über den füßn schwebt ein hirn
und im hirn ist ein messer und stichlt
einen gedankn

und über dem hirn ist ein knochn und über dem knochn das haar
und über dem haar ist der himml der rastlose weite himml
und zwischen dem himml sind vögl mit knochn und federn
und gedankn im hirn

und über dem himml ist die welt und verbeugt sich vor dem könig

über dem könig ist ein kanzler und darüber ein größerer kanzler
und darüber die kanzlei
die große kanzlei der sonne
und über der sonne ist die lange nacht
mit langen kaltn fingern

und über der nacht ist der tag der endlose tag
und im tag ist ein messer und stichlt in den himml
damit das licht herabfällt
im tag ist ein messer und stichlt
das licht

ICH ÖFFNE MEINEN MUND
UND DU LEGST EIN WORT HINEIN
EINEN KIESL AUF DIE ZUNGE

ICH ÖFFNE MEIN OHR
UND DU LEGST EIN WORT HINEIN
EINEN ABGENAGTN KNOCHN

ICH ÖFFNE MEINE HAND
UND DU SPUCKST HINEIN
DEIN WEICHGEKAUTES WORT

ICH ÖFFNE MEINE HAND
DU GIBST MIR EINEN STEIN
UND DER STEIN WÄCHST ZUM FELS



§








profeta

eis uma pessoa a falar na língua dos anjos
e a mastigar o ar em sua boca
eis uma pessoa a deitar-se ao vento
com os braços esticados
eis uma pessoa a respirar vocábulo por vocábulo
as mãos livres de machada ou teclado
enrodilhado pela madeira
eis uma boca que gagueja
para contar não há nada

ele sabe como o zumbido eletrônico
racha o crânio ao meio
e agua a palavra para dentro
ele conhece a erva o cogumelo o álcool
a conexão inorgânica
ele sente o relâmpago nos nervos
ele sente a criança não gerada
as mãos tremem inúteis
ele sente a criança não gerada

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

prophet
Max Oravin

hier ist ein mensch der in englszungen spricht
und der die luft zerkaut in seinem mund
hier ist ein mensch der sich legt in den wind
mit ausgestrecktn armen
hier ist ein mensch der atmet wort für wort
die hände frei von faustkeil oder tastatur
gewundn ums gehölz
hier ist ein mund der stammlt
es gibt nichts zu erzähln

er weiß wie elektronisches gesirr

die schädldecke spaltet
und gießt das wort hinein
er kennt das kraut den pilz den trunk
die anorganische verbindung
er spürt die blitze in den nervn
er spürt das ungezeugte kind
die hände zittern nutzlos
er spürt das ungezeugte kind

§









o toque da língua: pedaço de carne 

quando ainda morávamos na pedra
na pedra como fazem os corais
esparramando-se no mar azul aéreo
com as próprias mãos formando o cérebro 
até que a lama do cérebro derramou-se
confluíram em canto
os neurônios sob a pele

quando ainda olhávamos a boca
e obedecíamos seu som
chilreos e vibrações
de cordas vocais dedilhadas
o toque da língua: pedaço de carne

e quando nossos uivos
sobrepujaram o barulho de tudo

quando feríamo-nos com as mãos
até que os ossos estouravam
e nada havia em nossos corpos
além de macerada e tenra carne

tenra tenra
tenra e macerada carne

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

der zungenschlag : ein fetzn fleisch
Max Oravin

als wir noch wohntn im gestein
und am gestein korallnhaft
im blaun luftmeer wuchernd
das hirn mit bloßn händn formtn
bis sich der hirnschleim löste
und nervenzelln unter der haut
verwuchsn zum gesang

als wir noch schautn auf den mund
und seinem klang gehorchtn
dem schnalzn und den vibrationen
gezupfter bänder
der zungenschlag : ein fetzn fleisch

und als wir mit gebrüll
das dröhnen aller dinge übetöntn

als wir uns schlugn mit der hand
bis alle knochn barstn
und nichts mehr blieb in unsrem leib
als weichgeklopftes fleisch

das weiche weiche
weichgeklopfte fleisch


§





Marte!

a terra é lisa e plana
pista de dança ampla
de minerais mortos
teu corpo ergue-se alto
pega os disparos dos relâmpagos

passeia com a mão pelos olhos
e encara o sol
deixa o pó de luz entrar cabeça adentro
e deixa-o dançar no cérebro

a terra é lisa e plana
e dançamos sobre minerais mortos
nossos corpos erguem-se altos
e pegam os disparos dos relâmpagos

(tradução de Ricardo Domeneck)

:

