segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Dois poemas recentes de Ederval Fernandes


O poeta de Feira, Ederval Fernandes

Conheci Ederval Fernandes, nascido em Feira de Santana em 1985, quando estive em Salvador para ministrar uma oficina na Fundação Cultural do Estado da Bahia. Ederval Fernandes é crítico e poeta de mão firme, especialmente quando usa o corte ágil. Tem, além disso, um dos trabalhos mais interessantes, que li nos últimos tempos, na pesquisa dialetal e de léxico local, como no poema "O cobrador da van disse" e, de outra maneira, em outro poema seu recente, "A cabeça do preto", publicado por ele nas redes sociais, poema também de força política diante de nosso racismo sistêmico. Nesta postagem, tentando mostrar dois aspectos de seu trabalho, posto "O cobrador da van disse", com vocalização dialetal do poeta, e o ótimo "Da minha boca". Seu livro de estreia, O Livro Conta Corrente (Feira de Santana: Sarò, 2014), será lançado este mês.

§

DOIS POEMAS RECENTES DE EDERVAL FERNANDES (Feira de Santana, 1985)




O cobrador da van disse

oxeee, mô fio,
é ba-rril.
nego pagou foi pau.
né, moral,
tu num viu?
tu vai pá rua,
pacêro?
simbora, qui é passe.
dinhêro né mato,
que nasce à toa.
amanhã é dumingo,
viu, coroa?,
e cabucives é sagrado...
sem baratino,
no barro, só de boa.
e é isso meismo.
mar menino.
se alterar o plantão,
tu já num sabe?
é daquele jeito,
mô fio.
é dá um mole,
o pipoco vem.
vai, sá-cana -
é-só-o-barril.

§

Da minha boca

a vertigem
do dia são estas
horas:

luz e fogo
levando
embora a noite
calma.

um nada
no nada,
meu adágio
sai e segue.

e um deus (morto)
bebe um café
comigo.

 *

“perigo”,
ele me diz,
“não sou eu,
amigo,
o infeliz
que te trouxe
ao veneno”.

eu sei, eu
digo,
desde pequeno

(cravado
no umbigo)
trago comigo

este jogo
de ases.

e não
vou, eu sei,
fazer
as pazes:

se as fiz,
eu falhei.

 *

do som,
quero a canção;
da mão

(é verdade),
quero e não sei
a liberdade.

não da forma
oca - o veneno
é da boca.

se a língua
portuguesa
é pouca,

isto não é
problema?

não aqui,
assim,
no meu poema.

.
.
.

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