sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Nota sobre minha descoberta dos poetas finlandeses Paavo Haavikko (1931 - 2008) e Pentti Saarikoski (1937 – 1983).

Soube esta semana da morte do poeta e tradutor Anselm Hollo (1934 - 2013). Hollo foi um destes polígrafos desenraizados. Nascido na Finlândia, em Helsinki, cresceu na Alemanha com seu avô e começou sua carreira como poeta escrevendo em alemão. Mais tarde, casado, mudou-se para Londres, onde passou a trabalhar na BBC e reiniciou sua carreira literária como poeta britânico e anglófono. Em 1965, por exemplo, Hollo leu na lendária International Poetry Incarnation, a noite de leituras no Royal Albert Hall que, com casa lotada, reuniu ainda os poetas Allen Ginsberg, Gregory Corso, Alexander Trocchi, Adrian Mitchell, Ernst Jandl, William S. Burroughs, Christopher Logue, George Macbeth, Lawrence Ferlinghetti, Michael Horovitz, Simon Vinkenoog, Harry Fainlight, Spike Hawkins e Tom McGrath. Seu trabalho foi incluído, entre outras, na antologia Children of Albion: Poetry of the Underground in Britain (London: Penguin Books, 1969).

Mas foi nos Estados Unidos que Anselm Hollo tornou-se poeta de poetas e respeitado tradutor. Hollo traduziu Bertolt Brecht para o inglês, Allen Ginsberg para o finlandês e William Carlos Williams  para o alemão. Entre muitos outros.

Lendo sobre o poeta na Rede, em meio aos louvores por suas muitas traduções, li pela primeira vez os nomes dos poetas finlandeses Paavo Haavikko (1931 - 2008) e Pentti Saarikoski (1937 – 1983),  que ele apresentara aos leitores anglófonos, mencionados como mestres em seu país e responsáveis pela modernização da linguagem poética finlandesa.

Sempre aprendemos que, no Brasil da década de 20, nossos modernistas investiram contra a "mais atrasada das literaturas". Mas eu folgo em dizer que, em comparação com vários países europeus, ter chegado ao Modernismo na década de 20 nos põe à frente de vários países "civilizados", sem mencionar que já havíamos chegado a uma Literatura Moderna no fim do século XIX, com escritores como Machado de Assis, Joaquim de Sousândrade, Qorpo-Santo, Raul Pompeia e Cruz e Sousa, ou, logo em seguida – naquela outra geração também maravilhosa e, como a anterior, tão melhor que muitos dos modernistas, – com Lima Barreto, Euclides da Cunha, Augusto dos Anjos e Pedro Kilkerry.

Paavo Haavikko na década de 50


Na pesquisa que fiz nos últimos dias, é reputado a Paavo Haavikko e Pentti Saarikoski a chegada à modernidade poética finlandesa apenas na década de 50, justamente por meio de uma técnica que seria realmente inaugurada pelo Grupo de 22 entre nós: a quebra da barreira entre linguagem falada e linguagem poética. Segundo um resenhista da tradução de Anselm Hollo para o livro de memórias/romance The Edge of Europe, de Pentti Saarikoski, a mescla de registros na poesia deste teria tido o mesmo impacto chocante na Finlândia que os trabalhos de Burroughs e Ginsberg tiveram nos Estados Unidos à mesma época.

"First there were hopes and expectations, then came orders and restrictions, after those, requests and demands, they were attached to one's earlobes and buttocks, and characteristics were distributed at the same time, so that was when one learned to lie, to obey and to lie, to eat what was served, to go to church, to the theater, to the cafe, to smoke tobacco and to drink liquor, one learned all kinds of things, the names of birds and flowers and emperors, but then, one day, the birds stopped singing, the flowers stopped flowering, and the emperors stopped ruling, evolution had rolled back tens of millions of years, and you were a shrew. You did not know that you would become a human being who would be fruitful and multiply and build navies and great cities." --- Pentti Saarikoski, no livro de memórias The Edge of Europe, em tradução de Anselm Hollo.

Mesmo numa literatura hoje forte dentro da Europa como a eslovena, a modernização da linguagem poética só chegaria com o livro de estreia do então jovem Tomaž Šalamun, intitulado Poker (1966), quando este tinha 25 anos. Sua poesia à época o liga em arco espiritual e sincrônico à poesia que Roberto Piva estava publicando naquela época, como em Paranoia (1963) e Piazzas (1964).

Mesmo na poesia norte-americana, a barreira entre linguagem falada e linguagem poética só cairia de vez com Frank O´Hara, Allen Ginsberg e outros da década de 50. Se Manuel Bandeira foi nosso São João Batista neste aspecto, o dos americanos foi William Carlos Williams.