Mars!
Max Oravin

das land ist glatt und flach
ein weites tanzparkett
aus unbelebtm mineral
dein körper ragt empor
und fängt den stromschlag der blitze

wedl mit der hand vor den augn

und blinzl in die sonne
lass den lichtstaub in dein hirn hinein
und lass ihn tanzn im hirn

das land ist glatt und flach

und wir tanzn am unbelebtn mineral
unsre körper ragn empor
und fangen den stromschlag der blitze


§






meu filho

meu filho

lá fora é terra calcinada
uma terra lisa e estéril
nós a queimamos por ti
para teus pes descalços

quando tu ergues os braços 
filho partirás o vidro
enfia os cacos na boca
e tritura com os dentes
sangue na língua e gengiva

meu filho

estica os dentes retos e sorri
só uma mandíbula reta pode mastigar

QUANDO PEIDAS ARROTAS
MORRE NO CÉU UM ANJO 

tu tens que organizar as palavras na cabeça
elas não podem te elidir
tu tens que grampear sílabas à boca
costurar a língua ao palato

meu filho
meu filho

INSPIRA EXPIRA
INSPIRA EXPIRA
INSPIRA EXPIRA
INSPIRA EXPIRA
INSPIRA EXPIRA


(tradução de Ricardo Domeneck)


:

mein kind
Max Oravin

     mein kind

draußn ist verbranntes land

ein kahles glattes land
das habn wir für dich verbrannt
für deine bloßn füße

wenn du die arme hochreißt kind

wirst du das glas durchbrechn
stopf dir die splitter in den mund
und knirsch mit den zähnen
blutig die zunge das fleisch

     mein kind


spann dir die zähne gerade und lächel

nur ein gerades gebiss darf kaun

     WENN DU FURZT ODER RÜLPST

     STIRBT EIN ENGL IM HIMML

du musst die wörter ordnen im hirn

sie dürfn dir nicht entgleitn
du musst dir silbn heftn an den mund
die zunge im gaumen vernähn

die ordnung der wörter muss gewahrt sein

muss unbedingt gewahrt sein

     mein kind

     mein kind

     EINATMEN AUSATMEN

     EINATMEN AUSATMEN
     EINATMEN AUSATMEN
     EINATMEN AUSATMEN
     EINATMEN AUSATMEN

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sábado, 28 de dezembro de 2013

Iranian Poets Fateme Ekhtesari and Mehdi Moosavi Imprisoned

Notícia extraída da revista Montevidayo, nota do poeta sueco Johannes Göransson.





[I was asked to translate this from a facebook page set up by Swedish poets who have worked with Fateme Ekhtesari:]
As friends and colleagues of the poets and activists Fateme Ekhtesari and Mehdi Moosavi, we want to call your attention to the fact that they have been missing from their homes in Iran since December 7. On Christmas Eve it was confirmed that they are in the infamous Evin Prison in Teheran.
During 2013, Fateme Ekhtesari, born 1986, has been part of the literary exchange, Resistance At My Writing Desk, through which six poets from Iran and six poets from Sweden together translated the Persian poets’ work to Swedish. The collaboration culminated in a special issue of the journal Kritiker devoted to contemporary Persian poetry, as well as appearances by the Persian poets at the poetry festivals in Stockholm and Göteborg this past September. Upon returning to Iran, Fateme was arrested and interrogated for hours. Her Facebook account was hacked and her blog was shut down.
On December 6, Fateme was supposed to travel to Turkey with her writing teacher, the poet and activist Mehdi Moosavi, born 1976. At the airport they were both informed that they had been placed under travel bans and were instead summoned to an interrogation. They chose not to appear at the interrogation, but within a few hours they had disappeared. Since then, nobody has heard from them. On Christmas Even, sources from the Evin Prison confirmed that they were there.
We hope you will use whatever channels and forums you have access to in order to spread the word about the situation of these poets. The families of Fateme and Mehdi are trying to call attention to their situation. Please contact administrators to spread the news. Share the information about the event in every possible way.

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sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Tal Nitzán traduz para o hebraico meu poema "Ísis Dias de Oliveira (1941 - ?)"



Durante nossa passagem por Tiradentes, durante o Festival Artes Vertentes 2013, conversei muito com a poeta israelense Tal Nitzán sobre a natureza do político no trabalho poético. Foram dias muito bonitos. Tal, após minha leitura do poema "Ísis Dias de Oliveira (1941 - ?)" na Igreja do Rosário, num domingo, disse-me que gostaria de traduzi-lo. Ela é a tradutora israelense premiada de autores latino-americanos como Antonio Machado, Federico García Lorca, Pablo Neruda, Octavio Paz, Jorge Luis Borges, Cesar Vallejo, Alejandra Pizarnik e Cesare Pavese. Fiquei muito tocado, especialmente por levar o nome e a memória de Ísis a outras línguas, aumentando talvez a consciência do que por aqui ocorrer.  Compartilho aqui a tradução, seguida da tradução de Odile Kennel para o alemão e o original. O poema foi publicado pela primeira vez em meu livro alemão, Körper: ein Handbuch (Berlin: Verlagshaus J. Frank, 2013). No Brasil, fará parte do meu próximo livro.



