quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Uma pochete para Antonio Prata




Ora, direis, não tens humor, Domeneck?

Tenho, creio já ter demonstrado, ainda que ele tenha pretensões a ser de outra estirpe, ocupado, como vivo, querendo emular gente como Oscar Wilde e Dorothy Parker, ou, mais recentemente, Fran Lebowitz e Stephen Fry. Perdoem. Gera certa acidez na boca, lidar com wit, não humour. Quem leva pedrada aprende a rir diferente. Não há-de me emplacar nas paradas de sucesso da Globo, da Folha, ou levar-me à cadeira do Jô. Culpo meus pais por não terem morado no Rio de Janeiro enquanto eu crescia, para que eu desenvolvesse este gosto pitoresco pelo escracho, o que transforma comediantes brasileiros em luminares da cultura nacional pela porta da frente.


Ora, direis, não tens humor, Domeneck?

Tenho, sorri com o canto da boca, por exemplo, ao ler hoje o texto de Antonio Prata na Folha, chamado "Direitos do homem (sensível)" (Folha de S. Paulo, 30/11/2014), em que ele reclama humorísticamente da falta de um movimento político que o defenda, jovem heterossexual que só quer poder assistir a um jogo do Criciúma com a namorada num sábado à noite, andar de patins e de pochete. Falta-lhe discernimento para perceber que queremos apenas salvá-lo de si mesmo e do ridículo de seu desejo de pochete. Quanto ao jogo do Criciúma, knock yourself out. Como disse Wilde, a pior coisa que pode acontecer a um homem não é não conseguir o que deseja, mas sim o conseguir. No entanto, tenho firmes convicções democráticas, gostaria que Antonio Prata fosse feliz e hoje mesmo fosse visto sob a marquise do Ibirapuera, de patins e de pochete.

Ora, direis, não tens humor, Domeneck?

Não espero exatamente do Brasil, a esta altura, um Monty Python, e já não leio há anos a Folha e os grandes autores contemporâneos nacionais que lá escrevem, a não ser quando algum amigo virtual posta um artigo precedido por aquela curiosa repetição da letra K para demonstrar seu riso. Gosto de riso, caio como mosca no mel. Pessoalmente, preferiria que brasileiros não usassem a letra K desta forma, pois sempre me faz imaginá-los não rindo, mas cacarejando sob um capuz branco pontiagudo. Poderiam usar o R e o S juntos, como fazem outros, ainda que isso sempre leve minha mente para o Rio Grande do Sul, e sei que é preciso escrever um poema sobre o Rio Grande do Sul, mas eu estive lá o mesmo número de vezes que esteve Drummond na Bahia. Sempre sugiro o inglês LOL, porque me lembra o SOS, e penso que todo riso tem seu aspecto de braços agitados em alto-mar, o corpo já meio submerso.


Ora, direis, não tens humor, Domeneck?

Sim, sim, não quero ser adepto da "política do ressentimento", nem sacerdote do politicamente correto. Leio o texto do homem sensível, Antonio Prata, e sorrio com o canto da boca, sim, eu confesso, mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa, vejo nele um daqueles exemplos escamoteados de machismo, daqueles bem básicos, mas é humour, eu sei, além do mais brasileiro, nós somos a democracia racial e ostentamos esse machismo, mas é um machismo democrático, inclusivo, que diz ao amigo viado e à amiga puta que riam, riam, vamos rir para não chorar enquanto são os viados e as putas que levam pedrada. Mas lá está o homem sensível, para nos abraçar e dizer, riam, riam!, vamos rir para não chorar. E ele pede tão pouco, apenas que o deixemos usar uma pochete.

Ora, direis, não tens humor, Domeneck?

Tenho, claro, por que haveria de me apoquentar porque o celebrado e talentoso colunista da Folha pediu um movimento que defenda os homens sensíveis, mesmo que isso lance mão de um nivelamento pela piada de reivindicações sérias de movimentos realmente políticos das minorias, que já falharam até em conseguir proteção na Constituição? Não é culpa dele que estejamos lidando com homens nada sensíveis como Jair Bolsonaro, que também gosta de rir, ele está apenas cumprindo seu número de toques para o jornal, seu texto semanal, seu ganha-pão, não precisa de bichas azedas acusando-o de talvez ter escrito um texto levemente machista, ainda que bastante democrático. E certamente muita gente riu e espalhou Ks e Rs e Ss pelas redes sociais. Pessoalmente, ri mais com as fotos da Parada do Orgulho Hétero no Rio de Janeiro.

Ora, direis, não tens humor, Domeneck?

Certamente, sei até mesmo que gente da minha laia precisa ter, já que só entra na novela da Globo se for para servir de palhaço, tem que ser engraçadinho, então somos, somos muito engraçadinhos, estamos aqui, fazemos nosso papel, tentamos salvar os machos sensíveis de seus desejos irrefreáveis por pochetes, já nos acostumamos até a ver como, 5 anos mais tarde, até os boys da Paulista estão usando as roupas que usávamos 5 anos antes, alguns estando talvez até entre os que se divertem, nos finais de semana, quebrando coisas na nossa cabeça na mesma gloriosa avenida. De qualquer forma, tenho minhas convicções democráticas, elas são firmes, e se alguém puder, por favor, envie para a redação da Folha de S. Paulo uma pochete, endereçada a Antonio Prata. Eu pago.

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