Dos dois poetas finlandeses o que me parece mais fascinante é Pentti Saarikoski, ainda que tenha gostado muito de tudo o que encontrei na Rede de autoria de Paavo Haavikko. Deste último, leia por exemplo estes:



&

Paavo Haavikko


Mas a personalidade de Pentti Saarikoski parece ter sido daquelas transbordantes, larger than life. Saarikoski gostava de gabar-se de ter sido o único escritor no mundo a traduzir para sua língua tanto a Odisseia, de Homero, como Ulysses, de James Joyce

Pentti Saarikoski na década de 50.

O poeta candidatou-se ao Parlamento de seu país duas vezes, foi comunista militante, e estava constantemente envolvido em escândalos para a sociedade conservadora do país, com seus muitos casamentos e bebedeiras. Uma figura que talvez se aproxime do nosso Vinícius de Moraes, mais velho que ele. Sua última grande obra foi a Trilogia, três coletâneas de poemas publicadas em 1977, 1980 e 1983, nas quais o filósofo grego Heráclito parece figurar de forma vultosa.

Abaixo, um vídeo com o poeta, mesmo sem entender bulhufas de finlandês, mas para se ter uma ideia do homem de carne e osso, "o único e verdadeiro irmão, que ri, sofre, ama e morre - sobretudo morre", mas palavras de Miguel de Unamuno.

Pentti Saarikoski

Abaixo, publico alguns poemas de Pentti Saarikoski. Assim como o holandês Gerard Reve, sinto-me desenvolvendo uma leve obsessão sem sequer poder lê-lo no original. Nada de novo no Western Front, já que sou obcecado por vários poetas que não posso ler no original, como Kaváfis e Tsvetáieva.  Prestem atenção na plasticidade vocálica da língua finlandesa no primeiro pequeno poema. 

Editoras brasileiras, por favor, traduzam mais poesia!

§

POEMAS E FRAGMENTOS DE POEMAS DE PENTTI SAARIKOSKI



I thought thoughts, which fit me well,
I walked in a forest, and it was raining on me from the trees,
I came now and then here and there,
and I knew that I was always in the right place.

:

Ajattelin ajatuksia, jotka sopivat minulle,
kävelin metsässä, ja puista satoi pisaroita päälleni,
tulin milloin mihinkin
ja tiesin, että aina olin oikeassa paikassa.

§


     This began two years before the wars
     in a village that now belongs to the Soviet Union
     my sole recollection of the war is the fires they were great
     they don't come like that nowadays
     I run to the window at the wail of the fire engine
     I was on the move all my childhood
     I turned communist
     I went into the cemetery and studied the angels
     they don't come like that nowadays -
     sella in curuli struma Nonius sedet
     I burned books in Alexandria
     I played the part of a stone and a flower and built a church
     I wrote poems to myself myself the chair went up and down
     high-backed ones like that don't come nowadays
     high poetry there is I'm expecting a cheque
          Which is the mistake, the wrong way, or the right, not the Way
          it's ±2
     I live the future times
     I read tomorrow's newspapers
     I support Khrushchev carry the owl from room to room
     I'm looking for the right place for it, This began

(Este é supostamente um dos seus poemas mais famosos, da coletânea What's going on, really?, de 1962, quando ele passou a ser chamado de "Beatle loiro do Norte" pela imprensa literária escandinava).

§


No, Quetzalcoatl, don't come back
we adore other gods here now
your feathers are on special offer
in the supermarkets
your lakes are ice
the island-to-island bridges
are exhaust pipes of human distress
from the apartment windows
dud eyes look out
on People's Square
gone red with innocent blood
no don't come back, Quetzalcoatl
stay with the faith of your ancestors


§

Life is given to man
to make him consider carefully
the position he'd like to be dead in,

grey skies pass over,
the sky's a hanging garden
and earth comes into the mouth like bread.
(from Runot ja Hipponaksin runot, 1959)

§


Snakes with their small tongues
licked my ears clean
once again I can hear
the sounds of the world
Festive
the rowan-berries

I want to keep this peace
in which I have creatures sit on my shoulders
and dance floor on the mountain

§

in the café I sit
look at tall villas on the opposite shore
inhabited by people with their own brand of contentment
other people
they've turned the wind around so the spirit of the city
won't breathe on them
sunny mornings busy with sailboats
on the bay
cool highballs early summer evenings
they have those coming to them
new thoughts won't be needed for a long time

§

I make the kind of observations a depressed person makes
                    the boat's been left there
                                     to rot in the water
                    now that he who used to row it
                                                               is dead

§


I bought a horse from a madman.
He'd sketched it himself
and otherwise it as a perfectly ordinary horse
but its eyes were in its nostrils.
He'd done that
on purpose: so people would see
how mad he was
and buy more briskly.
I bought it.
I thought about the horse: as it would stand in a pine grove
in the evening with blood dripping from the sun's ears.


.
.
.

Um comentário:

Unknown disse...

Esse Paavo Haavikko tem os óculos mais legais de todos os tempos.

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