(1941-?) איזיס דיאס דה אוליביירה 



אולי
היתה עכשיו
משועממת ביום ראשון,
עגומה על הספה
או ישנה
אולי גרושה.
אולי היתה חיה
עם שלושה ילדים
שמעולם לא היו לה
בדירה שכורה
זעירה, מאושרת
או אומללה, כמו
שקורה תמיד, אולי. אולי
היתה נועלת בשמש
את נעליה האהובות,
כבר די שחוקות, גנובות
מחברה שאיתה
לא היתה מדברת עוד,
אולי. אולי כבר היתה נופלת
בידי ההתאבדות,
או הבעל השני,
אולי רק סורבה
תמרינדי, אולי.
אולי היתה צוחקת,
מספרת בדיחה
תפלה
שכל החברים
כבר לא מסוגלים
לשמוע, אולי. אולי
היתה תוהה
במה הועיל המאבק
וכל החיים האלה
כדי שהמדינה
תהיה בסוף
כמו שהיא, אולי.
אולי
היתה מהגרת
ומביעה את שמחותיה
עכשיו באקלימים אחרים,
מתבטאת עכשיו בשפות אחרות,
לא זוכרת שום מאבק
ושום גרילה, אולי.
אצבעותיה היו עכשיו אולי
מוכתמות מן הדיו
של עיתון הבוקר
שמשקר לעתים קרובות,
כפי ששיקר כבר אז,
אולי, והדיו היתה
נטמעת עכשיו בלובן
הספל, כפי שחומר
עובר מחומר אל חומר,
אילו חיתה,
אולי.


§

Ísis Dias de Oliveira (1941- ?)

Vielleicht
würde sie sich gerade
langweilen an einem Sonntag
hätte den Blues
auf dem Sofa, oder schliefe
geschieden, vielleicht.
Vielleicht würde sie 
mit den drei Kindern
die sie nie bekam
in einer Einzimmer-
Mietwohnung leben, glücklich
oder unglücklich
wie man eben so ist, vielleicht.
Vielleicht zöge sie
in dieser Minute
in der Sonne ihre abgenutzten
Lieblingsschuhe an
der Freundin stibitzt
mit der sie verstritten wäre
vielleicht. Vielleicht hätte 
der Selbstmord sie längst
geholt, hätte sie schon
den zweiten Mann, eventuell
auch eine Kugel Eis, vielleicht.
Sie würde sich kugeln
vor Lachen, vielleicht
beim Erzählen eines schlechten
Witzes, den ihre Freunde
schon nicht mehr
hören könnten. Vielleicht
würde sie fragen, warum
sie dieses Leben, diesen Kampf
geführt hat, wenn kein
besseres Land
herauskam als dieses.
Vielleicht wäre sie emigriert
wäre heiter in einem anderen
Klima, einer anderen
Sprache, vergessen
die Bewegung
der Untergrund, vielleicht.
Ihre Finger wären vielleicht
voller Druckerschwärze
von der Morgenzeitung
die vielleicht
wie früher
lügen würde
und das Schwarz
färbte ab auf die weiße
Keramiktasse, so wie
Materie von Materie
auf Materie übergeht
sofern lebendig
vielleicht.

§

Ísis Dias de Oliveira (1941 - ?)

Talvez
ela estivesse agora
entediada num domingo,
cheia de banzo no sofá
ou dormindo
divorciada, talvez.
Talvez ela vivesse
com os três filhos
que jamais teve
numa quitinete
de aluguel, feliz
ou infeliz, como sói
ser, talvez. Talvez
vestisse ao sol
os sapatos favoritos
já meio gastos, roubados 
da amiga
com quem já não falasse,
talvez. Talvez o suicídio
já a houvesse colhido,
ou o segundo marido,
quiçá tão-só um sorvete
de tamarindo, talvez.
Talvez estivesse rindo,
contando a piada
sem graça
que todos os amigos
já não aguentavam
ouvir, talvez. Talvez
questionasse
o que valeram luta
e toda aquela vida
para que o País
acabasse
como acabou, talvez.
Talvez 
houvesse emigrado
e submetesse suas alegrias
agora a outros climas,
exprimindo-se noutra língua,
esquecida de militâncias
e guerrilhas, talvez.
Seus dedos agora talvez
estivessem sujos de tinta
do jornal matutino
que mente a miúdo,
como já antes o fazia,
talvez, e a tinta agora
se juntasse ao branco
da louça da xícara,
como se transporta
matéria de matéria
a matéria, se viva,
talvez.


