quinta-feira, 16 de maio de 2013

Recomendação: a antologia "Poesia (Im)Popular Brasileira". E dois poemas de Stela do Patrocínio.



"Poesia (Im)PopularBrasileira é uma antologia que reúne poemas de alguns importantes poetas brasileiros menos conhecidos do público, ou que, por maior ou menor tempo, ficaram ou estão deslocados em relação aos cânones vigentes, mas que, ao mesmo tempo, foram ou são influenciados por elementos da cultura e da fala populares. São eles: Aldo Fortes, Edgard Braga, Gregório de Matos, Joaquim Cardozo, Max Martins, Omar Khouri, Pagu, Qorpo-Santo, Sapateiro Silva, Sebastião Nunes, Sebastião Uchoa Leite, Sousândrade, Stela do Patrocínio e Torquato Neto. O livro está organizado da seguinte forma: cada um dos poetas é apresentado por um autor convidado, o qual também selecionou uma pequena antologia de seus poemas."

Discuti alguns dos autores incluídos na antologia na Modo de Usar & Co.:


Patrícia Galvão
Joaquim Cardozo
Max Martins
o enormíssimo Sapateiro Silva
Sebastião Nunes
Torquato Neto

Trata-se de uma iniciativa excepcional. É um início e dos bons. Os esforços poderiam continuar, pensando aqui em outros autores, como Luiz Gama, Pedro Kilkerry, Hilda Machado, Orlando Parolini, Maria Ângela Alvim, Raul Fiker, Henriqueta Lisboa – essa representante maior de uma verdadeira poésie pure brasileira que ainda espera o respeito de grande modernista que foi –, ou ainda Francisca Júlia, Marcelo Gama, Isabel Câmara, Edimilson de Almeida Pereira e outros.

Omar Khouri está entre os poetas convidados pela curadoria da Modo de Usar & Co. para o Festival Internacional de Artes de Tiradentes este ano, e terá poemas inéditos no quarto número impresso da revista, a ser lançado durante o festival, entre 12 e 22 de setembro, em Tiradentes, Minas Gerais.

Mas esta antologia me parece a maior contribuição antológica neste ano de tantas antologias, justamente por seu caráter de intervenção no cânone, quesito em que algumas outras antologias têm falhado justamente por sua ânsia canônica. Voltarei a esta questão em breve.

A inclusão de Stela do Patrocínio é uma contribuição excelente, por exemplo, para chacoalhar e embaralhar nosso cânone engessado.




Stela do Patrocínio nasceu em 1941, e viveu, desde 1962, internada na Colônia Juliano Moreira, assim como Arthur Bispo do Rosário (1911 - 1989). Sua fala poética chegou a nós transcrita de fitas cassetes por Viviane Mosé, que organizou essa textualidade no volume Reino dos bichos e dos animais é o meu nome (Rio de Janeiro: Azougue, 2002).



O trabalho de Stela do Patrocínio, em sua fala poética, chamou a atenção de vários artistas, como Georgette Fadel, Juliana Amaral e Lincoln Antonio, que encenaram com seus textos o espetáculo "Entrevista com Stela do Patrocínio" (São Paulo, 2005), e o documentarista Márcio de Andrade, que preparou o documentário Stela do Patrocínio - A mulher que falava coisas. Num país como o Brasil, machista e racista, não é de admirar que a poesia de uma mulher negra e tida como louca não tenha tido mais atenção, com sua textualiade que por vezes nos leva a uma forma de logopeia pelo viés da loucura.

Não sou eu que gosto de nascer
Eles é que me botam para nascer todo dia
E sempre que eu morro me ressuscitam
Me encarnam me desencarnam me reencarnam
Me formam em menos de um segundo
Se eu sumir desaparecer eles me procuram onde eu estiver
Pra estar olhando pro gás pras paredes pro teto
Ou pra cabeça deles e pro corpo deles

(Stela do Patrocínio, em diagramação de sua fala por Viviane Mosé)

Suas enumerações e anáforas por vezes nos remetem à poesia urgente de Patrícia Galvão. Nos Estados Unidos, soube-se valorizar a contribuição de uma poeta como Hannah Weiner (1928 - 1997), que fez de sua condição psíquica a forma do seu pensar. No segundo número impresso da Modo de Usar & Co., incluímos uma tradução para poema da norte-americana.


Texto de Hannah Weiner (1928 - 1997)


Lembro-me aqui da asserção de Sérgio Buarque de Holanda sobre a poesia de Dante Milano, ao dizer que "seu pensamento é de fato sua forma". No caso de poetas como Stela do Patrocínio ou Hannah Weiner, seu pensamento é toda a sua forma.

Imagino que Viviane Mosé tenha se guiado pela marcação oral dos sintagmas que se escandiam da boca da poeta Stela do Patrocínio para marcar suas quebras-de-linha, o que em certos textos nos remete à poética de Murilo Mendes.



É dito: pelo chão você não pode ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo
Pelas paredes você também não pode
Pelas camas também você não vai poder ficar
Pelo espaço vazio você também não vai poder ficar
Porque lugar da cabeça é na cabeça
Lugar de corpo é no corpo

(Stela do Patrocínio, em diagramação de sua fala por Viviane Mosé)


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