quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Minha tradução para a "Todesfuge" de Celan


Na segunda-feira, dia 27 de janeiro, comemorou-se a data de lembrança das vítimas do extermínio nazista, a terrível Shoah, assim como o extermínio de homossexuais, Romani, e outros povos e grupos naqueles anos de trevas densas. Postei na página da Modo, nas redes sociais, minha tradução para a "Todesfuge" de Celan, assim como traduções para poemas de Rose Ausländer, Dan Pagis e outros sobreviventes. Esta tradução é de 2008 e havia aparecido apenas em meu ensaio "Tradução, contexto e migrações possíveis", publicado naquele ano na revista Germina. Este poema já foi traduzido várias vezes para o português. Minha tradução leva em conta várias destas traduções, ao menos as que conheço, e tenta apenas apresentar uma outra possibilidade.




Fuga da morte

Leite negro da madrugada que bebemos à tardinha
nós bebemos ao meio-dia e de manhã nós bebemos à noite
nós bebemos e bebemos
cavamos uma cova nos ares onde possamos espreguiçar-nos
Certo homem habita a casa e brinca com víboras que escreve
que escreve quando escurece à Alemanha teu cabelo doirado Margarete
ele escreve e posta-se diante da casa estrelas chamejam ele assovia conclama seus cães
ele assovia enfileira seus judeus faz cavarem na terra uma cova
ele ordena desferi os violinos agora chacoalhemos os esqueletos

Leite negro da madrugada nós te bebemos à noite
nós te bebemos de manhã e ao meio-dia nós te bebemos à tardinha
nós bebemos e bebemos
Certo homem habita a casa e brinca com víboras que escreve
que escreve quando escurece à Alemanha teu cabelo doirado Margarete
Teu cabelo cinzento Sulamita nós cavamos nos ares uma cova onde espreguiçar-nos
Ele grita pás mais fundo no miolo da terra vós e vós cantai e tocai
ele alcança o ferro na cintura agita-o nos ares seus olhos são azuis
mais fundo com as pás mais alto com os violinos chacoalhemos os esqueletos

Leite negro da madrugada nós te bebemos à noite
nós te bebemos ao meio-dia e de manhã nós te bebemos à tardinha
nós bebemos e bebemos
Certo homem habita a casa teu cabelo doirado Margarete
teu cabelo cinzento Sulamita ele brinca com víboras

Ele grita dedilhai com mais doçura a morte a morte é especializada na Alemanha
ele grita desferi azuis os violinos e escalai como fumaça aos ares
assim tereis uma cova nas nuvens onde podeis espreguiçar-vos

Leite negro da madrugada nós te bebemos à noite
nós bebemos ao meio-dia a morte é especializada na Alemanha
nós bebemos à tardinha e de manhã nós bebemos e bebemos
a morte é especializada na Alemanha seus olhos são azuis
ele acerta teu corpo com balas metálicas acerta na mosca
certo homem habita a casa teu cabelo doirado Margarete
ele atiça contra nós seus cães brinda-nos com uma cova nos ares
ele brinca com víboras e sonha a morte é especializada na Alemanha

teu cabelo doirado Margarete
teu cabelo cinzento Sulamita




(tradução de Ricardo Domeneck)

.
.
.

Nenhum comentário:

Arquivo do blog