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quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Jovens poetas europeus: João Miguel Henriques



João Miguel Henriques nasceu em Cascais, Portugal, em 1978. Estudou Literatura em Lisboa, Jena (Alemanha) e Edimburgo (Escócia). Vive e trabalha em Lisboa. Estreou com o livro O Sopro da Tartaruga (2005) e publicou este ano Este é o meu corpo (Lisboa: Tea for One, 2013). Mantém o blogue Quartos Escuros.

Nas palavras de Miguel Martins, um dos poetas contemporâneos da língua que mais respeito:

"João Miguel Henriques é poeta. João Miguel Henriques é emigrante. (Dois motivos para termos pena dele). João Miguel Henriques bebe copos de 1920 como quem bebe copos de Carbo Sidral. João Miguel Henriques come púcaras de chanfana como quem come tacinhas de marshmallows. (Dois motivos para termos inveja dele)."


TEXTOS DE JOÃO MIGUEL HENRIQUES


Este é o meu corpo

disseste
buscar alento
como algo
para a boca
algum alimento
algo nosso
de cada dia
dado em dado momento
para a travessia

só que (lembras?)
nós não semeámos
nada lançámos ao vento
não madrugámos
nada colhemos
votámos a seara
ao esquecimento
e hoje nada há sobre a mesa
nada partido
e repartido
que não já o sentimento

§

Boa promessa

não tem de ser hoje não
nem mesmo amanhã
ou  muito em breve
apenas que seja
que dê um dia
que um dia se dê

chamemos boa promessa
à vileza do adiamento
que as coisas boas vêm com o tempo
e só quem espera muito alcança

não tem pois de ser já
agora mesmo
ou mesmo para ontem

somente que seja
apenas que valha a pena

§

Tens o corpo a arder sobre a colina

tens o corpo a arder sobre a colina
esquecida da casa
da penumbra do quarto

alastras fogo
pelo bosque
como musgo

chamam-te chama
assinas labareda

e a um toque de tronco
incendeia-se o planeta
como lava perpétua

hás-de um dia enlevar-me nesse fogo
eu que pela orla do teu mato
há tanto me arrasto
morto de frio

§

Penumbra

concede o corpo à penumbra
arrisca um recatamento
diz que foi ela a deter-te no quarto
a toldar-te o discernimento
prepara a noite para o parto

§

Planetário

o mundo arde, amor
as árvores mergulham no rio
os homens fogem para dentro da terra
em covas escuras, para junto dos mortos

a palavra regressa à boca
a ideia à pedra

e nós, amor, já longe de tudo
adormecidos no planetário


§

Roteiro

lestos, farejantes
avançando na tua pegada
bordejamos o rio
na conquista do vale

levamos o vento pelo braço
a erva alta junto ao flanco
seguimos-te o passo

contornamos penedos
por entre saltos de lebre
sobre largos troncos caídos

subimos contigo uma colina
suspeitando à nossa ilharga
o ocaso sereno do dia

e a um vislumbre de oliveiras
suspendes o andamento

levas o lenço à testa
e voltas a face
com os lábios em sangue:

"estamos perto"


§

Cartas panónias

Senhor,

Venho por este meio endereçar-Vos uma primeira missiva de natureza oficial, conforme me obrigam, creio, as disposições legais do Império, em sequência do inquietante e prolongado desaparecimento do nosso estimado governador.

Devo a este respeito fazer desde já notar, não sem mágoa e uma certa perplexidade, a inconsequência de todas as diligências até agora levadas a cabo, das quais Vos pretendo dar detalhada conta em epístola futura. Adianto porém não ter sido ainda explorada a hipótese de um envolvimento das gentes nativas no misterioso incidente, dada a índole habitualmente mansa e cortês desta Vossa panónia massa de súbditos, em nada propensa, se não me engano, a actos de silenciosa sedição.
Mas à parte deste episódio, que tanto sei muita tinta e verborreia fez já correr na capital do Império, bem como noutras províncias e redutos imperiais, cabe-me garantir-Vos, Senhor, de coração sincero e vincado sentido do dever, que assumo com absoluta dedicação a responsabilidade que me impõe o destino e o imperial regimento de Vos informar sobre tudo o que de relevante ocorre nestas panónias paragens do Vosso domínio. E ademais sabei que muitíssimo me honra esta incumbência, pelo desejo pessoal há muito sentido de conVosco partilhar, se tal me é permitido, o que durante largos meses pude aqui observar, matérias para as quais pouco espaço e propósito me oferecem ofícios e relatórios administrativos.

