segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

"Sistema judiciário no patriarcado" - poema recente.

Sistema judiciário no patriarcado

Sempre da mulher a culpa e o crime,
como se diz que por Helena 
se queimou e saqueou Troy City,
e não por Menelau e os testículos 
de Agamémnon, que os criam 
mais valiosos que os filhos
de Hécuba, as filhas de Príamo.
Eis os egos machos dos gregos,
que cantamos até hoje 
como heroicos, sem hesitar, 
perante Polixena,
em vará-la o esterno ao meio,
pois seu sangue quente 
em veias e artérias
valia, é certo, muito menos
que o espectro frio de Aquiles,
sua destreza com objetos fálicos,
e quando enfim as contas do ábaco
pendem à hora e à vez de Hécuba
e cabe-lhe o momento da vingança,
mesmo ela transforma-se em cadela
(tenha ou não agido como rabid bitch)
por palavra de um alcoólatra, Dionísio,
não se esqueçam, também macho
-alfa, tanto quanto aquele Apolo
que atraíra os gregos e os troianos
para o mesmo espetáculo de sandice
do qual escaparam tão poucos,
um deles velejando por dez anos
dependente de outra que entra 
na história com fama de bitch, Circe.
Sempre da mulher a culpa e o crime.

(Publicado originalmente na revista portuguesa Enfermaria 6, editada por Tatiana Faia e José Pedro Moreira (antigos editores da Ítaca) e por Paulo Rodrigues Ferreira (um dos responsáveis pela Fyodor Books, em Lisboa). O poema faz parte do meu próximo livro, que deve se chamar Manual da Anfitriã segundo Hécuba.

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