Eis-me portanto aqui, Senhor, corpo batido pelas estações da planície, no espaço longínquo de insuspeitas longitudes, onde corpo morto de rato pequeno é repasto imediato de corvo ou gavião, e do estio ao inverno o grau cai a pique pela ausência de mar. Aqui o tempo tem muitas verdades. Por ora a terra panónia lá se vai preparando para a imperial colheita, na esperança, Senhor, de um dia lhe concederes o gáudio de uma visita Vossa.

Do Vosso súbdito fidelíssimo,
com votos ardentes de que esta carta Vos encontre de excelente saúde e paz governativa.

J

§

Cartas Panónias

Senhor,

Recebei em Vossas ebúrneas mãos, com a parcimónia que sei pautar a Vossa natureza, mais esta humilde missiva, que tantas léguas veio a cobrir para Vos encontrar. Daqui, onde o estio vai lentamente esmorecendo e já a frescura das noites pressagia a estação que se avizinha, enviam-Vos Vossos súbditos e servidores as mais sinceras e dedicadas saudações, que o Vosso nome, à falta ainda de uma imagem ou contorno de rosto, é lenitivo permanente para todas as agruras da existência, pronunciado em todas as panónias partes por lábios modestos, em sinal de louvor e esperança.

Sabeis bem que por aqui se aproxima o mês das colheitas, e não é sem certo traço de reprovável orgulho que me atrevo a prever resultados portentosos nesta Vossa província, dos quais, como é devido, não deixarei de dar conta, em documento próprio, aos oficiais do tesouro, para que posteriormente seja preparada a respectiva guia de transporte para a metrópole. Orgulha-se a enfadonha Panónia das suas artes agrícolas, e é certo que por aqui não nos tem desiludido a terra escura. Que assim seja, esperamos todos, por largos e pacíficos anos.

Distinta empresa, Senhor,será manter as populações indígenas no conveniente estado de mansidão laboriosa que por ora as caracteriza. Pergunta-me a metrópole, não sem algum propósito, se não haverá dedo nativo no desaparecimento do nosso saudoso governador, e eu próprio, ainda que me envergonhe a incerteza, tenho a maior dificuldade em considerar semelhante hipótese, por jamais ter testemunhado o mínimo indício de atrito ou sedição no seio das comunidades. Em todo o caso, Senhor, na eventualidade de se decidir confrontar os reservados indígenas com a suspeita do crime de rapto ou homicídio, ficai desde já com o meu humilde conselho de que tal seja empreendido apenas após as colheitas, de modo a não melindrar o espírito de tranquilidade e dedicação que as propicia.

Tenho bem a consciência, Senhor, sem que Vós o digais, que de tudo isto depende o meu posto, a minha honra, o meu prestígio a Vossos suaves olhos. Tranquiliza-me porém saber que de Vós não receberá o panónio domínio menos que a mais justa consideração.

Já o choupo vai perdendo a sua primeira folha e eu sorrio, Senhor, ao pensar que este vento que a noite arrasta também já Vos terá percorrido a face e levantado a ponta de Vosso real manto.

E assim já por ora me despeço, com as costumeiras saudações que me impõe o ofício e os calorosos votos de saúde e bonança que me dita o coração.

O Vosso humilíssimo súbdito

J

§

Cartas Panónias

Senhor,

Escrevo-Vos hoje com tal embaraço e angústia, que muito me pesa a pena que empunho e mais me resiste o fólio à escritura a que me vejo obrigado. Tomei recente conhecimento de que não terá chegado à metrópole toda a tara de mercancias resultantes da panónia colheita, conforme aqui registada à partida da caravana. A este respeito não poderá seguramente falar-se de nada menos que furto de imperial propriedade, crime para o qual é bem conhecida em todas as partes a costumeira punição. Sabei porém não haver registo ou sequer suspeita, em todo o largo percurso até à metrópole, de incidente ou quebra de protocolo que possa ter conduzido ao desaparecimento das mais de dez arrobas em falta. E é neste ponto que se me enrola a língua e se me adormentam os dedos, Senhor, por não ter algo de concreto que Vos possa desde já transmitir a este respeito. Não posso deixar de aparentar este episódio com o enigmático desaparecimento do nosso saudoso governador, pelo que a meu ver se torna agora inevitável mão mais pesada nas averiguações que se impõem.

Assumo, Senhor, a minha enorme culpa pelo escrúpulo que até agora exibi em tratar destes graves acontecimentos com a firmeza que é forçoso aplicar. Alguns me acusarão, não sem certa justiça, de excessiva afeição pelas gentes locais, o que porventura tende a toldar-me a razão e a refrear em mim certa necessária dureza na demonstração da autoridade imperial. Desse grave pecado, Senhor, não pretendo ser de futuro acusado, pelo que darei início, logo que puder contar com Vosso soberano consentimento, a todo um preparado conjunto de detenções e interrogatórios, com o fim de esclarecer os incidentes mais recentes e evitar que na panónia província se instale qualquer clima de impunidade, o qual, como decerto sabeis, é a daninha raíz da queda de impérios e civilizações.

À falta de resultados concretos em sequência das investigações que pretendo pessoalmente levar a cabo, encontram-se em preparação algumas medidas de punição arbitrária colectiva, com o mencionado propósito de, se me é permitida metáfora em oficial epístola, cravar fundo na escura terra da Panónia o magno selo do Vosso ditoso império.

Ergo agora os olhos, Senhor, e diante de mim corre suave o rio à luz difusa desta manhã de Outono. O mesmo rio que, léguas mais abaixo, delimita a autoridade por Vós estabelecida sobre esta desolada planície. Não posso deixar de pensar, Senhor, que talvez se esconda na outra margem, por detrás das fileiras arbóreas que bordejam as águas, a explicação para as inquietações de que hoje padecemos. Virá o dia, imposto pelo destino ou pela necessidade, em que forçoso será cruzar as águas e enfrentar o que a lonjura nos reserva. Também para isso servirão como preparação e sondagem os interrogatórios de Inverno que Vos proponho.

Ardo, Senhor, por célere resposta, na esperança de que podeis confirmar a Vossa confiança na minha função e assim honrar-me com o ensejo de pugnar pela perpetuação do Vosso nome.

O Vosso servo

J

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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

HELP WANTED / EMPREGA- SE / PRAKTIKANT GESUCHT (2013)

Intelligayntsia

No aniversário dos 118 anos do suicídio de 

Raul Pompeia 
 (Angra dos Reis, 12 de abril de 1863 — Rio de Janeiro, 25 de dezembro de 1895)

é meu prazer anunciar pubicamente que vem aí 

::: Intelligayntsia ::: 

a nova revista das 8.

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terça-feira, 24 de dezembro de 2013

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Poema inédito de Guilherme Gontijo Flores



pra que lado isso poderia não ser uma 
talvez pergunta? feito afirmar-se faca cega
como quem segue seu destino numa via de mão única

como amar seria correr sem descanso
todas as linhas de metrô pulando por todo o dia e à noite
escondido nalgum vagão
fincar-se numa cabine qualquer por anos a fio
(quem sabe horas) a metros e metros
de uma possível química solar
e a pele se descora e se descola aos poucos
da sua ossada a coluna arqueando
os pés tirados pra balanço
os olhos revirados crânio adentro

na esperança de encontrá-la
eldorado concretada
sob os escombros do trianon




Guilherme Gontijo Flores é um poeta, tradutor e crítico brasileiro, nascido em Brasília em 1984. É graduado em Letras pela UFES, e mestre em estudos literários pela UFMG com a tradução integral das "Elegias" de Sexto Propércio (43 a.C. - 17 a.C.), no prelo. Hoje é professor de Língua e Literatura Latina na UFPR e termina seu doutorado na USP, sobre as "Odes" de Horácio (65 a. C. - 8 a.C). Já publicou traduções de As janelas, seguidas de Poemas em Prosa Franceses, de Rainer Maria Rilke (em parceria com Bruno D'Abruzzo), e de A Anatomia da Melancolia, de Robert Burton, em 4 volumes. É cofundador da revista escamandro, que publica poesia, tradução e crítica. Seu livro de estreia, brasa enganosa (São Paulo: Editora Patuá), foi lançado este ano. Leia mais poemas dele na Modo de Usar & Co.

domingo, 22 de dezembro de 2013

Sítio arqueoerológico

sítio arqueoerológico

                    I don´t like that stranger sneezing over our love
                                               Frank O´Hara

se nos enterrassem juntos e passássemos séculos e milênios
fazendo concha primeiro com a pele então músculos ossos
um do outro mais tarde um grupo tedioso de arqueólogos
nos encontrasse e perturbasse os nossos sonhos de poeira
enamorada quem nos dera querido sejam meros amadores
e confundam nossos ossos na hora das análises e tua tíbia
passasse por minha a minha ulna passaria por tua oxalá
nem encontrem as nossas bigornas martelos e estribos
porque de ouvir bobeiras já nos cansamos ao extremo
fofocas boatos sobre nós bastam os de nosso tempo
mas ao menos percebam ao datar o nosso cálcio
que essa história é mais velha que nossos corpos
e respeitem nossos restos e os de aqueles todos
a quem não foi dada a glória da convivência
seguida pela sorte tamanha da comoriência
e que não ousem engavetar-nos separados
mas nos devolvam por fim ao silêncio
que só nós quebramos em cochichos
que soletram soerguem só o nosso
o nosso próprio tão-só pó


Ricardo Domeneck, 22 de dezembro de 2013.



Texto em que o poeta apaixonado pensa n´O Moço e regride até na linguagem


moço, êêê moço perdidu
nêssi múndu grândi sem portêra

ocê é um pão, diria minha mãi
lá pros idos di 84

quando ocê nasceu má não
na terrinha rôxa de Bebedôro

muitu mênus aqui nu mêiu da famía
penhorada, comu dizia meu pai

i assim minha vó num pôde
fazê pirão de frângu pru resguárdu

da sua mãi, moço, nem interrá
seu cordão umbilical nu meu quintal

pra protegê seu futuro dos roedô
nem pudéru as muié da famía

fazê gemada ou chá di cidrêra
quando ocê tava adoentádu

nem assoprá os raládu dos seus tômbu
i dizê "upa! caiu!" i esticá u bandêidi

amorosamenti, eu oito ânu mais véio
num púdi ouví ocê dizê "pega eu, pega!"

pela primêra vêiz, nem brincá peládu
nu mêiu da rua sem a menó vergonha

na cara, i num púdi fazê seu lânchi
pra hora du recrêiu, moço,

ocê tava na lonjura e num sabia
das minhas vergonha di bíchu-du-mátu,

tímidu di fazê duê, au lôngi,
eu numa cidadizinha ocê n´ôtra

mas c´um oceânu pelu mêiu
i línguas nem mêsmu prima

enquântu crescia suas perna
mais rápidu qui u trôncu

intão num vi ocê adolescênti
desengonçádu di ispinha

só discubri ocê quându já era
essa tôrri pálida di áltu tesão

ocê é u mais grândi di todos
ocê é u mais piqueno di tudo

i óia como ocê cabeu aqui
nu meu bôlsu da calça

fazênu eu andá di banda gastâno
assimetricamênti as havaiana

má depois foi uma lasca di madêra
uma ferpa nas cutícula nus dêdu

i duêu, moço, duêu
pra diacho pra caramba

eu quiria podê iscrevê
um poema procê

má não na língua de Camõis
i sim nu meu idiolêtu d'infânça

chêiu de referêncinhas difícil
pru zóio ateu mas não os seu

dizê assim ao seu pé d´ôvidu
qu´eu tô na caverna, moço

i ocê saberia a qui peleja
i furdúnçu di reis mi refíru

i quando eu lacrimejássi ocê
mi disafogasse du choradô

porque óia só, moço,
cômu mi deu até solúçu

dizênu: "êita! num seja
tão boca-de-Leandro!"

u qui só minha mãi i as irmã
entenderiam si tivêssi têmpu

da labuta pra lê meus poema
i eu intão choramingandim

diria: "juízu, êin, moço!"
i pidiria assim: "sua bença!"

i ocê respondiria "deus,
ti abençôi, meu fio"

i quâno desse paúra du iscúru
i o véiu cagáçu di morrê

eu imploraria que mi fizéssi
um cafuné nu pé

i si fôssi dessa prá pió
ocê mi ressuscitássi

si eu descêssi a Campos Salles
inquanto eu repetia sem pará

cê jura? cê jura
que num mi lárga

nunca nunquinha?


§

Bebedouro, interior de São Paulo, 22 de dezembro de 2013, 
depois de passar uma tarde com minha sobrinha.

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sábado, 21 de dezembro de 2013

Akia feat. Jonas Lieder - "Old Man" (colaboração entre dois dos meus melhores amigos)

Uli Buder                                                    Jonas Lieder


Duas das pessoas mais próximas que tenho em Berlim colaboraram nesta coisa bonita: o produtor Uli Buder (Hoyerswerda, 1986), mais conhecido como Akia, e o cantautor Jonas Lieder (Frankfurt am Main, 1983). Compartilho com vocês.
 
Akia feat. Jonas Lieder - "Old Man" (2013)

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sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

poemetos de cozinha

poemetos de cozinha entre um cigarro e outro, o café esfriando.

amor

I.

      après Creeley


é uma coisa

           que nem eu

sei:

           óia lá

  o gato

             e

                  o rato

             e

   eu

                     não

sou cachorro

                     não



§



II.

sou eu
ou seu




Rocirda Demencock, dezembro de 2013



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quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Meus amigos estão ocupados: PARTE 2: O melhor de 2013

Postei ontem várias canções, poemas e notícias do que meus amigos e companheiros andaram produzindo em 2013. Chamemo-la de meu "Best Of This Year". Segue aqui a segunda parte.

Joel Gibb, o homem por trás da banda canadense The Hidden Cameras, lançou há pouco um novo álbuml. Joel é excelente cantor e letrista. Mostro abaixo o vídeo para a extremamente atual "Gay Goth Scene". Dedico esta a Silas Malafaia e Marco Feliciano.


§

Por organizar o evento READING: a night ot text / sound / video com meu amigo Black Cracker, tive a oportunidade de conhecer Louis MacGuire, que se apresentou como Young Neck no evento de maio. Foi um dos presentes que recebi em 2013, sua amizade. Excelente produtor, e agora bateirista da banda Ballet School.





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Ficando ainda na beleza de ter conhecido Louis, graças a ele pude conhecer também Rosie e Michel, com quem ele forma a banda Ballet School, que lançou este ano seu álbum de estreia. Abaixo, a apresentação deles no nosso evento READING: a night ot text / sound / video, e seu vídeo para "Crush".



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Meu amigo Niklas Goldbach produziu e viajou muito em 2013. Visitem seu website. E vejam abaixo a última coisa que ele subiu para a rede, um excerto de "Prologue".


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Adelaide Ivánova está prestes a lançar um livro com a editora Cesárea, de Schneider Carpeggiani. Fez várias exposições na Europa. Posto aqui um de seus poemas e uma de suas fotos recentes.


tulipas
Adelaide Ivánova

meu parapeito
não tem flores,
meu apartamento
não tem geladeira,
ponho os saquinhos
de mussarela do lado
de fora da janela
para não estragarem
e assim prescindo
de tulipas.

:

fotografia recente de Adelaide Ivánova

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Veronica Stigger lançou um dos melhores livros de prosa do ano, Opisanie świata (São Paulo: Cosac Naiy, 2013), e foi merecidamente reconhecida com vários prêmios.


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Aquele que considero um dos melhores poetas da língua hoje, o português Miguel Martins (n. 1969), seguiu postando excelentes poemas em seu blogue. O poeta, além disso, traduziu este ano A Arte do Ruído, de Luigi Russolo. Abaixo, seu poema mais recente.

A carapuça universal
Miguel Martins

Entre cintilações fugazes e pretéritas
e as cinzas litigantes do presente,
vão mastigando o bolo, quimo, quilo,
vício mandibular e nada mais. 

Pegas de costas, arpoação de enguias
e umas danças de roda nos saguões,
vão evitando a formação de vértebras,
o que empecilharia o ganha-pão. 

Tomados de tonturas ante os monstros,
mesmo se de algibeira, canivetes,
vão floreando com palavras destas
o que, está bom de ver, é, tão-só, merda,

que melhor fôra não a ver jamais
– pensar é não viver, é literatura,
e fingir que se pensa, então, é cal
a disfarçar um desasseio intenso.


§

Este foi um ano de trabalhos hercúleos no campo tradutório, e destaco o trabalho de Guilherme Gontijo Flores na tradução de A anatomia da melancolia, de Robert Burton, em 4 volumes. Merecidamente premiado. Guilherme é, além do mais, coeditor de uma das melhores plataformas digitais de poesia traduzida no Brasil, escamandro.





§

2013 foi também o ano do surgimento de um novíssimo cujo trabalho muito me interessa: Rubens Akira Kuana, nascido em Videira, Santa Catarina, em 1992. Vive em Curitiba, onde estuda Arquitetura. Abaixo, seu poema mais recente.


Vida e Morte nas Grandes Imagens
Rubens Akira Kuana

interferir na sua fome
por score e ranking
ocioso, qual pontuação
devo alcançar para ser
aceito em seus ciclos

projeções, simulacros
mensagens de texto
visualizadas mas
não respondidas
10:20 17:50 23:45

o máximo esperado
o mínimo ocorrido
pratico o situacionismo
conforme espetáculo
ou ornamento acidentais

as minhas teorias
da deriva somente
conferem aos passos
um nome Próprio
para solidão

ponto nodal, envoltório
bolha química
bolha imobiliária
superfície contínua
homogênea, fragmentada

onde a superacumulação
de repudiações líricas
desenvolve, rígida
o apocalipse de todos
os anticorpos virais

jamais supus aumento
em conta corrente conjunta
porém ao assinar nosso seguro
desemprego, submeto
trabalho e obra

o crédito consignado
à loteamento e pena
reúne o cárcere
gentrifica a goela
reifica

feito um pássaro
feito um pássaro
mundano
feito um pássaro
moído

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